Lucian Rodrigues Cardoso
Angélica do Sul*
Jacobina Mentz Maurer
Que diante desses maltrapilhos
Só queria proporcionar um brilho
E uma unção sem lhes cobrar.
Jacobina Mentz Maurer
Que afamam ser um tormento
Só queria plantar o sustento
A quem viveu a espreitar.
Jacobina Mentz Maurer
Que se via ou não mesmo o anjo
Só queria usar o arcanjo
E deixar seu povo sonhar.
Jacobina Mentz Maurer
Que naquilo que é deveras divino
Ousou mandar em seu destino
E que dele não fez sem lutar.
*Paródia da música “Angélica” de Chico Buarque de Hollanda
Mudei a história do samba
Planejava aqui
exaltar o que era então minha glória
e não devo iludir
do samba mudei a trajetória.
Na primeira vez que vi
me apaixonei sem escapatória
n’outras rodas eu vim
a paixão foi intensa e notória.
Mas um dia ela diz
desta forma seca e simplória:
- Não verás eu sorrir
no Mar e Terra ou quiçá em Vitória.
- Nosso amor pra mim
no samba já é uma memória.
E dito assim
restou-me mudar a história.
Então descobri
que se alguém quer mudar a história
só se for assim
porque o samba é respeito à memória.
Flor da idade
Se uma flor desabrochou
e isto foi n’outro verão
não importa
o sol é o mesmo
[em qualquer uma estação.
Primeira Caixa
Sentado num sofá,
teu sorriso fez-me dançar
numa valsa dançante
e me pus a acompanhar.
Fixei-me em seu moldado olhar,
que dum jeito querendo fugir
- fugir da realidade
levava-me contigo
de toda essa maldade.
Quiçá que todas
fossem Caixas assim
e sonhar poderíamos
enfim.
Quiçá que não fosse
aqui um banco
e tu, deusa
eu, santo.
Pena,
tenho que pagar esta conta,
não sou mais um menino.
Quero amar deuses
e com deuses não pode
se há juros vencido.
Aula com Lilian
Olhar de perdição.
É no teu corpo que eu me acho.
Nos teus cabelos eu me perco
e por teus brincos é que sou salvo.
O ouro descoberto em teus fios
nem mesmo pode
com o brilho dos teus olhos.
Foss’eu preencher este vazio
seria eterno esta viagem,
nesta aula em que te exploro.
És tão em mim presente
que no sonho parece ser verdade
e na verdade - que nem mesmo sonho- pura ilusão.
Pobre desse amor inventado,
pobre é o inventor coração.
Sei contar todos seus passos
quando te projetam a flutuar,
caminhando num florido espaço.
Via crucis da sala, sombrio lugar.
Percebi, já bem de longe,
teu pescoço como pedra à beira-mar
superficie segura
plataforma de bela forma,
bela forma do teu oceano,
oceano do mar de amar.
É como areia de uma praia
a base dessa escultura.
Tu és, oh moderna obra-prima
a arte que em mim perdura.
Só que,
por não mais te vê,
perdi a inspiração.
Perdendo a inspiradora,
perdi a poesia.
E ao perder a poesia
o ponto é solidão.
Vida a arte
A arte evita a vida
se a vida inibe a arte,
mas se a vida invita a arte
a arte exibe a vida.
Metodologia do impossível
O poeta
e seu normal estranhamento
tem poucos amigos,
mas um dia dirão,
por um método,
que fora compreendido.
Convencimento
O poeta
nem sempre diz
o que está a escrever,
mas o que sempre quis
poder dizer.
O poeta
pode não sentir
o que revelam os versos,
mas dizes aquilo
a moldar seu devir.
O poeta
por isso
não deve espantar,
se ao dizer ódio
está a amar.
Porque o poeta
mais que fingir
usa o poema
como um eterno
convencer a si.
