Papa Bento XVI
Vivendo e atuando assim dar-nos-emos conta rapidamente que é muito mais belo ser úteis e estar à disposição dos outros do que preocupar-nos somente com as comodidades que nos são oferecidas
Demonstrai-o aos homens, demonstrai-o ao mundo, que espera exatamente este testemunho dos discípulos de Jesus Cristo. Um mundo que, sobretudo mediante o vosso amor, poderá descobrir a estrela que seguimos como crentes
O segredo para ter um ‘coração que entenda’ é edificar um coração capaz de escutar. Isto é possível meditando sem cessar a palavra de Deus e permanecendo enraizados nela, mediante o esforço de conhecê-la sempre melhor
Queridos jovens, exorto-vos a adquirir intimidade com a Bíblia, a tê-la à mão, para que seja para vós como uma bússola que indica o caminho a seguir. Lendo-a, aprendereis a conhecer Cristo
A oração é a vereda silenciosa que nos conduz diretamente ao coração de Deus; é o respiro da alma que nos doa novamente paz nas tempestades da vida!.
Nunca devemos esquecer - como sacerdotes - que a única subida legítima rumo ao ministério do pastor não é aquela do sucesso, mas a da Cruz.
Naquele que é chamado ao ministério sacerdotal existe o encontro com Jesus, o ser fascinados, despertados pelas suas palavras, os seus gestos e a sua pessoa.
A chamada do Senhor ao ministério não é fruto de méritos particulares, mas é dom que deve ser acolhido e correspondido, dedicando-se ao projeto de Deus de maneira generosa.
Ser sacerdote significa ser servos com exemplaridade de vida.
(05.11.2011. Celebração de vésperas início do ano acadêmico Universidades Pontifícias)
A África é "o pulmão espiritual do mundo", pois há um humanismo fresco e o continente mostra uma reserva de vida e de vitalidade para o futuro no qual podemos confiar.
(Visita Pastoral a África (2011)
Quantas vezes os homens tentaram construir o mundo sozinhos, sem o controle de Deus! O resultado foi marcado pela tragédia das ideologias que, por fim, se revelaram contra o homem e sua profunda dignidade.
Ser persistente e paciente significa aprender a construir a história junto a Deus, porque somente edificando sobre Ele e com Ele a construção está bem fundada, não instrumentalizada com fins ideológicos, mas realmente digna do homem.
(15.12.2011. Celebração de vésperas pela proximidade do Natal.)
O Senhor nos exige dilatar nossos corações para que neles caiba sempre mais amor, mais bondade, mais compreensão pelos nossos semelhantes e pelos problemas que envolvem não só a convivência humana, mas também a efetiva preservação e conservação da natureza, da qual todos fazem parte. "Nossos bosques têm mais vida": não deixeis que se apague esta chama de esperança que o vosso Hino Nacional põe em vossos lábios. A devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de suas populações requerem um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação que a sociedade vem solicitando.
(Pacaembu SP, 2007)
E vós, jovens do Brasil? Já descobristes o que é bom? Seguis os mandamentos do Senhor? Descobristes que este é o verdadeiro e único caminho para a felicidade?
Os anos que vós estais vivendo são os anos que preparam o vosso futuro. O "amanhã" depende muito de como estais vivendo o "hoje" da juventude. Diante dos olhos, meus queridos jovens, tendes uma vida que desejamos seja longa; mas é uma só, é única: não a deixeis passar em vão, não a desperdiceis. Vivei com entusiasmo, com alegria, mas, sobretudo, com senso de responsabilidade.
(Pacaembu SP, 2007)
O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade; o desafio do eros pode considerar-se verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação.
Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade.
E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza.
Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor — o eros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza.
A fé cristã sempre considerou o homem como um ser uni-dual, em que espírito e matéria se compenetram mutuamente, experimentando ambos precisamente desta forma uma nova nobreza. Sim, o eros quer-nos elevar «em êxtase» para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos.
Prezados amigos, convido-vos a tomar consciência desta inquietação sadia e positiva, a não ter medo de formular as perguntas fundamentais sobre o sentido e o valor da vida. Não vos limiteis às respostas parciais, imediatas, certamente mais fáceis no momento e mais cômodas, que podem proporcionar algum momento de felicidade, de exaltação e de inebriamento, mas que não vos trazem a verdadeira alegria de viver, aquela que nasce de quantos constroem — como diz Jesus — não na areia, mas na rocha sólida. Então, aprendei a meditar, a ler de modo não superficial, mas em profundidade a vossa experiência humana: descobrireis, com admiração e alegria, que o vosso coração é uma janela aberta para o infinito! Esta é a grandeza do homem, e também a sua dificuldade.
(Discurso aos jovens de San Marino e Montefeltro)
A História do Cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente, se não houvesse a generosa contribuição de muitas mulheres.
