Naeno Rocha
JUIZO
Dos homens ardilosos e tristonhos
Sou eu o que mais perdoa.
Me apena os olhos escanteados
Dói-me a ferradura batida a martelo.
E quando o mártir não sou eu
Retiro os óculos e limpo a fronte
Para que vejam que não é pelo meu nome
Nem pela minha honra que enxergo.
Vejo por quem choraminga num canto longe.
Aplicado nos mandamentos dos assentos
Dos islãs, da Bíblia, das cartas de Maomé.
Dou como prêmio aos homens infratores
Um aperto nas mãos de ver sangrar
A piedade deles, em cálido gesto
E imputo a mim o rebaixamento no regresso.
Não me valho do posto de anjo sacrossanto,
Das vias que pisei, de pura lama,
Não, não abro o livro que escrevi na vinda,
Nem levo a risca os perigos que corri.
Mas um desafio, à minha alma pequena imputa,
O de ser bufo, o que faz provocar riso.
Quem vê escolhe entre mim e outros,
E de todos, até eu, sou escolhido.
Sou entre os anjos o que se perpetua na terra,
Um desatado, um homem em completude,
E a sentença que se anuncia é rude,
A ela deixo suportável, mansa em tudo.
Não matarei por cordas pêndulas.
Não esgarçarei por lâminas involuntárias,
Não permanecerei muito tempo em volta
Daquele que já foi, e até pode reincidir,
Nas maledicências, no desejo solitário,
Na liberdade que a mim foi concedida,
De fazer na vida, o que não na morte, onde
Poderei nem ver e ser cético, calado, morto.
DEPUS
Minha alma são cartões postais
De amor explícito
Varais de panos coloridos
Ou quintais de milho verde.
Mas sei perfeitamente quando penso
Que quem me põe feliz e aventureiro
Pode me elevar aos ares de repente
Voando com as asas de mim mesmo.
E em meio a todo o caos desta história
Eu sei perfeitamente quando vivo.
E vou morrer berrando
Urrando pela boca das palavras.
O que me toma o tempo
E me constrange
São as relações dos homens
Com o salário
A relação dos bois com o matadouro.
O que me seca o jarro de acácias
Amarrado num gesto inútil.
Mas você é uma quitanda exposta à Ilha
Onde amanheço
E volto pelo avesso
Com a barriga cheia de sorrisos.
Um anjo, louca das profundezas do paraíso
Das cavernas dafelicidade, amém
RENASCIDO
Se eu não puder nascer de novo,
Que eu seja então renascido,
No meio deste mesmo povo,
Que eu não tenha esquecido,
Das visões altas do céu,
Das verdes campinas, remido.
E que nas minhas lembranças,
Não contem as visões da ida,
Só as palavras ouvidas, chama
A contar à minha vida,
Que nunca mais me desengana
Nem de mim entristecido.
Que o doce inflamar dos dias,
Sejam por mim festejados,
E as flores onde vá a mão,
Eu possa todas beijar,
Um beija-flor, que por seu bico,
Eu tenha sido muito beijado.
Quero ruminar o gosto,
Sentir todas as frutas,
Comer as que dão do rosto,
Trazer guardadas as maduras,
Ser uma estampa, bem posto,
No meio do mundo, moldura.
Sentir o que não senti,
Não a dormência das mãos,
Não a permanência sem ti,
Não a tristeza vã,
Não a ausência de mim, sentir
Beijar tua boca romã.
ACASO
Acaso esquecestes as mãos
Que te abençoavam do regaço à boca.
Nutrindo-se do pó da pele
Que o teu corpo quente espalhava
E lhes revolviam o vento.
Acaso esquecestes o dorso largo
Do benfazejo amor
Que te conduziu onde bem quisestes,
Às estrelas lá no seu cume,
A lua no seu retorno.
Quem te apontava o céu e não te deixava solta,
Enquanto não chegava a aurora.
Acaso esquecestes das noites mais turvas,
Dos olhos sem rumos,dos braços laçados
Por te bem querer.
Acaso não lembras o nome,sequer os traços do rosto,
De quem te amou com o gosto, de quem come a fruta
Que mais desejara.
