Olavo de Carvalho
Iluminismo e liberalismo estão certos nos valores que afirmam e errados naqueles que negam. Leibniz já havia observado que isso acontece com muitas filosofias.
O arrependimento profundo, quando acontece, não tem nada de tristeza e depressão. É um acontecimento cheio de júbilo, no qual a alma, com esperança infinita, se entrega das mãos de Deus, dizendo: "Meu Pai, eu não presto. Refaça-me à Sua maneira."
Quem se arrepende perante Deus é o topo do seu ser, a sua parte mais elevada e altiva, o núcleo mais luminoso da sua autoconsciência. Se não é daí que vem o arrependimento, não é arrependimento, é só vergonha de estar nu. O arrependimento verdadeiro não se refere a nenhum dos seus miseráveis pecadinhos cotidianos, grandes ou pequenos, mas à suprema e única tentação, da qual nascem todas as outras por reflexo longínquo: a tentação de sentir-se uma entidade espiritual autônoma, sem raiz no eterno.
Só aquele que se conhece, que domina o panorama da sua alma desde o topo da sua autoconsciência pode saber o que é o arrependimento verdadeiro, e esse arrependimento é total e instantâneo, é uma graça indescritível, que muitos só alcançam na hora da morte mas que às vezes, por uma espécie de graça em segunda potência, se torna acessível em vida.
Aquele que espera entender algo da realidade analisando as palavras da Bíblia, em vez de primeiro sondar a sua própria experiência interior para então poder saber do que a Bíblia está falando, esse atua na pura esfera do automatismo verbal desprovido de profundidade e densidade. Isso não é ler a Bíblia: é estragá-la.
Infelizmente, as percepções intuitivas mais vivas e diretas só podem ser expostas em linguagem poética, que é nebulosa, ou em linguagem lógica, que os idiotas tomarão como simples demonstração dedutiva e diluirão em mil discussões cretinas. A marca inconfundível da total inépcia filosófica é a incapacidade de distinguir entre um raciocínio lógico e a transposição lógica de uma experiência intuitiva. Essa incapacidade, às vezes, dá uma tremenda impressão de intelecto sofisticado.
Se a filosofia é o amor à sabedoria, ocupação de amantes dispostos a pagar com a vida o preço da sua conquista, a poesia é, em contrapartida, o amor que a sabedoria tem até mesmo pelos homens que não a amam, e que, desatentos e dispersos, não podem escapar de receber ao menos um pouco dela, forçados a isto pelo corpo, que não escapa ao fascínio da harmonia e do ritmo.
Buscamos na nossa intimidade o abrigo contra a maldade alheia, assim como buscamos no outro, no amigo, na esposa, a proteção contra nossos fantasmas interiores. Cada um de nós é próximo e estranho a si mesmo.
Não suporto gente que fala bonitinho. Só dou ouvidos a quem não tem medo de falar com o coração nas mãos, mesmo ao preço de parecer doido.
É preciso ser corajoso e bom, humilde e capaz. Se houver talento, melhor ainda, mas este último não dispensa os quatro primeiros.
A estupidez é uma arma invencível. Não há argumento capaz de infundir inteligência na mente de um adversário bocó.
Seguir os preceitos da religião sem ter constantemente em vista a perspectiva da morte e a esperança concreta da vida eterna (o que implica o esforço de imaginá-la), é cultuar um Deus reduzido à ordem mundana.
Os mortos, coitadinhos, só pedem que ouçamos suas vozes extintas e tentemos compreendê-los com realismo e compaixão.
Se a sua prece não é forte o bastante para aliviar as tentações do pecador, não tente camuflar a sua própria fraqueza humilhando o infeliz com conselhos impraticáveis.
Aos onze anos, todo mundo sabe como consertar o mundo. Aos setenta, você olha para trás e vê que não conseguiu consertar nem mesmo o menor dos seus próprios defeitos.
A primeira condição a que uma filosofia deve atender é a de possuir em si mesma o princípio da sua inteligibilidade.
Uma filosofia que não contém sua própria explicação não é filosofia senão em sentido metonímico.
Mutatis mutandis, nenhuma argumentação filosófica pode nada contra uma teologia, a não ser que ela própria se transforme numa espécie de teologia invertida, que negue aqueles fatos em vez de afirmá-los -- com o que deixará de atender ao princípio da auto-inteligibilidade e, portanto, de ser uma filosofia.
