Luverly Menezes
Pelas esquinas de tempo por onde passo, deixo um tanto de mim, Um tanto do que inevitavelmente fui, um tanto do que, de abraços com a ilusão, quis ser. O que fica no linear paralelo de um novo caminho é o que neste hoje sou. Um “sou” mais rico da lucidez que preciso, mais empobrecido em limites, mais prudente em perceber que alguns passados, apenas passam, jamais se superam em nós. Assim são os amores, as saudades, os sonhos e os quereres que, sem perceber, por essas muitas e inconfessas esquinas, deixei. Pelos caminhos desse presente, vou reinventando cenários e neles acomodo novos castelos, às vezes de mármore, às vezes de areia branca, bem leve ao vento.
Temos em nós um lado estranho e imperfeito que vez ou outra, encanta ou espanta alguém. Amar mais o cinza de um outono que o colorido de uma primavera pode ser, quem sabe, o divino mais corrompido e desconhecido de mim.
Ela deixou de lado suas próprias censuras,suas pendências de valor com o passado, seus embargos vagos de sentir, quando finalmente entendeu que suas intensidades todas eram o que mais a faziam SER, que seu jeito de imersão profunda era justamente o que a fazia mais legítima e encontrada em identidades, condutas e escolhas. Em meio a tais e urdidas certezas, nada mais impediria que a EMOÇÃO regesse a orquestra e inspirasse novamente o voo. Se sentir demais é, por natureza e fato, sempre tão alto e sempre tão forte, talvez seus olhos e suas emoções, sem quaisquer arestas, optassem sempre por cegar-se, a esvanecer-se à banalização ou aos comuns de um sentir. Por certo, não seria ela. E tanta lucidez de identidade e de encontro, não a fazia alheia à razão dos dias, esta mesma que faz cada vez mais raro e caro um intenso que enternece, paralisa e emudece. Inútil portanto, era a teimosia da rudez, da hipocrisia e da covardia, em fazê-la amesquinhar-se a seu efêmero SER. O preço... Por vezes alienígena, por vezes contida, por vezes incompreendida e por que não dizer, assustadora até. Porém, valente e fiel a si, sua prece e sua luta mais premente era de que seus pés jamais receassem lancar-se ao mundo ainda que frêmito e algoz soassem seus passos. Ela fazia dos sons, caminhos de faróis rasteiros para suas ilhas e castelos. Deslumbrada e reafirmada por uma loucura lívida e santa, seguia fiel tão somente a si e a suas inexoráveis buscas imperfeitas e insanas a maioria dos mortais. Seu mais visceral desejo... que jamais sinta brotar de sua alma uma emoção empobrecida de intensidade e de verdade. Uma emoção que não a renda, que não a deslumbre, que não a mova, não a arrebate a fins e recomeços tantos e, sobretudo, que ela não reconheça em si , uma emoção que não a conduza a seus reinos secretos de SENTIR e de QUERER a cada exatidão de um tempo apenas seu. Seu maior desafio... não crucificar quereres e sentires frustrados, não realizados. São eles que lavam nossos olhos, nos refazem em condutas, nos lapidam em novas projeções e direcionamentos de viver. Ela... ERA como o sol que ardia na pele, mas seduzia os olhos a sua inebriante luz, era como a noite que cegava esses mesmos olhos para afagar melhor a pele com sua entorpecente e suave brisa. Assim, era aquela moça... intrigante a uns, louca e enigmática a outros, mas sempre e tanto, INTENSA a si mesma.
Os excessos tecidos em nós, são por começo e por fim, nossas mais inexoráveis e urdidas lições.
Há hojes que tardam em analgizar certos ontens.
Tu não hás de viver desafio mais subterrâneo do que a busca pela plena e nada obsequiosa compreensão de si mesma.
Tem um bilhete na porta da geladeira me dizendo das tardes e das noites de ventos. Isso, para que eu jamais esqueça de abrir as janelas e soltar os cabelos.
