Patrícia Melo
Arte não serve para nada (e muito menos nós, os artistas). Arte é arte. E a razão de se fazer arte é a própria arte, da mesma forma que a razão da vida é a própria vida ou o mistério que ela emana.
Daqui, dessa trincheira – é assim que gosto de chamar o meu local de trabalho, com suas camadas e camadas de livros e papéis, formando um recife à minha volta – daqui, como Hades, planejo tudo sozinha. Não há outros sócios ou parcerias possíveis. Sou o vórtice que leva os personagens ao seu destino. Sou responsável por cada gesto e cada fala.
Dizem que os vampiros têm pior destino que os mortais, e que a mais severa punição é a eternidade. Não há vampiros para a confirmação da tese. Suspeito que o verdadeiro castigo aos homens, o que causa mais sofrimento, seja a insônia, que alterna o horror da realidade com nossos demônios notívagos num ciclo perverso. Insones, somos só um punhado de carne irritável, um feixe de nervos em frangalhos, um sistema que não desliga nem funciona, sempre pronto para entrar em colapso.
Um tapa é a morte moral. A não ser que você seja uma pessoa má, a não ser que você se sinta merecedora e deseje uma bela bofetada na fuça como forma de ser redimir, não há a menor possibilidade de superar a humilhação de levar um tabefe.
Deus só pensa no homem quando tem que decidir como é que vai destruí-lo. Quando ele não tem tempo, faz uma guerra, um furacão, mata um monte. Em mim ele pensou.