PRECISO DE AMIGO
Preciso de amigo
Diverso, ante a apatia dos que exercitam o mal
Confesso no reconhecimento de que somos iguais.
De sensato argumento explícito nos olhos
De que não viramos janta de canibal.
Preciso de amigo, que ao me saber triste
Não se fixe em apenas compartilhar dessas lágrimas.
- Que eu mesmo posso enxugá-las -.
Que seja atento a outras desventuras, sintomáticas
Como minha mão gelada
E a taquicardia que me retarda o ar.
Que nos abraços que viermos trocar
Oculte, com discrição,os batimentos do meu coração.
Que me faça acreditar nessa máxima:
- Somos guerreiros do mesmo Deus
Que Ele dos seus lugares insondáveis
Nos olha com seus olhos de proteção e amor -.
Porque é bom ter notícias de Deus sempre.
Que me oriente na virginal procura de mim
Estradas dos meus pesadelos, de ofensas vãs
Da mesma dor, igual.
Que não concorde quando eu culpo a vida
Por não haver sido gentil comigo.
Mostrando-me o caput do poema
Onde fala de que todos somos naturalmente iguais.
Eu preciso de amigo que nunca recitem
O poema das “rosas predestinadas.”
Preciso de amigo que me escreva vez em quando.
Preciso de amigo que nos lugares ermos
Fique a mostrar-me passarinhos e flores
Como se nunca os tivessemos visto.
Como se fôssemos divididos, em homens e mulheres.
Preciso de amigo, que, se lhe pergunto
Com toda a infantilidade, ainda em mim
Ele feche os olhos, em gestos de esforços
E me pronunciem, com o lume aberto do dia:
- Qual das montanhas que contemplamos,
Qual julgas ser a mais, bonita e imponente?
E eu sem poesia lhe dissésse:
Foram tantas... Mas duas mais me encantaram:
Duas negras montanhas, que sombreavam à nossa frente.
Quando andávamos e o sol desenhava à frente,
Duas colinas bem assentadas, que se abraçavam.
E nos acompanhavam e se moviam com nossos movimentos.
Eu ainda preciso de amigos.
MULHER
Um dia para se homenagear as mulheres é muito pouco. O ano todo é insuficiente. Porque todas as horas de todos os minutos de todos os segundos de cada dia, ainda é pouco. As mulheres, do ser bipolar criado por Deus, é o que mais se destaca pelas suas peculiaridades, que o mesmo Deus, em sua caprichosa ventura, quiz fazê-las de uma alegoria própria.
A angelical figura, aparentemente frágil, mas que por dentro é uma retroescavadeira.
Uma flor que pega com cuidado para que suas pétalas não se esvaem com o vento, ou com um tropeço de quem a carrega, mas que tem no seu cerne, bem cravado e fecunda a semente capaz de propiciar a visão de um jardim completo. Uma pluma que ressurge sempre, com o movimento do vento da fronde das árvores mais altas, em queda leve e vagarosa, pra onde acorrem todas as abelhas, sabendo estar ali o mais puro e rico néctar.
A beleza, que se insiste vermo nas faces e no seu corpo escultural, mas que habita mais nos seus mais profundo íntimos. Uma canção que se canta de olhos fechados, presumido parado, que se anuncia o mais forte das horas, o mais significativo, do que vemos sonhando, todo o tempo. Uma ave pequena de canto encantador, multicor, que ao ouvirmos nos arrepiamos pela excentricidade e beleza, que quando abre o bico e entoa o seu canto abençoado a terra se enche, repleta, de sua presença.
E quem não presta atenção numa mulher. Todos prestam. Até umas às outras, porque o orgulho de uma, sabedora do que é, do seu papel no mundo, silente, mas sabedoras de que podem mais, realizam mais, fecundam, procriam e dão o mundo outro ser, que, por, seu ventre abençoado, seria incapaz o mundo, os homens, as inventividades, falar em beleza, cortejar-se, enebriar-se, morrer de amor.
Algumas peculiaaridades Deus deu às mulheres além do que dotou aos homens. No entanto, essas tais desvirtualidades se contadas passaríamos nossas gerações sem vê-las. Mirando, ajoelhados uma Mulher.