Numa dessas insônias rotineiras de dúvidas, a coragem gangorra.
A gestação de um sonho perde se temporariamente da crença no inédito possível.
Mas a dúvida finalmente dorme.
É quando o valor do motivo se agiganta e faz a gente estacionar de regresso no alto.
Os dias nos contam da largueza que há que se ter no passo, da firmeza clara e brava do ato, do viver paraquedista da emoção nascida...
Nos dizem do horizonte sem tangentes tardias e cinzas que há de se vestir o olhar.
A prestimosidade da vida com o entendimento das coisas e com a clareza de nós nem sempre entra pelas janelas da frente da gente. Quando o que fomos fora, nos joga para nosso mais fundo dentro, não há concessões de verdades, tão pouco aceitações injuntivas dos porquês, nem mesmo dos não gratos e ásperos porquês. Não há arremates nos destinos, atalhar nos percursos... não há barganhas com o tempo exato de ser e, de igual modo, de deixar de ser.
Há sim, o tempo de tirar para descanso, o avental da tolerância e da passividade com os equívocos sabidos e tidos. Tempo de descortinar as janelas do adiante, ainda que de seda seja o véu se, por detrás dele, está o único seguir possível a um reencontro nascente, dulcíssimo e grato consigo. Tempo de deslizar as mãos sobre o embaço úmido nas vidraças, embaço diviso e rompante do ser. Sem importar se esse mesmo ser foi outrora, soneto ardente, fiel e víscero de mim. Tempo de rasgar o útero amadurecido pelo rigor da primeira ou da derradeira lucidez e... nascer. Cada ser nascido é um ser querido e já sido. Agigantamos o parto ao celebrarmos os gritos e os gemidos no ato para neles, apequenarmos a dor. Morremos um pouco quando perdidas de nós. Nascemos de todas as mortes e para todas as vidas quando decididas, de cada perder-se, NASCER.
Sim, nascer, posto já tão lacerado o perder. Não digo renascida porque nascida, outra me quero ser. Outra, um tanto mais esvaziada de meus avessos, de meus desajeitos, dos vazios e dos tropeços de mim . Outra, inimiga da dúvida perdiz, àquela paralisante. Outra mais íntima de si e menos vagante sem licenças no outro. Uma outra, amante plebéia ou princesa do olhar que a despe em alma. E quão louca e linda e livre alma. Outra, urdida do mais legítimo profundo de si para quiçá, jamais sabotar-se em ser e assim, jamais permitir-se censurada e abortada em ir.
Quero - me amor que vai, amor que chega , deusa profana de cada sentir, mar de chamas em cada querer. Quero - me sede imprudente, alheia ao veneno que tolhe e talha. Quero -me em cada exato ou inexato tempo, largo espaço criador e abrigo feliz de mim.
EU POR MIM...
Entre um pouso e um salto, um exagero de quimera aqui outro acolá, fui decifrando vontades, poetizando olhares, fazendo correr alto meus passos sobre céu de arado, sem jamais exilar por entre as nuvens minhas prenhes e perenes verdades.
Dancei bailados de alquimia que misturam os sonhos e os rumos, fiz nascer deles o chão que me sustém, embora o canto que ribalta o manto nem sempre me tenha sido de gentilezas e de sorrisos. Embora o horizonte de reverente poente que se quis ver, nem sempre tenha estado ao alcance do enquadrado das janelas através da quais ousei olhar.
Arte inacabada, não sacra, não casta, rabiscada pelas trilhas que andei, moldurada pelos versos que cantei, forjada em berço e preço pelas óperas ruidosas que encenei. Por vezes vulto e sombra para uns, àqueles os quais a retina que olha do centro do peito, não me foi possível atravessar. Mas o tanto maior de mim é alma sentida, é emoção alcançada, existência sem baço e névoa conhecida. Assim traduzo-me. Assim entalho-me no tronco cru e maciço das árvores que eternizam quem por elas passou e por ter algo a dizer, parou.
