Michelle Trevisani
No mundo há amor por tudo.
Ama-se muito e com freqüência.
O meu amor, não é menor, nem maior, nem mais bonito - meu amor é líquido e transcende o imediato.
Ok, meu amor é pela escrita.
Ele havia desabotoado a blusa toda.
Seus olhos carregavam a canseira do dia, mas eram tenros, depositados em mim.
Ele analisava o contorno de meu dorso e tocou de leve minha cintura num não mais agüentar só olhar. Puxou-me os cabelos, com a docilidade de todas às vezes. Suspirou em meus lábios: “Já volto” que durou a eternidade de minutos incabíveis num desejo de tê-lo – insuportável a espera.
Voltou seminu envolto numa toalha branca, que contrastava com sua pele tão única. Me mordiscou de leve o queixo e praguejou como eu conseguia ficar tão linda a cada minuto que passava. Dizia ele: “Você é tanto para mim” e eu: “Mas sou tudo exatamente do que você precisa – sou esse tanto todo!”.
E a noite era tão pouco!
Tinha uma blusa
Com teu cheiro no roupeiro:
Blusa suja de saudade
Blusa suja que beijo
... e me embriago
... me alimento
- de desejo.
Sussurrar no teu ouvido
Apenas um pouco do amor que tenho.
... assim, quem sabe, te desperto dessa dúvida toda.
Eu já tentei a liberdade algumas vezes.
Já brinquei de voar e fui tocada pelo vento –
Já abri os lábios para comer nuvens de algodão doce
E sentir o sabor tênue de lágrimas de chuva.
Mas o que faz meu coração ser realmente livre
É estar aprisionado ao teu som, impaciente pela casa;
É estar colorido dos matizes do teu riso, mesmo riso de mau humor depois de um dia cansativo no trabalho;
É saber-me tua, de algum modo.
É ter a lua bem debaixo dos pés no teu céu estrelado
– olhos semicerrados cantando-me cantigas de embalar o sono.
Havia no jardim uma garota.
Seus grandes olhos observavam o voar de uma folha outonal, que pendia duma árvore qualquer – naquele imenso quintal de sonhos.
Um rosto delicado, com sardas que pareciam pitadas pela mão de um artista renomado.
Os olhos – invadiam com ardor e trincavam a alma quando se olhava bem no centro.
Ela esboçava um sorriso, quando me via chegar.
- eu lhe tocava a barra da blusa e lhe dizia entre dentes –
“fica comigo!”.
Ela pegava a flor dos meus dedos e a enroscava no cabelo – como se enroscasse meu coração nela.
Eu sentia o pulsar da lateral de sua orelha martelando meus sentidos quando ela debruçava em mim para contar do seu dia.
E me ardia,
Ardia aquela boca tão fina – longe da minha.
Ela dizia:
“Espera o amor – se curtido, fica mais saboroso”.
Já me perdi diversas vezes nessa estrada –
Estrada tipo emboscada que se bifurca em vários caminhos: difícil decidir.
Difícil partir. Difícil trocar os pés, avançar o passo,
Quando deixo como rastro um coração partido.
Sonho com teus olhos
E tua boca reluzente.
Sinto o perfume do teu cabelo e o que me acerta são respingos de chuva
Como quando teu corpo me pingava molhado, pós-banho.
Logo volto,
Logo me entrego nos teus braços – me espere.
Era tão divertido – tentar decifrar seu aroma bagunçado pelo vento, lutando para não fechar os olhos só para que eu pudesse te ver me beijando. Eu sempre falhava – meus olhos se entregavam e afundavam nas suas cores assimétricas – tons eletrizantes de vermelho.
É que esse seu sorriso... há muda tanta coisa!
Tranforma em cor qualquer cinza,
faz chuva cair mansinha - um sorriso sabor cobertor e pipoca numa tarde fria,
um colchão, uns amassos...
Ele disse: foi sorte.
Eu disse - destino.
Ele me olhou desconcertado. Sorte se ele fosse rico não é mesmo? - então foi destino.
Gosto de te ver respirando baixinho.
Seu coração bate compassado, a boca murmura qualquer coisa... os olhos brilham. É como ver um mágico tirar da cartola um coelho branco. A gente fica se perguntando - "como"?
