Pergunta errada
Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação.
Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo.
Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
Quiseste expor teu coração a nu.
E assim, ouvi-lhe todo o amor alheio.
Ah, pobre amigo, nunca saibas tu
Como é ridículo o amor... alheio!