Por estes tantos andos e desandos de instintivos e dementados quereres, dizeres lavados de mim, em êxtase de crenças, em avidez de sonhos, sem mistérios e anteontens largados...
Que nestes, chegue sempre soberano e ímpero o TEMPO, maestro e juiz da vida. Tempo de aquietar as pressas permitidas e permissivas que, em cegueira luzidia, inundam e, por vezes, afundam. Tempo grato, polissêmico tempo que coaduna-se com as costuras consolantes, fiéis e pacientes a remendar e a refazer os rasgos e os vagos que pelas esquinas da alma vai se deixando ficar.
Pelo dito que sou, não sei se livre ou condenada estou, mas se nada mesmo ainda assim, fizer sentido, que eu NUNCA deixe de, incorruptivelmente, FLUIR. Que a emoção seja sempre dilúvio, redenção calçada de rosas e prosa em mim.
( Lu Menezes )
Chega um tempo em que é inevitável trancar - se pelo lado de dentro de si, lá no canto onde as paredes são espelhos e não gaiolas. O salto é ao sair. Não aceitar - se ninguém além de si mesma.
Finamente aprendeu que viver o presente é aceitar que só ele existe.
Que senti -lo, sem resgates ou projeções é, enfim, sua única e possível eternidade.
A finitude, o tempo exato de todas as coisas, apressadamente, alheios ao querer, se impõe e chega.
Sob a licença dos véus e das metáforas por ora
A lucidez rasga, sangra, quase, por vezes, mata.
No entanto, seja talvez, a escolha mais libertadora de uma vida.
Reveladora do bem, do mal, portanto, justa.
Permissiva ao alcance dos equívocos reincidentes e indolentes de nós, portanto, artesã de rumos e de condutas.
Transcende o pobre e o raso do ver, portanto esclarece e amplia.
Concilia um querer ir com um poder chegar, portanto, baliza os sonhos.
Seja qual for seu jeito, seja qual for seu tempo de chegar e se impor...
Estejas sempre alta e plácida em mim. Confunda se comigo até, minha tão cara e já visceral lucidez . Sigas fiel e cúmplice a desmistificar em mim as ilusões de querer, de ser, de ver e de sentir que a vida preemente e prudente não mais me autoriza ter. Só não extremize-se a ponto de tirar- me as crenças. Sem estas, sou retina perdida do olhar.
( Lu Menezes )
Vinda do mundo de lá. Pousada no seu mais íntimo de cá. Num entra e sai cigano que nunca parte sem um verbo de estranheza ou de encontro deixar... Assim, ela e a escrita começam uma viagem não finda de amar.
Estreitando pendências com a vida...
O tempo que nos instala nisso faz surgir no seguinte, outros grávidos e hídricos tempos. Os vácuos vida a fora são sólidos, são ácidos, são sãos. Os enfrentamentos trazidos vida a dentro, são intérminos, são curvos de rumo, são ensaiantes prenhes de outras muitas -nós-. Outras sempre inacabadas -nós-.
Que cada querer mais querido seja a próxima página lida, o próximo roteiro de um feliz e largo vivido.
Na escolha, no intenso, na ousadia, nas entranhas, na poesia, na perdição, na calmaria...
De todo modo, que nos ACONTEÇA VIVER!
Alertas da certeza e da gentileza de que somos nós a melodia, a gravidez do ato, somos nós a potência, a autoria da existência, a boniteza sentida, o tamanho e a largueza do passo ...
Somos nós, irremediavelmente, a LIBERDADE E A CORRENTEZA da vida!
