Natani Risorim
Análise:
Foi feita a biópsia da tua pele doce. Ampliado teu peito, ouviu-se batidas desordenadas; é o coração compondo canção. Também notou-se poesias entre as tuas amídalas e um céu da boca todo estrelado. A língua, comparada a um tapete vermelho, carece do famoso beijo de cinema. Mas a conclusão mesmo foi contribuída pelos flashes dos teus olhos que capturaram numa única piscadela uma íris castanha, que suspeito ser o motivo do pedido do exame. Resultado: é amor. Está saudável.
Certas coisas ficam dentro de mim e permanecem lá, porque, simplesmente, não consigo transformá-las em palavras.
Minha escrita não é para mim. Quando escrevo penso em quem deveria ler. Se digo algo, minhas palavras saem tão confusas quanto o pensamento. Mas se uso o lápis que desenho, desenho minhas palavras como quem imagina o momento. E tem quem olhe e diga que com ele acontece exatamente assim. Por isso repito: minha escrita não é para mim.
Tem um moço aqui querendo entrar, coração. O que faço? Digo que tem uma chave embaixo do tapete, ou digo que a perdi?
Engraçado como sentimos aquela necessidade de dizer o que se passa por dentro. A gente olha e pensa: “como a gente se apega tanto assim a um estranho?”. E escapa o pensamento, mas não com palavras ditas, é o olhar que muda. E quando temos a chance de dizer tudo (exatamente quando pergunta em que se está pensando), só sabemos responder: “não é nada.”. E por fim disfarçamos a agonia com um sorriso torto, por não saber se dentro do outro acontece o mesmo.
Ah, meu bem! Ainda vai chegar o dia que não me restará dúvidas que suas expressões de riso me pertencem.
Quem me dera ter em mim um pouco de cada poeta. Sairia do clichê de falar em amor, tristeza, tempo, saudade, agonia. E saberia ter olhos aos detalhes do dia. Queria aprender a falar sobre estrelas, flores, pássaros, coisas como essas… Ah, quem me dera… Quem me dera ser poeta.
Se alguém se desligar da gente, e continuar funcionando, de duas, uma: ou tem bateria, ou está ligado em outra tomada.
Às vezes a pessoa vai embora porque há uma bifurcação na estrada com duas placas: “o que quer fazer” e “o que precisa fazer”. E (inevitavelmente) ela toma o rumo diferente ao seu… Mas quem garante que o desejo de quem foi não era pegar pelo nosso braço e sair levando?
É como aquela viagem que se torna longa por nossa ansiedade em chegar. Assim é o dito amor-que-nunca-vem. Só aparece quando desligamos o pisca-alerta.
Mesmo tendo uma ideia do que me esperava, fui ver a peça. E logo no começo, na segunda ou terceira troca de cenário, lá estávamos. Uma senhora com a pele marcada pelo tempo, e um senhor de cabelo branco, entregando que também passou por ele. Com toda delicadeza desembaraçava o cabelo daquela senhora enquanto cantarolava uma canção na qual nunca deixou de pôr no repertório da vida. Começava mais ou menos assim: “Que o tempo carregue tudo, menos quem me deu felicidade…” Éramos nós, ou melhor, seríamos… Se soubesse que a porta entreaberta era à sua espera.
Que Deus me dê sabedoria nas palavras. Que eu saiba quando falar, mas também quando calar. Que me dê sabedoria em minhas escolhas, em meus atos… E que esses não machuquem ninguém.
Avisto à mesa uma moça desencantada
Que come torrões de açúcar
Para não parecer amargurada:
De nada adianta, coitada!
Passe os olhos nesta frase. Mas com carinho, por favor. Aqui não está nem a metade do que chamo de amor.