Manoel de Barros
O menino ia no mato
e a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
e ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: mas a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando o meu corpo e eu desviei depressa.
Olha mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.
No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e de desver.
(em carta a José Castello, publicado no Jornal Valor Econômico, em 18 mar.2012.-website)
"... poesia pra mim é a loucura das palavras, é o delírio verbal, a ressonância das letras e o ilogismo.
Sempre achei que atrás da voz dos poetas moram crianças, bêbados, psicóticos. Sem eles a linguagem
seria mesmal. (...) Prefiro escrever o desanormal."
(em "Ensaios fotográficos". 2000, p. 63.)
"...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós".
( em 'Sobre importâncias', do livro "Memórias inventadas – a Infância". São Paulo: Planeta Editorial, 2003.)
"Encontrei na Stella a mulher e companheira de todas as horas. Na alegria e na tristeza – como nos prometemos no casório. Conseguimos um amor profundo e sonhado em todos os dias”.
( em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins, 2007.)
"Os bens do poeta: um fazedor de inutensílios, um
travador de amanhecer, uma teologia do traste, uma
folha de assobiar, um alicate cremoso, uma escória
de brilhantes, um parafuso de veludo e um lado
primaveril”.
( excerto "XII - Sábia com trevas", no livro "Arranjos para assobio" (1980), em 'Poesia completa: Manoel de Barros'. São Paulo: Editora Leya, 2010.)
Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que Uma nave espacial. Peço desculpa por cometer essa verdade.
( em "Memórias Inventadas para crianças". São Paulo: Planeta do Brasil, 2006.)
”Formiga é um ser tão pequeno que não agüenta nem neblina. Bernardo me ensinou: Para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas. Achei fácil”.
(Extraído do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record - Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)
“Os patos prolongam meu olhar... Quando passam levando a tarde para longe eu acompanho”...
(Extraído do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record - Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)
“Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. São viúvas de Xaraés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens”>
(trecho do livro em PDF: Meu quintal é maior do que o mundo [recurso eletrônico])
“ VENTO
Se a gente jogar uma pedra no vento
Ele nem olha para trás”.
(trecho do livro em PDF: Meu quintal é maior do que o mundo [recurso eletrônico])
É por demais de grande a natureza de Deus. Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular. Tão pequena que coubesse na ponta do meu lápis.
(Livro "Meu quintal é maior do que o mundo")
“No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos”.
(trecho extraído do livro em PDF: Meu quintal é maior que o mundo)
Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros. A sensatez me absurda. Os delírios verbais me terapeutam.
“Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia”.
(Trecho extraído de “Matéria de Poesia” do livro em PDF: Meu quintal é maior que o mundo)
“Para entender nós temos dois caminhos: o da sensibilidade que é o entendimento do corpo; e o da inteligência que é o entendimento do espírito.
Eu escrevo com o corpo.
Poesia não é para compreender, mas para incorporar.
Entender é parede; procure ser árvore.”
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
A poesia! A poesia está guardada nas palavras, é tudo que eu sei.
Meu fado é não entender quase tudo; sobre o nada eu tenho profundidades. Eu não cultivo conexões com o real. Para mim poderoso não é aquele que descobre o ouro; poderoso pra mim é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas. Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado e chorei. Sou fraco para elogios.
Poesia Completa Bandeira”, editora Leya. Por motivo de direitos autorais, apenas trechos dos poemas foram publicados.
O livro sobre nada
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.