NaNa Caê
Você tenta, vai, força, mancha, de tinta tudo que aparece pela frente, mas aquilo sai ilegível, pouco decifrável e tanto esforço, mão pintada, roupa suja, nunca lavada, sempre marcada pelos tons do preto? Azul? Para no fim, ninguém entender, compreender como se deve realmente te ler.
Oração I
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Que cada pensamento seja
Passado
Não presente
Transcrito
Para papel
Que a lentidão abandone
E a velocidade me acompanhe
Ajudando essas mãos
A dominar minha mente
Antes que as palavras me confundam
Ou eu
Tente enganá-las
Criando fáceis rimas
Fracos provérbios
Amém.
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Cristianismo Passivo
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E ela que veio com aquela história nada prosaica, tão cansativa de falar com o Senhor.
Não você ou o Seu João ali da esquina, mas o Senhor Deus todo poderoso que nunca é fogoso, perfeito dos pés até as mãos, não arrisco nesse caso ter como referencial a cabeça, se o ser supremo existe, esse negócio ele nunca teve, neurônios, por que haja burrice adotada em um ato de criação.
E ela me puxou, arrastou, quase me crucificou por tamanha rebeldia . Mas me poupe, se você quer esse papo chato é problema teu. Não é possível contato. Não entre eu e o Doutor Invisível Fodão.
Todos pensaram “mas que boca suja”, o Padre-Pastor já todo vermelho, eu não sabia se era pelo porre do vinho enquanto decorria a cerimônia ou por raiva, sugeriu que eu fizesse gargarejo, com água benta e mascasse hóstia todo dia, doações também eram bem vindas.
E como se eu fosse demoníaca a mulher gritou "aceite Jesus, essa é a única solução!"
Eu com uma supra ausência extrema de paciência preferi retrair, disse que sim, coloquei notas de 50 na calcinha da freira, enchi a bacia de dinheiro, chorei, tombei, abracei todos que estavam ali.
Foi lindo, até batizado permiti, mas Jesus, eu juro, não aceitei, muito menos o senti
E é tão complicado aceitar, permitir o começo.
Sempre quando percebo a mínima possibilidade disso eu desapareço. E agora não. Eu quero ficar perto. Quero ficar parada mesmo que a chuva caia. Quero me encharcar dessa verdade.
Nós. Que tudo se inicie com essa conjugação.
Foda-se sua censura ou as reclamações de desgosto pelo o que escrevo.
As ambigüidades não deixarão de ser ensaiadas.
Recuso então o paladar aguçado essa noite e pendo para o insosso, esmurro as palavras como se fosse enfraquecer o ar, tirar sua vida.
Recuso o sabor das negações essa noite, amanhã, cedo, mais tarde, à tarde, depois e depois.
Assim para todo o sempre, recuso você, ou talvez apenas por agora, enquanto a raiva não passa.
Alô
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- Sabe o quanto odeio isso, não é?
- O que exatamente, o sol, o céu, o dia, o sono, as nuvens, eu?
- Você me acha mesmo tão vaga assim?
- Não se trata de vazio, você tem pensamentos demais, idéias demais, desejos demais, xinga demais, fala demais, com tanta coisa assim eu me perco em saber quem realmente você é, imagina o que não gosta ... Mas então, como vão as coisas por aí?
- Sabe o quanto odeio isso, não é?
- te amo
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Não que seja um pensamento egoísta prevalecente da necessidade de ter alguém para não me sentir solitária em um sábado de manhã, para não ter a dor de não existir ser algum ao meu lado no fim de um domingo depressivo, por que é sempre assim, depressão pré-segunda-feira, o carma universal.
Tubo e Metal
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Com seu tubo de ensaio na mão sente-se feliz
O seu tubo de ensaio não
Tubo não sente
Arruma então outro objeto para dar vida
Cria um boneco de metal
Passeia longe da maresia
Para hidratá-lo
Enfia o tubo em uma melancia
Separa as sementes para não criar barriga
Conhece a sina
Troca-me pelo tubo de ensaio
O tubo pelo boneco de metal
Não vive mais perto do mar
Mas adora a ressaca do meio dia
Enquanto isso dança
Dança por garantia
Perde-se em passos errados
Tenta seguir o ritmo
Mas música alguma lhe é oferecida
Sem fôlego para pessoas, apenas socos.
O cinismo voltou e junto com ele a ironia.
Que eu enfrente quem tiver que enfrentar . . .
Eu espero que você esteja sofrendo com todos aqueles pequenos problemas que quando se juntam tornam sua vida um inferno, as chaves esquecidas em algum lugar, os arranhados na lente do óculos, o sinaleiro que fecha, a fila que não anda, o dente que dói, o cabelo que não cresce, o cabelo que só cai, o copo que cai, o elevador que não sobe logo, aquilo que não sobe com tanta facilidade mais, a buzina que não funciona, o computador que não funciona, a memória ainda funciona?
Eu esperava que as desconstruções sobre sua falta de moral te ajudasse a regenerar, mas você continua de pijama, com os livros ainda jogados pelo quarto, os rascunhos entupindo as gavetas, sentado, na cama, segurando um tijolo e o cigarro na outra mão.
Eu esperava que você percebesse o erro das ligações que ainda não foram feitas, das garrafas espalhadas no piso do carro, a falta de cinzeiro na sala, dos gostos que pensa serem refinados, mas são uma negação.
Eu esperava que fosse sincero, abrisse a boca pra falar a verdade, ao menos por telefone, não era preciso sair de casa, carregar o pesado e transbordante copo de wisky por tantas ruas. Eu pedi apenas para gritar confirmando meus problemas, nada de esforços além de talvez exceder a voz.
E quando se espera muito logo vem os atrasos, a perda de tempo, a escassez das horas, e não estou disposta mais a isso.
Antes eu esperava, não que você fosse algum dia chegar, mas eu esperei.
Em sua mente não existe a idéia de solidão pejorativa, ela é uma arma, sempre carregada, que você mira, finge que não dispara, mas quando se vira prefere atingir pelas costas.
Quantos cartuchos já gastou essa semana?
Pode dizer, eu sei que gosta de contar bala por bala.
Sinto Muito
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Sinto sua falta como nos dias em que esqueço de levar algum lanche para o trabalho, parece imbecil, comparação infantil, mas é exatamente aquele vazio, vai surgindo aos poucos, incomodando, por ser interno parece que sofro mais, logo vem a impaciência junto a dor de cabeça, e não há remédio que me faça bem, não há carteira inteira de cigarro que me acalme.
Sinto muito a sua falta como nos dias de segunda, terça, quarta e quinta-feira que não tenho você, todos muito longos e solitários, sempre na espera do nosso final de semana démodé.
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Como se fosse prazeroso enfiar-se em um ventilador, a sensação é a mesma, pânico, estraçalhamento em não sei quantos bilhares de pedaços do seu corpo, alguns nesse momento se tornam sadomasoquistas, gostam daquilo e ainda arriscam propor que haja a troca do horror, "fica com o meu coração que eu fico com o teu".
Sabe o que é pior? A maioria das pessoas deseja isso, exatamente isso, a maldita dor do amor.
Quando sonho sempre me vem um gosto. Não de amor, menta ou saudade. Sabor acre, enjoo, dor pungente de estômago vazio, não me alimento das lembranças, não me satisfaço mais de você.
Quando muito, uma ninharia agridoce de rancor me ataca, o amargo se torna forte, o melífluo não chega a lugar algum.
Como se fosse fruta verde, a língua reconhece, distingue, arrebata no apertar da boca, o ranger dos dentes, travamento completo da mandíbula, endurecimento do coração.