Padre Antônio Vieira
O bem ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade; se é futuro, causa desejo.
No juízo de Deus basta ser bom no último instante da vida para ser eternamente bom: No juízo dos homens basta ser mau em qualquer tempo da vida para ser eternamente mau. Se fostes bom, e sois mau, julgam-vos mal pelo que sois; se fostes mau, e sois bom, julgam-vos mau pelo que fostes; e se sois e fostes sempre bom, julgam-vos mal pelo que podeis vir a ser.
Somos Pó
O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.
(in "Sermões")
A PAZ EXISTE?
“Enchem a boca de paz, e não há tal paz no mundo. E senão, quem há tão cego, que não veja o mesmo hoje em toda a parte? Dizem que há paz nos reinos, e os vassalos não obedecem aos reis: dizem que há paz nas cidades, e os súbditos não obedecem aos magistrados: dizem que há paz nas famílias, e os filhos não obedecem aos pais: dizem que há paz nos particulares, e cada um tem dentro em si mesmo a maior e a pior guerra. Havia de mandar a razão, e o racional não lhe obedece; porque nele, e sobre ela domina o apetite. (...) A paz do mundo é guerra que se esconde debaixo da paz. Chama-se paz e é lisonja: chama-se paz, e é dissimulação: chama-se paz, e é dependência: chama-se paz, e é mentira, quando não seja traição.”
Padre Antônio Vieira, in Sermões
Não vivemos como mortais, porque tratamos das coisas desta vida como se esta vida fora eterna. Não vivemos como imortais, porque nos esquecemos tanto da vida eterna, como se não houvera tal vida.
Nenhum segue mais leis que as da conveniência própria. Imaginar o contrário é querer emendar o mundo, negar a experiência e esperar impossíveis.
Se um homem está verdadeiramente arrependido, se conhece verdadeira e profundamente as suas culpas, nunca ninguém dirá dele tanto mal, que ele se não julgue por muito pior.
O tempo, como o Mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro invisível que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado termina e o futuro começa.
Somos o que fazemos. O que não fazemos, não existe. Assim, apenas existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos, simplesmente suportamos.
Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam nem para que o amem, esse só é fino.
Sermão de Quarta-feira de Cinzas
Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura veem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter.
Os corações também têm orelhas. E estai certos de que cada um ouve não conforme tem os ouvidos, senão conforme tem o coração e a inclinação.
“O sermão há de ser duma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria. Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá la com o exemplo, há de ampliá la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários, e depois disso há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses devem nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela.”
(VIEIRA, Padre Antônio. Sermão da Sexagésima. In: Os sermões. São Paulo: Difel, 1968, v.VI)