Murilo Melo
Cheguei ao ponto de viver só daquilo. Me alimentava da doçura dos dias e, na maioria das vezes, da amargura e angústia da ânsia. Quando dei por mim, eu já havia emagrecido muito, não me equilibrava mais.
A verdade é que sou intenso demais e não há quem dê jeito nisso. Vou colecionando amores que não dão certo, vou inventando maneiras pra remendar a felicidade, vou segurando lágrimas nos olhos. Sofro dores que não são minhas, me enraivo por besteira. Vibro com alegrias que não me pertencem, torço pro outro ser feliz, e eu me viro depois. O bom de tudo é que, toda noite antes de dormir, eu rezo, peço a Deus baixinho que um dia tudo dê certo. Vai dar, eu sei.
No meu caso, ainda que eu pense que tudo possa dar errado, que tudo sempre vai dar errado na minha vida, e que eu tenho medo de dar errado, dessa vez vou prometer que vou deixar tudo acontecer como tem que ser. De que é amor até deixar de ser.
E então você me olha com aquela cara, como se quisesse dizer que eu sou o único amigo que ouve sobre seus casos, seus medos, suas dores. Me olha, desabafa e desaba. Mal sabe que, na verdade, quem desaba por você, por dentro, sou eu, todos os dias, todas as noites.
Eu sei que vai ser sempre assim. Mas eu me engano, às vezes. Daí aparece uma pessoa do nada, mexe comigo e então eu fico exausto de fantasia. Vou e invento uma coisa que na realidade nunca existiu, que não é. E vivo aquilo, só daquilo, porque a ideia de estar sozinho chega a ser insuportável.
Eu tenho uma capacidade incrível de me apaixonar por quem eu não devo. De sofrer por quem me despreza. De pedir perdão mesmo não sendo o culpado (...).
Eu já sai dessa. Não dá mais pra continuar com essa sensação de velhice e desânimo. Há uns três meses praticamente não saio de casa, fico enjoado com tudo, tomo ódio de tudo. Perdi o contato com as pessoas que eu considerava interessantes, fico vivendo de um jeito que não é pra ser. Uma vida toda interna, lendo, pensando, maquinando, escrevendo, ouvindo música melancólica o tempo inteiro. Daí, então, hoje percebi que me sinto bem... Não dá pra explicar. Lá fora tem muita nuvem azul e anda fazendo o maior sol.
Já não sinto mais aquelas dores de antes. Não choro mais. Não sei o que é dentro, o que é fora. Tá tudo seco. Eu já não sinto nada, o que é ainda pior.
Eu pensei que esse vazio por dentro fosse o limite. Não sabia que poderia existir alguma coisa após isso, além disso.
(...) Daí passei a evitar conversa com os meus amigos sobre este assunto. Também evitei lembrar disso antes de dormir. Porque dói saber que algumas coisas vão e não voltam.
Gritei, discuti, bati bastante porta. Mas não vale a pena. Hoje, vejo que foi desnecessário. Passei a ter vergonha de mim por essas coisas. Decidi me poupar mais.
Mas não pode ser assim. As pessoas não podem ser vistas como sacolas descartáveis. Usadas e depois jogadas fora.
Tenho tentado ser mais humilde ultimamente. Parei com esse negócio de sair dizendo meia dúzia de desaforos, agredindo todo mundo. Fui bloqueando, aos poucos, alguns comentários mesquinhos, pequenos, infelizes e destrutivos. Foi preciso mudar.
Não gosto de ouvir as pessoas falando em coisas que não foram, que não deram certo. Penso que a dor é exclusiva minha. Sou egoísta nisso. Gosto mesmo é de ver pessoas felizes, histórias dando certo, olhos brilhando de ansiedade. Eu não combino com isso, sou caso perdido.
Na terça eu já tinha pensado sobre isso, mas só agora decidi que não vou perder tempo me envolvendo com pessoas que não sejam para mim, que não tenham nada a ver. Meu foco agora não é esse.