Manoel de Barros
"...O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
- Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.”
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê... É preciso transver o mundo.
Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.
O dia vai morrer aberto em mim.
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir os seus encantos.
A ciência não pode medir quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
Escrevo porque sou obcecado pela palavra, tenho uma espécie de tara por ela.
A arte da poesia é o trabalho com a palavra.
O poeta é um sujeito que não sabe das coisas.
A palavra oral não dá rascunho. Como não tenho a possibilidade de corrigir os erros cometidos na fala, fico descompensado. Dá-me a dor do erro, que advém do orgulho de querer falar apenas coisa que preste.
Poesia é a virtude do inútil. O inútil só serve para isso mesmo, para a poesia.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Poesia é armação de palavras com um canto dentro. Eu sempre armei os versos meus com as aflições e os êxtases do ser humano.