O poema que ainda não fiz é perto, é longe, é dentro, é fora. É aquilo de oiro do sol, aquilo de sonâmbulo luar. É pertencimento de regaço a conflitar suas águias de alados. O poema que ainda não fiz esbarra em sombras para rasgar fulgências. É ilha e deserto a dizer desse jeito assim visceral e fatal sobre aprender e sentir VIVER.
Na pretensão de fazer-se verbo, o poema que ainda não fiz, convulsiona verdades doutros para fazê -las, por fim e por começo, minhas. Quiçá, possa eu tê-las, quiçá assim possa eu, sê- las. O poema que ainda não fiz, desarruma certezas, desajeita quietudes, desassossega silêncios, realinha olhares. Maldição consentida que conversa comigo num diálogo estranho, descalço, portanto, íntimo. Desses estranhos que salgueiam, que braseiam, ternuram, adoçam os tudos e os nada em nós. O único acontecer capaz de fazer conhecida, fazer liberta uma mesma alma para muitas vidas. O poema que ainda não fiz, é tecitura das vontades e dos quereres pagãos. É confluir sagrado e profano no inalienável e incorruptível dever SER. Vê como monge em clausura o já tido, sente como entranha cigana o ainda não sido. A licença é para partir. Partir sob ânsia selvagem, alheia ao morno, alheia ao raso, alheia ao atalho, alheia à metades. O poema que ainda não fiz rabisca versões outras de mim, a mãos leves ou carrascas que sejam, sem interrogar porquês, sem censurar soturnos, sem pretender conclusões, sem avultar finitudes. O poema que ainda não fiz, arrasta madrugadas para amanhecer encontros a baloiçar inícios. E quão híbrido de sentires é esse encontro. O poema que ainda não fiz, gargalha gostoso pedaços sonetos da vida. Descansa no papel todos os êxtases de sentir. O poema que ainda não fiz, confia ao mar um girassol de tarde outonal forjado entre sede e fonte como lenda e feitiço de amar a pretender fazer daquele mar, habitar querente de seus tão íntimos e imortais badulaques de amor. No poema que ainda não fiz, existo e subsisto num alto e largo apelo por SER. Tudo o que fascina e por algum descuido acumina, habita teus verbos. Por crença, por rendição por confessa paixão, dou- te em poesia telúrica, vida. Vida já desde o útero, prometida ao divino e inexorável impudor do INTENSO.
O amor...
acho ser esse sentimento que dá grandezas às coisas simples. Que dá beleza aos gestos tímidos, que dá sentidos e claridades aos vagos e pálidos viveres de aí, de aqui...
É isso de sabor da gentileza tocada, da simplicidade beijada, da frivolidade a dois, já tão lindamente, consagrada.
Isso da confluência de querer, da transcendência de pensar, um ser e estar, já tão, intimamente, clareadas.
É namoro de mar e luar. É abraço sem espaços. É encontro, por vezes, sem presenças, é enlace, por sempre, sem tangências.
Amor é valor...
quando lembrança da leveza, quando constância da entrega, quando celebração da espera, quando reverência à chegança do TEMPO em ânsia e sem exitância .
Como não dizer ainda... herança de uma noite, a consagrar de todos os brilhos e delírios, um dia.
Como não dizer, sobretudo, de um SENTIR, emblemadado em canção, versado em paixão, eternizado no irrepetível e raro da emoção.
Sabemos ser amor...
na crescência dos desejos, na sintonia dos sonhos, na completude da entrega, na afinidade única e íntima de um DIÁLOGO. Esse que amadurece, que eleva, que amplia , acolhe e aquece tudo.
Talvez amar seja mesmo isso...
Um encontro entre almas, que se acharam corpos, para renascerem, vidas. Talvez seja mesmo, toda essa intensidade, toda essa amplitude, toda essa profundidade que, pela emoção, vai tecendo e enternecendo um denso e imenso existir.
Esse raro e indecifrável encontro, que acontece pelas esquinas do "acaso" para ser, em duas existências, uma mesma ETERNIDADE.