Mulher ainda é e sempre será. A rima certa para fé. Pois enquanto houver uma, e isso não se acaba, dado partir delas o pólen, passarinho à flor, o que é uma garantia do prosseguimento da vida.
Falando em vida, jamais de morte, é a mulher a dona da vida. Que nunca se julgou, mesmo em assim sendo e tendo a consciência absoluta de que partiram de seus ventres os lacaios, os homens pacíficos, os profetas, os santos, os anjos, o gladiadores, Jesus Cristo, os ditadores aberrantes, os camikases, os inventores da guerra, e os protagonistas da Paz, como Mandela, Martin Lutter King, Ghandi, e outros tantos santos vivos que andam por aí. Ela nunca provou da guerra da discórdia entre os seres humanos, a não ser que lágrimas sejam armas, que saudades sejam espadas, que curativos sejam açoites.
Mulher um ser acrescentado, de virtudes, que o homem não tem, de uma capacidade de amar e orientar por caminhos bons esse amor que lhe é natural, instintivo.
Que se alegra ao receber uma flor, sabendo que acolhe a si própria, e se mostra alegre, para não tirar dos homens o mérito, que é um engano, que elas preferem uma a visão dos seus que, à um beijo, um afago, um elogio à sua beleza.
Bem-aventurada a mulher do mundo, porque todo mundo é dela, como todos os dias que passamos nele.
SILÊNCIO BREVE
Eu nunca vou dizer que te amo
Porque sei que o tempo urde
Contra mim, que te conta
Como dele.
E eu sou um operário calado
Uma abelha que não zumbe
Mergulhado todo na flor,
Darei-te o néctar que encontrar,
Isso eu te dou,
Porém minha palavra não ouvirás.
Não que a mantenha num calabouço.
Desnecessário é repetir o que é.
Tantas vezes disse,
E tanto sei,
Que me investi assim, calar,
Não mais dizer que te amo.
AMOR E MEIO
Ai, o amor de sempre.
Os mesmos efeitos colaterais
Os mesmos rompantes tardes.
Um foco que em todos arde
Dor que dói e a gente ver
Uma calmaria assolada
Com os danos à nosso sentido.
Amor, desnecessária espera
E dos mesmos a desesperança.
Aquilo do que se diz:
Quem planta, mal apanha
Ou leva o que não apanhou
Ou não apanhou o que levou.
Amor, essa confusão,
Um chega e sai,
Ao redor das brasas
Um posto de gás incendiado
Das bombas a ameaçar da rua.
E quem assegura que o amor
Repõe danos, que se está assegurado
Quem lucre com seu dissipar.
Ai, o amor elevado sentimento
movimento em trocadilho
A batida dos pratos no apogeu da filarmônica
Desnecessário, mas que, se não fosse
Desmembraria a vida corriqueira
No rumo das manhãs.
Até amanhã, ilusões, até amanhã!
Decepção, depois se vê!
AMO A NOITE
Eu amo a noite, por que à luz inexistente,
Tudo tem forma e nome de gente.
E eu amo toda gente.
Como amo os animais, pessoas descendentes,
Do mesmo olhar, vitral,
Alguns de modos complacentes.
Eu amo a noite, não por ti
Que deitas em meu leito displicente,
Não pelo o amor,
Amo por que a noite muda meus olhos.
E eu não vejo no mesmo lugar
Os mesmos tristes pensamentos.
Amo a noite, não por ti, violão
Que ao meu regaço, sentimental
Põe-me a cantar para as estrelas.
Amo a noite pela calmaria que tudo faz,
Que tudo passa, para ser no dia
Gestos esquecíveis,
Tempos retomáveis da minha infância,
Onde o medo ainda vive quieto.
Risonho e ofensivo, um algoz.
Eu amo a noite e não detesto o dia,
O dia de fazer, de pegar os quilos,
De morrer daquilo...
Eu amo a noite porque nada há
E por seu silêncio expor,
Nem um burburinho , nem sinto,
As batidas tortuosas do meu interior
PECADO
Apedrejem esta criatura culpada de todo o azedume de nossas vidas,
Foi ela quem ardilosamente tramou com os espíritos nossa descida.
E que nas noites em que dormíamos sonhando com as rosas
Foi ela quem lançou a praga irretratável e todas vimos fenecidas.