Os marxistas previram o fim da religião. Com o fim da opressão, o remédio representado por Deus não teria mais razão de ser, dizia-se. Mas também eles foram obrigados a reconhecer que o sentimento religioso nunca acabou porque está verdadeiramente enraizado no homem.
Constitui para mim uma honra e uma alegria falar diante desta Câmara Alta, diante do Parlamento da minha Pátria alemã, que se reúne aqui em representação do povo, eleita democraticamente para trabalhar pelo bem da República Federal da Alemanha. Quero agradecer ao Senhor Presidente do Bundestag o convite que me fez para pronunciar este discurso, e também as amáveis palavras de boas-vindas e de apreço com que me acolheu. Neste momento, dirijo-me a vós, prezados Senhores e Senhoras, certamente também como concidadão que se sente ligado por toda a vida às suas origens e acompanha solidariamente as vicissitudes da Pátria alemã. Mas, o convite para pronunciar este discurso foi-me dirigido a mim como Papa, como Bispo de Roma, que carrega a responsabilidade suprema da Igreja Católica. Deste modo, vós reconheceis o papel que compete à Santa Sé como parceira no seio da Comunidade dos Povos e dos Estados. Na base desta minha responsabilidade internacional, quero propor-vos algumas considerações sobre os fundamentos do Estado liberal de direito.
Seja-me permitido começar as minhas reflexões sobre os fundamentos do direito com uma pequena narrativa tirada da Sagrada Escritura. Conta-se, no Primeiro Livro dos Reis, que Deus concedeu ao jovem rei Salomão fazer um pedido por ocasião da sua entronização. Que irá pedir o jovem soberano neste momento tão importante: sucesso, riqueza, uma vida longa, a eliminação dos inimigos? Não pede nada disso; mas sim: «Concede ao teu servo um coração dócil, para saber administrar a justiça ao teu povo e discernir o bem do mal» (1 Re 3, 9). Com esta narração, a Bíblia quer indicar-nos o que deve, em última análise, ser importante para um político. O seu critério último e a motivação para o seu trabalho como político não devem ser o sucesso e menos ainda o lucro material. A política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz. Naturalmente um político procurará o sucesso, sem o qual não poderia jamais ter a possibilidade de uma ação política efetiva; mas o sucesso deve estar subordinado ao critério da justiça, à vontade de atuar o direito e á inteligência do direito. É que o sucesso pode se tornar também um aliciamento, abrindo assim a estrada à falsificação do direito, à destruição da justiça. «Se se põe á parte o direito, em que se distingue então o Estado de uma grande banda de salteadores?» – sentenciou uma vez Santo Agostinho (Decivitate Dei IV, 4, 1). Nós, alemães, sabemos pela nossa experiência, que estas palavras não são um fútil espantalho. Experimentamos a separação entre o poder e o direito, o poder colocar-se contra o direito, o seu espezinhar o direito, de tal modo que o Estado se tornara o instrumento para a destruição do direito: tornara-se uma banda de salteadores muito bem organizada, que podia ameaçar o mundo inteiro e impelí-lo até à beira do precipício. Servir o direito e combater o domínio da injustiça é e permanece a tarefa fundamental do político. Num momento histórico em que o homem adquire um poder até agora impensável, esta tarefa torna-se particularmente urgente. O homem é capaz de destruir o mundo. Pode manipular a si mesmo. Pode, por assim dizer, criar seres humanos e excluir outros seres humanos de serem homens. Como reconhecemos o que é justo? Como podemos distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro direito e o direito apenas aparente? O pedido de Salomão permanece a questão decisiva perante a qual se encontram também hoje o homem político e a política.
Grande parte da matéria que se deve regular juridicamente, pode ter por critério suficiente o da maioria. Mas é evidente que, nas questões fundamentais do direito em que está em jogo a dignidade do homem e da humanidade, o princípio maioritário não basta: no processo de formação do direito, cada pessoa que tem responsabilidade deve ela mesma procurar os critérios da própria orientação. No século III, o grande teólogo Orígenes justificou assim a resistência dos cristãos a certos ordenamentos jurídicos em vigor: «Se alguém se encontrasse no povo de Scizia que tem leis irreligiosas e fosse obrigado a viver no meio deles, (…) estes agiriam, sem dúvida, de modo muito razoável se, em nome da lei da verdade que precisamente no povo da Scizia é ilegalidade, formassem juntamente com outros, que tenham a mesma opinião, associações mesmo contra o ordenamento em vigor» [Contra Celsum GCSOrig. 428 (Koetschau); cf. A. Fürst, «Monotheismus und Monarchie. ZumZusammenhang von Heil und Herrschaft in der Antike», inTheol.Phil. 81(2006) 321-338; a citação está na página 336; cf. também J. Ratzinger, DieEinheit der Nationem, Eine Vision der Kirchenväter (Salzburg-München1971) 60].
