Marcella Prado
Deus me livre escrever como sinônimo para holofote da minha dor. É que não da pra guardar, eu não agüento sozinha. Se eu não vomitasse tudo isso eu enlouqueceria, me tacaria da janela. Ou quem sabe tacaria os outros que insistem nos conselhos clichês.
Se a sua vida continua feliz sem mim, que bom. Acho justo. Quando o amor termina só um fica desesperado. Pois bem, fui a escolhida.
Sou em quem grita e chora. Sou eu. Sempre foi. No fim, eu te amei mais, muita mais que a mim, muito mais do que pensei ter sido amada. Eram sempre as minhas mãos que buscavam as tuas mornas, era sempre a tua cabeça deitada no meu colo, era sempre a minha boca que caçava a tua e por você eu fiz até torta! Eu, que acho tão complicado pilotar um fogão, eu que não entendo nada e que não sei ligar nem forno me arrisquei e descasquei quilos e quilos de maça, só para te agradar e ver iluminar no teu rosto jambo aquele sorriso de agradecimento tão compensador. Agradar-te me agradava.
Você trocou o certo pelo incerto, à quase-santa pelas putas, e uma vida talvez tranqüila pela adrenalina das noitadas e das cantadas incertas.
Um garoto comum, de sorriso encantador que me fez perder o chão, que me levou do céu ao inferno em um período tão curto que por vezes chego a pensar que sou maluca e que tudo que vivemos foi mentira.
Eu devo ter fantasiado, eu devo ter visto em você esse Aladim encarnado no teu rosto. Pois por isso mesmo eu devia ter sabido que não iria nunca prestar.
Todas as nossas coincidências contribuíram para a minha crença de menininha iludida. O cenário era lindo, caía neve à nossa janela, fazia frio – eu sou tão mais feliz no inverno.
Juntando todas essas e inúmeras obras do destino eu te conheci em um lugar tão lindo e seguro, no país que cultivo o mesmo amor que a minha própria pátria, que canto o hino como sendo o do meu país, e pensei estar salva. Suspirei com um alívio, como de uma criança confortada no colo materno.
Estar ao teu lado me fazia bem. Eu procurava te agradar de todas as formas possíveis e jurava por todos os deuses que daria certo.
Eu, pobre de mim, ainda acreditava que o amor era capaz de vencer as atrocidades do tempo, da distância, da juventude, dos hormônios masculinos inquietos. Não – nada disso seria forte o bastante para destruir aquele casal feliz que caminhava sempre de mãos dadas, com as bicicletas paralelas, alegre e tão confiante.
Eu, que sempre fui tida como sã, que nunca chorava, e que pensava ser besteira esses amores impossíveis estava dentro da rede, presa pelas armadilhas do destino e das minhas falsas esperanças.
Mas que menina tola, que cresceu assistindo contos de fada, e por ventura da vida entranhou todos aqueles ensinamentos e acreditou fielmente em um final feliz.
De amiga conselheira passei a ser aconselhada, de cuidadora agora sou cuidada, e não me abandona quem ainda tem esperanças de ver renascer em mim aquela garotinha sorridente que eu era.
Meu calcanhar de Aquiles tem um nome, um nome lindo, de anjo. Um nome forte, que está tatuado a ferro no meu coração.
Deve estar aparente no meu olhar a minha falta de interesse nos outros garotos. Não estou disponível, não deixo que me amem como eu mereço porque ainda pertenço a você e estou completamente acorrentada ao nosso passado morto.
Não quero vala comum para o nosso sentimento. Quero um túmulo digno, grande, bonito e a altura da magnitude de todo aquele amor.
Pois é, falso Aladim. Não tinha gênio, não tem você na minha janela me esperando com um tapete mágico, cuidadosamente bordado para me mostrar ‘um mundo ideal’
A única coisa que você mostrou pra mim – eu, que vivia protegida nas paredes do meu castelo, da minha amada família – é que existe desilusão amorosa, e que dói feito um soco desprevenido no estômago. Pois eu voltei a ser cuidada e agora, você que roubou tudo que eu tinha. Não fomos felizes para sempre. Como bom ladrãozinho, você ainda carrega o teu sorriso de malandrinho por aí, encantando outras moças, outras tolas, que logo se juntaram ao meu posto e mal-amadas. Não sei dizer se tenho o direito de me arrepender pelo meu sim, ao teu primeiro ‘ Você confia em mim?’ – se quer saber, eu ainda aceitaria e confiaria de todo coração.