Lancem-na mais à frente, no meio dos condenados da inquisição,
É ela um ser disforme que sob a blasfêmia se cobre,
E nega a Deus, e dos prantos seus, nenhum tem o gosto da lágrima cristã,
Reneguem os seus feitos que por seu tempo já o bastante pra chamar-se cobra.
Eis o que destila a sua boca curta, os seus lábios úmidos, seu andar disperso,
E nem aprende a fala, dos nomes se esquece. Como entrega-la o nosso destino,
Se de queda em queda ela não tem calos, e o que pronuncia ninguém dintingue.
O que logramos em esperar por ela, ainda por pintar-se, uma branca tela.
Talvez se acerte em isolá-la longe, e nos dias vindouros, vemo-la de novo.
Se o azar cessou... Era só uma criança.
Alguém diz claridade do dia... no escuro, vela.
SERÃO TEUS OLHOS
Quando me dou frente a frente
Com os teus olhos de louca
Fica a impressão de que vi,
Algo de extremo e pouco
E vou ao delírio, perto
Já da minha loucura
Fico gritando o teu nome
Em aflita amargura.
Se quando olho os teus olhos
E não vejo os meus refletidos
Fixo-me no chão só pra ver
Se os meus não caíram
E de pura dolência
Caio por terra e vejo
Já no fio do precipício
Enxergo e não creio.
Que tu não veja em meus olhos
Esta claridade
aveludada, mas plenas
O que faz a idade
São os teus olhos meus
São só minhas verdades
As tuas eu busco e não conto
Se tenho encontrado.
LADAINHA
Mãe do Santíssimo, ventre puríssimo,
Rogai por nós.
Mãe do rosário, amor lendário
Rogai por nós.
Mãe dos profetas, mãos tão afetas
Rogai por nós,
Mãe de Jesus, olhos na cruz
Rogai por nós
Ó Mãe do Lourdes,
De amores urdes um manto em nós!
Ó Mãe de Fátima, pedinte enfática,
Rogai por nós.
Vistas do céu, amor de mel,
Rogai por nós,
Mãe dos apóstolos, olhos a postos,
Rogai por nós
Mãe dos meninos, aves sem ninhos
Rogai por nós.
Ó Mãe das Dores, os teus amores,
São sempre nós!
Mãe dos aflitos, a quem assistes
Rogai por nós.
Ó Virgem bela, clara janela,
Rogai por nós
Mãe da esperança, nessas andanças
Chegai a nós.
Ó mãe dos velhos, belos espelhos
Rogai por nós.
Ó Mãe de Deus, nós somos teus
Filhos também,
E disso sabes, pois quantos cabem
No colo teu.
COMO EU GOSTO DE SER POETA
Ai, como eu gosto de ser poeta.
E ser o homem de andar reto,
Ter um caminho limpo à frente e atrás.
Poder dizer o que sinto, como verdades
Sem ferir, fazendo valer o lirismo
Como didática a que todos aprendam
Que a vida é boa, e é um ofício
Que a vida é para viver não para matar.
Ai, se meus filhos fossem como eu
Sonhadores, que perdem ou acham tempo
Brincando com as nuvens
Contando estrelas, arrepiados ao ver uma rosa
Valorizando os espinhos que a protegem.
Ai, como doeria ser outra coisa
Ter outra vida que não esta...
Ter a vida em festa quando um velório passa,
Porque se assenta em minha cara
Que aquela alma não está perdida
Encontrou-se afinal, lá no édem
Nos confins dos céus, ao lado de Deus
Onde pulsa a verve do cantador
Do inventor dos sonhos.
Amo a poesia como amo o melhor de tudo...
O que se expõe aos meus ouvidos quando
Duvidosa, ela nos agasalha em seu regaço
Ai vida bela assim, ai ventura sem fim!
Ai, agora uma mulher dentro de mim.
FAVORECE
Ela me ofuscou com seus faróis em luz alta
E eu coladamente passei ao lado dela.
Mas nenhum grito de amor,
Se não eu já ficava
Ainda hoje estava com os meus olhos de choro.
Olhando a lua, pensando nela,
Vendo as estrelas, querendo ela,
E ela um jato lançando fumaça em mim.