Com base nesta convicção, os combatentes da resistência agiram contra o regime nazista e contra outros regimes totalitários, prestando assim um serviço ao direito e à humanidade inteira. Para estas pessoas era evidente e de modo incontestável que, na realidade, o direito vigente era injustiça. Mas, nas decisões de um político democrático, a pergunta sobre o que corresponda agora à lei da verdade, o que seja verdadeiramente justo e possa tornar-se lei não é igualmente evidente. Hoje, de fato, não é de per si evidente aquilo que seja justo e possa tornar-se direito vigente relativamente às questões antropológicas fundamentais. À questão de saber como se possa reconhecer aquilo que verdadeiramente é justo e, deste modo, servir a justiça na legislação, nunca foi fácil encontrar resposta e hoje, na abundância dos nossos conhecimentos e das nossas capacidades, uma tal questão tornou-se ainda muito mais difícil.
Como se reconhece o que é justo? Na história, os ordenamentos jurídicos foram quase sempre religiosamente motivados: com base numa referência à Divindade, decide-se aquilo que é justo entre os homens. Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, nunca impôs um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão objetiva e subjetiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fundadas na Razão criadora de Deus. Deste modo, os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II (a.C.). De fato, na primeira metade do século II pré-cristão, deu-se um encontro entre o direito natural social, desenvolvido pelos filósofos estóicos, e autorizados mestres do direito romano [cf. W.Waldstein, Ins Herz geschrieben. Das Naturrecht als Fundament einermenschlichen Gesellschaft(Augsburg 2010) 11ss; 31-61]. Neste contato nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade. Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos e depois à nossa Lei Fundamental alemã, pela qual o nosso povo reconheceu, em 1949, «os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça no mundo».
Foi decisivo para o desenvolvimento do direito e o progresso da humanidade que os teólogos cristãos tivessem tomado posição contra o direito religioso, requerido pela fé nas divindades, e se tivessem colocado da parte da filosofia, reconhecendo como fonte jurídica válida para todos a razão e a natureza na sua correlação. Esta opção realizara-a já São Paulo, quando afirma na Carta aos Romanos: «Quando os gentios que não têm a Lei [a Torah de Israel], por natureza agem segundo a Lei, eles (…) são lei para si próprios. Esses mostram que o que a Lei manda praticar está escrito nos seus corações, como resulta do testemunho da sua consciência»(Rm 2, 14-15). Aqui aparecem os dois conceitos fundamentais de natureza e de consciência, sendo aqui a «consciência» o mesmo que o «coração dócil» de Salomão, a razão aberta à linguagem do ser. Deste modo se até à época do Iluminismo, da Declaração dos Direitos Humanos depois da II Guerra Mundial e até à formação da nossa Lei Fundamental, a questão acerca dos fundamentos da legislação parecia esclarecida, no último meio século verificou-se uma dramática mudança da situação. Hoje considera-se a idéia do direito natural uma doutrina católica bastante singular, sobre a qual não valeria a pena discutir fora do âmbito católico, de tal modo que quase se tem vergonha mesmo só de mencionar o termo. Queria brevemente indicar como se veio a criar esta situação. Antes de mais nada é fundamental a tese segundo a qual haveria entre o ser e o dever ser um abismo intransponível: do ser não poderia derivar um dever, porque se trataria de dois âmbitos absolutamente diversos. A base de tal opinião é a concepção positivista, quase geralmente adotada hoje, de natureza. Se se considera a natureza – no dizer de Hans Kelsen – «um agregado de dados objetivos, unidos uns aos outros como causas e efeitos», então realmente dela não pode derivar qualquer indicação que seja de algum modo de carácter ético (Waldstein, op. cit., 15-21). Uma concepção positivista de natureza, que compreende a natureza de modo puramente funcional, tal como a conhecem as ciências naturais, não pode criar qualquer ponte para a ética e o direito, mas suscitar de novo respostas apenas funcionais. Entretanto o mesmo vale para a razão numa visão positivista, que é considerada por muitos como a única visão científica. Segundo ela, o que não é verificável ou falsificável não entra no âmbito da razão em sentido estrito. Por isso, a ética e a religião devem ser atribuídas ao âmbito subjetivo, caindo fora do âmbito da razão no sentido estrito do termo. Onde vigora o domínio exclusivo da razão positivista – e tal é, em grande parte, o caso da nossa consciência pública –, as fontes clássicas de conhecimento da ética e do direito são postas fora de jogo. Esta é uma situação dramática que interessa a todos e sobre a qual é necessário um debate público; convidar urgentemente para ele é uma intenção essencial deste discurso.
O conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto, uma parcela grandiosa do conhecimento humano e da capacidade humana, à qual não devemos de modo algum renunciar. Mas ela mesma no seu conjunto não é uma cultura que corresponda e seja suficiente ao ser humano em toda a sua amplitude. Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando todas as outras realidades culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes, ameaça a sua humanidade. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito, reduzindo todas as outras convicções e os outros valores da nossa cultura ao estado de uma subcultura. Assim coloca-se a Europa, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais. A razão positivista, que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de cimento armados em janelas, nos quais nos damos o clima e a luz por nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus. E no entanto não podemos iludir-nos, pois em tal mundo auto construído bebemos em segredo e igualmente nos “recursos” de Deus, que transformamos em produtos nossos. É preciso tornar a abrir as janelas, devemos olhar de novo a vastidão do mundo, o céu e a terra e aprender a usar tudo isto de modo justo.
Mas, como fazê-lo? Como encontramos a entrada justa na vastidão, no conjunto? Como pode a razão reencontrar a sua grandeza sem escorregar no irracional? Como pode a natureza aparecer novamente na sua verdadeira profundidade, nas suas exigências e com as suas indicações? Chamo à memória um processo da história política recente, esperando não ser mal entendido nem suscitar demasiadas polémicas unilaterais. Diria que o aparecimento do movimento ecológico na política alemã a partir dos Anos Setenta, apesar de não ter talvez aberto janelas, todavia foi, e continua a ser, um grito de janela por ar fresco, um grito que não se pode ignorar nem acantonar, porque se vislumbra nele muita irracionalidade. Pessoas jovens deram-se conta de que, nas nossas relações com a natureza, há algo que não está bem; que a matéria não é apenas uma material para nossa feitura, mas a própria terra traz em si a sua dignidade e devemos seguir as suas indicações. É claro que aqui não faço propaganda por um determinado partido político; nada me seria mais alheio do que isso. Quando na nossa relação com a realidade há qualquer coisa que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura. Seja-me permitido deter-me um momento mais neste ponto. A importância da ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente. Mas quero insistir num ponto que – a meu ver –, hoje como ontem, é descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando respeita a natureza e a escuta e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana.
Voltemos aos conceitos fundamentais de natureza e razão, donde partíramos. O grande teórico do positivismo jurídico, Kelsen, em 1965 – com a idade de 84 anos (consola-me o fato de ver que, aos 84 anos, ainda se é capaz de pensar algo de razoável) –, abandonou o dualismo entre ser e dever ser. Antes, ele tinha dito que as normas só podem derivar da vontade. Consequentemente – acrescenta ele – a natureza só poderia conter em si mesma normas, se uma vontade tivesse colocado nela estas normas. Mas isto – diz ele – pressuporia um Deus criador, cuja vontade se inseriu na natureza. «Discutir sobre a verdade desta fé é absolutamente vão» – observa ele a tal propósito (citado segundo Waldstein, op.cit., 19). Mas sê-lo-á verdadeiramente? – apetece-me perguntar. É verdadeiramente desprovido de sentido refletir se a razão objetiva que se manifesta na natureza não pressuponha uma Razão criadora, um Creator Spiritus?
Aqui deveria vir em nossa ajuda o património cultural da Europa. Foi na base da convicção sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a idéia dos direitos humanos, a idéia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade humana em cada pessoa e a consciência da responsabilidade dos homens pelo seu agir. Estes conhecimentos da razão constituem a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero passado seria uma amputação da nossa cultura no seu todo e privá-la-ia da sua integralidade. A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.
Ao jovem rei Salomão, na hora de assumir o poder, foi concedido formular um seu pedido. Que sucederia se nos fosse concedido a nós, legisladores de hoje, fazer um pedido? O que é que pediríamos? Penso que também hoje, em última análise, nada mais poderíamos desejar que um coração dócil, a capacidade de distinguir o bem do mal e, deste modo, estabelecer um direito verdadeiro, servir a justiça e a paz. Agradeço-vos pela vossa atenção!
O que são os horrores da guerra, as violências sobre os inocentes, a miséria e a injustiça que se abatem sobre os mais fracos, senão a oposição do mal ao Reino de Deus? E como responder a tanta maldade a não ser com a força desarmada e dasarmante do Amor que vence o ódio, da Vida que não teme a morte?
O amor supera a justiça.
Justiça é dar ao outro o que é dele,
Amor é dar ao outro o que é meu.
Nota: Adaptação de um trecho da Carta Encíclica Caritas in Veritate do Sumo Pontífice Bento XVI sobre o Desenvolvimento Humano Integral na Caridade e na Verdade, em 29 de Junho de 2009.
...MaisA caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é «meu»; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é «dele».
Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor.