Noi Soul
Vivo distraída
Entre meus próprios lamentos
Entre meus próprios tormentos
O mundo precisa de mim?
Sou uma desconhecida
Sou uma nau naufragada
Dentro do meu mar
Dentro do medo de amar
Permita-se sofrer enquanto sofre
Absorva todo o sentimento impudico
Impulsivo
Imprudente
Envolva-o como ele envolve sua alma
Consuma-o como ele consome seu corpo
Inteire-se dele como ele se apossa dos seus sentidos.
Um êxtase comedido
Move-me insolente
Espreita os meus pecados
Conduz minha mão dormente
Enterra as paredes mudas
Sabe quando a alma mente
Mas não deixo o seu domínio
Exilar-me de mim mesma
Seus olhos não me fascinam
E rio da sua destreza
Ele se vê adestrado
Disfarça-se de cúmplice meu
Olvida que ao seu lado
Eu mato quem já morreu
Sofro de falta d'amor
Fome me escapa da pele
Pele sofre de fome
Fome mata a dor
Dor alimenta a fome
A fome me desespera
Também desespero a fome
Sou filha da sua quimera
Não raro ela me esconde
No fundo do seu penhor
Na casa da sua janela
O poço que me cavou
Sem por onde ela some
No barco da sua procela
A fome só me consome
Refúgio que me faz dela
Como se as respostas
Cercassem-me por todos os lados
E meus poros, continuamente fechados,
Não ousassem sorvê-las
Além do que se pode suportar
Tendo apenas uma alma
Humana
Humana deveras
Impregnada de dores
Dissabores
Temores
Dentre os quais o maior é
Viver...
Queima-me, sol
Com o seu furor ardente
Inclemente
Flamejante
Iridescente
Queima-me a alma gélida
A liberdade do não viver
Queima-me toda desculpa
E toda disputa
Do meu não entender
Queima-me, fatigante sol
Queima-me
Como se eu fosse
Você...
Às vezes só tenho vontade de me acolher
De me encolher
De me esconder
Do mundo
Colocar meu corpo debaixo de um chuveiro
Que pinga água uterina
Água quentinha
Aconchegante
Num lugar com luz solar
Abundante
Com uma vela acesa
Um cheiro de ervas
Alecrim
Capim santo
Sabugueira
Fechar os olhos devagar
Divagar
Pensar em nada
Apenas me abraçar
Sentir a água escorrendo
Pelos recônditos
Do corpo e da alma
Ouvir o som dos pássaros
Que burburinham bem ali
As folhas das árvores dançando
O vento suave e amigo
A respiração fácil
Na pele, um arrepio
Anunciando bonanças
E devolvendo-me esperança
De dias de pleno festio.
Eu trilho por caminhos cheios de espinhos
Uma estrada com muros
E praças fechadas
Dentro do caos
Que é viver
Dentro dos maus
Que é morrer
Eu vivo pulando as janelas
Dos hospitais e dos hospícios
Tento esconder minha gana
E sede de vingança
Mas as tormentas encontram
O pouso perfeito
Em meu coração
E eu desfaço a noite
Da minha razão.
Meus olhos insistem em ser cachoeira
O vento ainda não a dispersou
Sou intensidade altaneira
Inescrupuloso embaraço
Sou o traço
Do riso discreto
Os dentes falhos
A janela aberta
Da imensidão.
Sou estranha às vestes alheias
Mas não sou sozinha
Eu sou multidão.
Os meus olhos ainda persistem
Como jarros d’água
Infinitas fontes
A cruzar as pontes da escuridão
Eu sou a senhora
Sou a meninice
Sou a pausa e o pique
Da imperfeição.
Meus olhos reclamam por vida
Os braços não deixam enxergar
A pele tão destemperada
O fogo aterra a água e o ar.
Eu sou incredulidade
Palavra de quem argumenta
Motivos, sentenças, viagens
Ao grão da pura inocência.
Meus olhos
Estão cansados
De tanto verter um rio
A cada segundo
No seu mais profundo
Mar em desvario.
Estou desabando
Desisti de criar algo novo
- Pleonasmo, eu sei!
Estou descambando
Desisti de pensar em soluções
Estou enterrando
Todas as possibilidades
Todas as intenções
Todas as vias
Todas as cercas
Todas as ilusões
Estou me envolvendo
Com gente
De verdade
Na cara e no coração
Estou refazendo
Todos os passos
E, com eles,
Todos os tropeços
E, com eles,
Todos os abraços
Na vida ou no chão
Eu estou num lugar estranho
No limbo
Na vez
Na coragem
Da solidão.
Sou uma criança
Em teus excelsos braços
Oh majestosa noite
Tu és mãe dos meus sonhos
Tu és sono das minhas dores
Tu és encanto da esperança
Tu és primor dos estertores
Eu ando
Um passo por vez
Eu ando
Um segundo por vez
Eu ando
Uma existência por vez
Eu ando
Uma paisagem por vez
Eu ando
Uma vida por vez
Minha alma acompanha meus pés
Eu sou os meus passos
Eu sou meu espaço
Eu sou o que toco
Eu sou o que vejo
Eu sou o que sinto
Eu sou a viagem
Eu sou o pouso
Eu sou a virtude
Eu sou a imagem
E semelhança
De quem me criou
Para ser...
Livre!
Meus passos correm em busca de mim
Em busca de quem eu sou
Em busca de onde estou
Em busca do meu lugar no mundo
Do meu propósito
Da minha missão
Do meu ser
Do meu mais profundo
Não me cale!
Não ouse me calar
- Não mais!
Eu sou assim
Eu sou o que posso
Eu sou o quero
Eu sou o que gozo
Eu sou o que gosto!
Eu viverei de mim
- E ai de ti!
… se vier de novo
querer calar a minha voz!
Viver aqui
É de uma beleza descomunal
É intenso
É raro
É único
É profundo
É desafiador
É estranho
É hilário
É milagroso
É intrépido
É quase surreal...
Encontrei vestígios de mim
Por aí
Não era seguro andar pelas ruas
Não era bom senso andar distraída
Mas eu deixei-me ir
O corpo levado pela alma acesa
Incandescendo
Puro furor e êxtase
Vontade à mesa
De percorrer entre ideias soltas
E malandras
Que me fizessem crer
Novamente
No poder da andança
Da temperança
Da esperança
Da dança
Ah, dona valsante
Que me abriu os olhos
E as vísceras inteiras!
Ah, escaldante sol
Sobre minhas têmporas
Cheias
De vistas
Revistas
Analistas
Alquimistas
São tudo o que tenho em mim
E eu ainda procuro
- Como ouso?
Eu ainda procuro
Vestígios de mim
… pelo chão.
Se eu não estivesse aqui
As árvores continuariam a bailar
Sob o som e os encantos dos vendavais
Sob as janelas e os coloridos vitrais
O pássaro voaria, de qualquer modo
Ignorando que eu nunca existi
As flores desafiariam a terra dura
E nasceriam mesmo assim.
Se eu não estivesse aqui
Ainda haveria nuvens
E o céu e o sol a arquejar
O tempo medido pela lua
As águas do rio e do mar.
Nada sentiria a minha ausência
Ou a não presença anterior
Tudo seria sentença
Do mesmo modo de amor...
Se eu não estivesse aqui
As montanhas ainda assombrariam
Os sonhos e devaneios de alguém
Os animais vadiariam
E as pedras se esconderiam de quem?