Ela me confundiu com um pássaro qualquer
Que dorme cedo e voa a hora que bem quer,
Mas nenhum gemido de amor,
Se não eu tinha ido,
E até agora estava, seu, comprometido
Bem recaído, por esse amor tão delicado,
Cortando chuvas me enrolado em toalhas,
Vendo, mexendo a minha vida num varal.
Acostumei-me a não ser visto de perto
E me constrange o olhar, quanto mais belo.
E o dela pega na memória,
A maltratar de amor assim.
Ainda agora eu pensei nela e veio à flora
Umas tonturas, um desejo de entregar
O que possuo, o que vou ganhar
A vida tem sido bem louca em me amar.
"O amor sempre me deu o jeito de ficar medroso como um rio bem perto do mar. Deu-me a inquietude dos olhos e um jeito intranquilo de querer chorar".
TRAJES DO DIA
Cobriu-se do mesmo claro
Tecido fino, feito à mão
De uma teia que ninguém vê.
Começa agora
O dia a dar seus beijos
E a nubente
Despoja-se no campo branco.
E a vestimenta
Da primeira mostra
Vem como maré rasteira
O sol marcando as calçadas
Os campos desocupados.
A cor agora é outra.
Um tecido cor de ouro
Que os olhares ofusca
E reluzente enobrece a moça.
Na mudança do tempo um ser se manifesta:
“A felicidade é esta chama branda
Que não queima e vem do céu.
Dela se enfeitam
As colinas as campinas,
E bem repete o milagre
Que só Deus faz:
Ressuscitar a semente
Sob os escombros do tempo
Que ela se deu”.
Tinge-se o dia
De um cinzento
De fogo pigmentado.
E o preparo, é um agasalho.
Agora é a noite
Separada.
OLHA O MUNDO
É corriqueiro você de repente ser agasalhado por uma mão triste, e de tristeza ser tomado. É banal a unanimidade dos que te vêem triste, dizer: "Joga esta tristeza pra lá, a vida é linda! Vamos que eu te mostro as estrelas no seu aparecer, te mostro um pôr-do-sol, de um lugar que nunca vistes. Amo-te, fica assim não.... eu estou aqui, sou teu amigo pro que der e vier. Amigo é para essas coisas! Amigos são estes que te afagam que te consolam. Não vês, eu estou aqui, do teu lado. Nada tens a temer. O mundo é um albergue, enquanto a tua casa não fica pronta. E é beijo, beijo, beijo, beijo, afagos, conselhos, palavras de incentivos, indicações de livros de auto-ajuda: Paulo Coelho, Paulo Trevisan, O Segredo, e ainda te fazem ver o martírio de Jó, como ele encarou e suportou tudo, além de outros tantos que estão na lista dos mais vendidos.
Eu nunca falo na generalidade. Ninguém conhece todas as pessoas, nem externamente, nem o interior e cada um é o que é, como é. E muito mais difícil é saber de que interior são provenientes. Mas a verdade de que a hipocrisia, a fala falsa, a palara só da boca, são atos predominantes, isso cá é verdade.
Tu te arrombas de dores, de uma confusão que crias sobre a vida e suas prioridades valorosas, esperneia, chora, baixa ao hospital, e o mundo continua o mesmo, os carros passam em velocidades diferentes. E tu escutas dentro do teu quarto, as pessoas fazendo planos explícitos para os dias por vir, e tu ouves vozes que te penetram os tímpanos a os inflamar, numa confirmação de que o mundo não está nem aí para a tua dor. Que ele não está nem aí para por ti, nem por ninguém que como tu está se sentindo na mais absoluta solidão. Traído, e isso, te leva, por pura fragilidade do teu corpo, dos teus sentidos, a julgar-se traidor. Os outros é que são bons. Tu és a uma escória. " O que vieste fazer mesmo aqui por essas bandas"? O mundo não tem um alqueire reservado para ti. Não existe um leito desocupado onde tu possas deitar. O mundo não se incomoda com tua dor. Nem fica em teu assédio, na fila de espera, louco por te ver, te afagar e te assegurar dessas incertezas que povoam a tua cabeça e o teu coração.
