Lucian Rodrigues Cardoso

151 - 175 do total de 184 pensamentos de Lucian Rodrigues Cardoso

⁠Descrença

Materialista e ateu que sou,
não acredito que encontrei
[minha alma gêmea.
Foi ela quem me achou.

Inserida por lucian1989

⁠Insônia

Noite sem escrever,
penso em poema
na forma de você.

Inserida por lucian1989

⁠SOS

- amor ao mar!
descarto os remos
e me deixo afogar.

Inserida por lucian1989

⁠Maturidade

Sentado numa cadeira de balanço, daquelas de madeira em que se escuta o ruída de coisa velha a cada chacoalhada, passava as tardes quase sempre frias e secas daquele inverno de Moscou.
O movimento do corpo, outrora em zigue-zague portando um discurso eloquente e apaixonado na sala 18 da Faculdade de Letras e FIlosofia, passou a ser as carícias na barba e rotineiras idas a cozinha sacar um café na máquina de fazer expresso, ganho de seus alunos no quando de sua aposentadoria.
A propósito de seus alunos, que antes o assistiam com tamanho entusiasmo e devoção, tinha a companhia de uma criança naquelas tardes aparentemente pacíficas. Era como se, no fim da vida, oferecesse a alguém sua experiência, mas ganhando, em contrapartida, o ânimo e potência de vida que o café já não lhe dava mais. A criança gritava, pulava, mordia, beliscava, o fazia rir como naqueles velhos tempos que lhe eram permitidas as estripolias.
As tarde frias e pacíficas, assim como a demência nunca o habitara. Não se sabe se era o velho que voltara a criança, ou se falava a criança que habitava o velho.

Inserida por lucian1989

⁠ego

cheio de si
completo com o vazio
ocupado por você.

Inserida por lucian1989

Minha bicicleta presa à dela
algo que liberta:
nosso amor anda por aí.

Inserida por lucian1989

⁠Iconoclastia

Meu último pedaço de eternidade
se esvaiu nesta fumaça.
Hoje falo do cigarro
que me enche os pulmões e se apaga.
Sinto-me agora
poeta das coisas mortais.

Inserida por lucian1989

⁠Minhas paredes

Sou um frequentador assíduo de janelas e varandas.
O que se prende a mim, não cabe em minhas paredes.

Inserida por lucian1989

⁠platônico

quando a lia
sussurrou na hora h:
me faça poesia.

Inserida por lucian1989

⁠dicionário

verbete masculino
palavra feminina
sequer feminismo

Inserida por lucian1989

⁠marcenaria

trabalho:
prisão,
necessário
bom poeta
sai
do armário.

Inserida por lucian1989

⁠Fidelidade

Ivan mora sozinho, em um apartamento de apenas um quarto-cozinha-banheiro. Logo quando se abre a porta, salta aos olhos a cama-sofá, quase sempre com lençol dobrado ou arrastando ao chão. O travesseiro, sem fronha, tendo apenas quando sua mãe lhe faz visitas para ir a uma consulta no hospital metropolitano. Na cozinha, um pequeno quadrado demarcado por um muro à meia altura, há apenas uma prateleira em madeira não tratada, porque com felpos ouriçados, segurando o essencial: litro de óleo pela metade, vasilha amarelada de sal e um pacote de macarrão com um pregador de roupas. O banheiro era quase uma extensão do quarto. Apenas a porta sanfonada, com o trinco arrancado, separava a cama do vaso. Ivan acostumou-se com o cheiro de casa vazia sempre que abria a porta de casa e podia até mesmo não senti-lo quando não estava afim de abrir a única janela de sua kitnet. Ivan não sentia falta do que acontecia janela a fora de seu mundo. Certo dia, Ivan conheceu Sara. Foi quando Sara, envergonhada, tentava sem sucesso consertar a corrente de sua bicicleta que havia saído da coroa. Ivan, até então, não sabia a importância daquela corrente encaixada elo a elo na coroa pontiaguda. Enquanto consertava a bicicleta de Sara, Ivan pode mirar suas pernas morenas cobertas por pelos enlourecidos. Sara, até então, não entendia muito bem o porquê da corrente ter a colaração escura, destoando do tom azul claro de sua bicicleta, até o momento em que suas coxas se sujaram de graxa. Ivan e Sara ficaram meses a fio passeando de bicicleta cotidianamente. Ivan percebeu que já não sobrava macarrão, que o óleo já não estava por acabar, e sim acabado, e suas janelas não se observavam mais fechadas. O rapaz já não suportava mais o cheiro de casa vazia quando pedalava. A partir de então, Ivan especializou-se em consertar correntes alheias a de Sara. Na verdade, atormentava a Ivan não a ideia de pedalar com a casa vazia, mas sim que a corrente de Sara pudesse novamente soltar da coroa de sua bicicleta. Sara nunca foi tão amada, quanto Ivan a ama.

Inserida por lucian1989

poema de assalto,
se furta do asfalto
com os pés ao alto.

Inserida por lucian1989

⁠Inadimplência

Devo,
não nego.
Custa-me caro sonhar.

Inserida por lucian1989

⁠deboche

queria ter a serenidade do meu pai
que explode por dentro.

Inserida por lucian1989

⁠etiqueta

me interesso
pelo que as pessoas se vestem
quando nuas.

Inserida por lucian1989

⁠positivismo

certo aluno
disse que só conseguia enxergar o mar
pela janela da sala de aula despida de grades.
“- como é bonito o mundo
quando se tem o olho nu!”

Inserida por lucian1989

⁠memória

ela foi embora,
ficando somente o cigarro pra trás.
- fazei isto em memória de mim.
não há esquecimento:
é preciso aprender
a tragar o que ficou.

Inserida por lucian1989

⁠fuga

o tiro que fugiu da arma
não deteve o pássaro
que a gaiola afugentou.

Inserida por lucian1989

⁠ressocialização

a estrada que levava ao presídio eram curvas,
cortada por uma reta, talhada pelos homens.
a reta ensinava
que o melhor a se fazer
era cortar caminhos
tortuosos.

Inserida por lucian1989

⁠paradoxo

o cachorro quebra regras que lhes são alheias,
passeia,
gozando de sua liberdade dentro de uma prisão.

proibiram-no de estar ali. aprisionar é um paradoxo genuinamente humano pra libertar.

Inserida por lucian1989

As grades prenderam
o olhar que voava
escrito na janela:
“liberdade volta pra nóis”

Inserida por lucian1989

⁠Apenas um mar separa dois lados:
o dos que o veem como saída
e o dos que o veem como obstáculo.
Mas os dois se encontram
na vontade de liberdade
que um pescador revela navegando.

Inserida por lucian1989

⁠aperto de mãos
facas que caem
ao chão.

Inserida por lucian1989

⁠Cárcere da gente

Pela primeira vez no presídio
consegui olhar pras coisas
não como elas se apresentam,
mas como elas ficam
quando presas em mim.

Poesia é o que o cárcere da gente não conteve.

Inserida por lucian1989