NÃO HÁ mais forças políticas mundiais em que uma consciência cristã possa buscar abrigo. Todas são demônios. Estamos sozinhos, nossas forças estão espalhadas e esfareladas pelo mundo, e nossas lideranças estão infestadas de traidores. Mas se você não tem sequer a coragem de enxergar a realidade, como pode ter a pretensão de mudá-la? Este é o primeiro passo: reconhecer que não temos protetores no mundo. Nossa proteção está em Deus e somente n'Ele.
MATURIDADE E EDUCAÇÃO
Aristóteles insiste muito numa coisa chamada maturidade. Maturidade não no sentido fisiológico, mas no sentido intelectual. O homem maduro é o homem que teve certas experiências e aprendeu com elas. Quando Aristóteles enfatiza que somente o homem maduro pode guiar a comunidade, está se referindo aos homens que conseguiram absorver um certo número de experiências decisivas que colocaram a sua alma um pouquinho acima do nível de consciência de sua comunidade. Esse homem maduro não precisa ser santo, profeta ou herói, mas simplesmente é alguém que tem uma alma um pouco mais ampla porque chegou a ter certas experiências significativas.
A finalidade da educação, tal como eu a entendo e tal como foi entendida nos tempos antigos, é a maturidade. O que o homem maduro fará com aquilo que eu lhe ensinei é problema exclusivamente dele, pois a maturidade que ele irá exercer será a dele, não a minha. Quando ele se deparar com determinado problema, a sua circunstância será outra diferente da minha, os dados serão outros e não há nenhuma possibilidade do professor antever tudo isso. Isso significa que uma vez conquistada a maturidade, a finalidade da educação está terminada, e o educador deve ir embora para casa. E o homem maduro, uma vez formado, pode se transformar ele mesmo num educador, se quiser, ou irá fazer outra coisa, já que não é só na educação que homens maduros são necessários.
É fundamental entender que educação liberal é a preparação da alma para a maturidade. O homem maduro é o único que está capacitado para fazer o bem ao meio em que vive. O bem deve ser conhecido. Mas o discernimento entre o bem e o mal não é imediato. Não adianta ter um formulário, os Dez Mandamentos ou o código civil e penal. O discernimento entre o bem e o mal é uma questão de percepção que tem de ser refinada para cada nova situação que você venha a viver, porque ambos costumam aparecer mesclados. Jesus disse: na verdade amais o que deveríeis odiar, e odiais o que deveríeis amar. Este é todo o problema da educação: desenvolver no indivíduo, mediante experiências culturais acumuladas, a capacidade de discernimento para que ele saiba em cada momento o que deve amar e o que deve odiar. Ninguém pode dar essa fórmula de antemão, mas a possibilidade do conhecimento existe e está consolidada em milhares de obras. Uma educação bem conduzida pode levar o indivíduo à maturidade e ao verdadeiro julgamento autônomo.
AUTOCONHECIMENTO E EDUCAÇÃO
Todos aqui já tiveram acessos de tristeza ou desespero de origem desconhecida. Todo mundo já teve isso. Ora, se existe algo na tua própria alma que você não sabe de onde veio, existe, portanto, um conteúdo que é estranho a você. Ou seja, a tua alma é tão conhecida quanto uma cidade onde você acaba de desembarcar pela primeira vez. Você está perdido dentro de si mesmo. A tua alma é o instrumento pelo qual você conhece o mundo, mas se você a desconhece dessa maneira, quantos metros você espera avançar no caminho do conhecimento antes de ter limpado as lentes com as quais você vai olhar para este mundo? Uma certa limpidez de alma, um certo conhecimento do indivíduo por si mesmo, de modo que ele saiba de onde vêm suas emoções, de onde vêm seus desejos e o que o compõe efetivamente por dentro, são condições sine qua non da verdadeira educação. Não existe educação sem o efetivo autoconhecimento. Mas se num curso universitário de filosofia você levantar esse problema, dirão: 'Se você quer autoconhecimento que vá procurar um padre ou um psicanalista, pois nós estamos aqui para estudar filosofia'. Mas que raio de filosofia é essa que não se preocupa em saber se a alma do sujeito está habilitada para ela? Que raio de ensino é esse que não cumpre a condição da maturidade que Aristóteles e Platão colocam como condição básica para o estudo da filosofia? O que eu quero dizer é que ao longo dos tempos a noção de educação foi sendo perdida. Ela é conservada hoje apenas em núcleos muito limitados, em grupos de pessoas que sabem e continuam cultivando o seu verdadeiro sentido. Mas o ensino de massas, público e privado, não está dando às pessoas senão um grosseiro simulacro de educação.