Uma presença às vezes demonstra apenas o interesse de uma certa pessoa, ou um certo mundo, fazerem o exercício comum de mostrar-te a cara, que esteve lá do teu lado, mesmo que não se trisque e acomode-se numa cadeira frontal a ti, desfiando um cofo com algodão em fios, de palavras sem sentido, sem o sentimento verdadeiro de um igual teu.
Existem pessoas sensatas e honestas tamb[em aí pelo mundo, bons contigo e com os outros, pessoas de bom sentimento, pessoas verdadeiras, favoráveis a todos até a si próprios, existem. Tanto que estamos todos nós a procurá-las, por onde passamos. intimamente tu te indagas será essa a pessoa verdadeira. A pessoa com as qualidades que até a mim deixaria orgulhoso? Porque então o mundo está repleto, de solidão. Um apocalipse de água e fogo está à nossa frente. Senão pra quê a correria desenfreada de todos, porque a passagem despercebida dos que estão sendo soqueadas por seus flancos, enquanto correm, e gesticulam e olham desconfiadamente para os lados. Os possíveis itinerários do fogo que limpa os caminhos ou das águas que os tornem mares profundos.
LUGAR VAZIO
Antes de me dizeres quem és,
Me dizes quem eu sou.
Que assim perto de ti
Sempre esqueço o meu nome.
Como fico esquecido do teu.
Nada de importante nisso.
Se é por ti que choro
Se é por mim que amas.
Antes de dizeres meu nome
Varres a casa inteira,
Pode ser que exista outro por aqui.
E poderá ser eu trancafiado
E não me vejo pela escuridão,
Por isso não me sinto,
Vejo os teus dois lados,
Se amassei teu lábio,
Posso até ter saído.
O AMOR ESTA AQUI
O amor está aqui na quietude
De não se ver ninguém.
A bordo do coração, mergulhado
Seguindo, lambendo a proa.
O amor por tudo quieta-se
E dorme até fora da cama
Encostado no tempo,
Porque tem um tempo contra
Que lhe arremete
E o mesmo tempo que lhe traz
E lhe faz sentir o fôlego.
O amor está aqui,
Tomando todo o espaço do convés
De um barco exausto
Que faz um passo a cada eternidade.
E disso o amor se aproveita
Para estar em toda parte
E em todo rumo,
E quando se ama perde-se o prumo,
Encalha em seus caminhos,
Ele toma posse dos ninhos,
Que encontra, como um ivasor.
O amor está aqui. E agora?
Tem tanto tempo para tecer
Planos para no futuro ter,
A casa boa, o amor em paz
Convicto de que o trabalho é seu.
POEMA DO CÉU
Se eu vier a nascer de novo
Pedirei ao Senhor da vida:
Seja esta a vez da minha morte.
Mandai-me velho,
Com todo o tempo que tive
Deixai-me progressivamente
Eu regressar.
Largai-me cambaleante como uma criança
Nos seus primeiros passos.
Que daí eu desça, remoçando.
Com a carga de tudo o que é meu
Das coisas que vi e fiz.
E siga esquecendo, desaprendendo
Diminuindo ou aumentando.
E que tudo vá se diluindo e consistindo
No olhar atento e sentidos perfeitos de moço.
E que siga esquecendo,
Tudo que lembre dure o tempo de esquecer.
Que a mim seja da beleza
De primeiro ver o crepúsculo
Pra só depois ver a aurora.
Que as estrelas e a lua, eu veja antes
Que a luz ofuscante do sol.
Que as mulheres se surpreendam
Com os beijos que sugarei de suas bocas
Que eu siga de tudo esquecendo...
Que as estações se invertam
Da forma como eu venho vindo e indo.
Que eu veja as águas que não se repetem
Descidas distas dos meus olhos, um dia.
Que as chuvas primeiras sejam as derradeiras
E eu já colha antes de plantar.
Que o meu primeiro presente, uma bola furada
Dê-me a alegria de um menino encantado.
Que eu desça ou suba deslembrando...
Desaprendendo, tendo o sentimento adulto.
Até sentir-me
No regaço de minha mãe
Sugando o colostro,
Que se abram as portas
Por onde entrei e saí
E de tudo esquecido.
“Amigo é aquele que perde o tempo a lhe comprometer com o patrão, ou com o seu amor, só para te falar e te ouvir, na verdade”. NAENO