Já borrei muita maquiagem. Mas não ligo de refazer. Levo na minha bolsa um lápis de olho poderoso que cessa as lágrimas, um batom vermelho fogo que parece sol a iluminar o ambiente. A tristeza nunca se aloja por muito tempo. Dá um “alô”, pra me lembrar de não ser tão fraca da próxima vez, deixa um chacoalhão de presente, pega as malas e parte. Mas parte sempre com um sorriso bobo nos lábios, a danada, como se velasse “se não tomar cuidado, eu volto.
Não há sentindo em ser muito boa. Só vejo desvantagem. Choro à toa, sempre amarga, fico de cara amarrada por aceitar quieta o que não agrada. Bom mesmo é ser danada. Danada de esperta, danada de brava, danada. Ter sempre uma carta na manga, uma carta mágica: uma carta 'cala boca cara, pega essa sua mala, cheia de tranqueiras, não me amola mais com suas besteiras, que eu tô o bicho – não tô de bobeira'. Bom mesmo é ser danada, danada igual pimenta.
- 'Não faz mal que você fique. Aliás, já ia te pedir isto mesmo'.
- 'Mas porque demorou a pedir?'
- 'É que fiquei com medo do teu não. A incerteza ainda dói menos'.
- 'E agora? Tem certeza que fico porque te amo?'
- 'Tenho certeza que fica porque quer... sua presença já me basta tanto!... o amor, esse detalhe, a gente vê depois'.
Sou responsável por esse sorriso enorme estampado em meu rosto. Ele sai quando quero. Ele gargalha quando se mata de tanta felicidade. Ás vezes tá murchinho. É que ele nem sempre é de ferro, coitado. Quando a lágrima cai, meu sorriso fica tão infeliz que chega a ser torto, torto. Mas daí você chega, com seus olhos cor de mar, fantasia uma piscada e o sorriso que tá torto fica todo bobo e se põe a festejar.
Certa vez fiz um castelo na areia, quando ainda era bem pequena. Eu era a princesa. Imaginei cores e faixas tremeluzentes vermelhas nas torres, já que areia é uma cor só. E também me coloquei a imaginar soldados, cavalos e um rei. E tinha um vendedor de frutas. Foi por ele que me apaixonei. Minha mãe me perguntou: 'Vendedor de frutas? Mas você é uma princesa, não seria melhor se apaixonar por um príncipe?'. Olhei para minha mãe sem entender. Eu amava o vendedor de frutas, o cabelo, o jeito, o olhar... ele era o meu príncipe. Ora, ele era o meu príncipe, que carregava a vida nos ombros e suspirava cansado no final do dia... e ainda sobrava um tempinho para me dar um sorriso, que ficava na janela, olhando o sol se pôr e o seu partir. Isso era ser um bom príncipe para mim.
A verdade é uma só: digo que te quero bem longe, mas na calada da noite rezo baixinho para você bater em minha porta com carinho, me dar vários beijinhos e dizer que me ama, que me ama bem no meu ouvidinho!
Tô precisando de um afago, abraço, presente, sorriso.
Tô precisando de um compromisso,
tô precisando de alguém pra passar o Natal.
Tô precisando de um amor fixo, que não parta se acontece isto ou aquilo,
tô precisando daquele tal: como é mesmo? - Marido.
Não faz do coração um apito, ele não funciona no grito,
ele gosta de silêncio... abraço tenro, beijo escondido.
Você poderia ter sido tanto, mas escolheu ser meu.
E anda agora comigo a tira colo, usa um anel dourado,
algumas compras feitas no mercado, e um bocado de contas.
Mas daí vem o sorriso compartilhado e as músicas que só a gente gosta.
Os fins de tarde dizendo coisa á toa, e um abraço apertado quando tudo desmorona.
-'Chega de sonhar', ele me disse. 'Vê se cresce menina!'
Peguei uma canetinha preta e desenhei um ponto bem grande na cara dele.
Disse furiosa: 'Olha no espelho!'. Ele olhou. 'Mas o que é isso?' - perguntou curioso.
-'É um ponto. Tô dando um ponto final em você'.
Depois de uma pausa de ambos, continuei:
- 'mas i, olha lá - o ponto tá virando um buraco negro no universo e tá sugando você todinho para dentro dele'.
- isso é o que acontece com quem quer acabar com meus sonhos!
Eu disse que ficava.
Ficava porque queria, porque o coração mandava.
Não havia lógica. Me perguntavam, 'mas por que aquele cara'?
- porque sim, ora.
Deixei pendurado no varal: um pouco de lamento, dor e a falta de sossego.
Choveu... Mas não corri para ir pegar. Deixei molhando.
Torço para que embolorem.