Aos amantes bregas
Quem não sabe
se é romântico ou é brega
pro deboche
é sinal que ainda confunde
Roberto Carlos com Reginaldo
Rossi.
Custo social
O edifício Contemporâneo
em Vitória capital
inovou com sua fachada:
responsabilidade social!
Quanto custou aquela obra
refletido no vitral.
Liberum Media
Se um dia lhe ocorrer
d’um jornalista ouvir gritar
- Liberdade de Expressão! ,
não leve fé no bendizer
se ele está a incendiar
às janelas da redação.
Ode ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Arco Íris
Deixei turbilhar essas cores mil
então eu vi o arco-íris que surgiu
Foi por sonhar um mundo menos vil
que a “Simpatia” na avenida ressurgiu
E se hoje a campeã sai do Ibes pro Brasil
é que o verde-amarelo faz parte das cores
[ que a Arco-Íris hoje uniu.
Suicídio vivo
Um dia – viverei da fantasia
e ainda mato
o homem de fato (ou de infarto)
de imortal poesia.
Custa caro sonhar
Todas as pessoas
idealizadoras que conheci
eram pobres
ou fracassadas ou bêbadas ou loucas
geralmente,
pobresfracassadasbêbadasloucas.
E eu, sem antes entender, já as compreendia.
A não ser meu tio
que ganhou dinheiro
e, apesar de ser ainda bêbado,
deixara de sonhar.
Amor não tem distância
Não existe amor à distância.
A distância está entre pessoas, coisas,
sentimentos não.
Portanto, há pessoas distantes que se amam.
Portanto, o amor é sempre o mesmo, inalterado frente ao espaço,
posto que à pessoas, à coisas, se medem distância
ao sentimento não.
Sentimento implica sempre presença,
e não distância, e nunca ausência.
Prometo até a morte
Prometo, como poeta, não prometer livros
como não se promete o que e o quanto pensar
(desconfio ser um deus
os que aceitam encomendas de consciência livre,
de certo, eles sabem:
o que virá, o que pensará, o que escreverá
e por quanto ainda estará vivo).
Como poeta, vagamente, prometo viver
e viver, leia-se, escrever
posto que viver e não escrever,
pro poeta, leia-se, morrer.
Virose
O poema é o vírus
de recolher o espírito,
porque é o prazer de soltá-lo
como escrever um espirro.
Poema explicativo
Como poeta não me cabe
dizer o que é o poema
mais do que já nele fale.
O poema não pretende
nele mesmo esgotar-lhe,
porque s’eu digo
num poema, igualdade
e o leitor é de direita
o lerá legalidade:
de súbito se percebe
que há mais que a minha verdade.
Imita a vida – o poema
como possibilidade.
Calar-se
Há momentos,
perdoe,
em que o poeta
quer calar-se.
Fingir escutar; viajar ao longe;
deixar o bar; recolher-se ao quarto.
Mas calar-se,
advirto-vos,
não como um nada a dizer:
silenciar-se.
Calar-se
como um parir-se
à dentro.
Calar-se
como um gestar-se
à fora.
Calar-se
como um grito
no parto.
Porque o poeta,
quando cala,
escuta o apelo, pari
o grito contido silenciado da alma.
Remédio
Não tomarei
qualquer desses calmantes
que entorpecem os ouvidos,
que me deixam inquestionável
qual fosse o mundo já moldado
e seu sentido decidido.
Não viverei
como quem navega
rio sem curvas,
como quem voa
num céu sem nuvens,
como quem nega
as próprias rugas.
Prefiro o talvez
ao sempre e ao nunca.
Veja bem,
sequer me exigirei
ser zen pela saúde
sabendo que a inquietude
fez o artista em um temporal
esculpir o corpo de Buda.
Porque não me apartarei
da sinceridade que exige a vida
mesmo que a fantasia inexistida
seja a realidade porque sentida.
Não que eu viva
às vísceras a toda hora
mas prefiro a inquietude
mesmo no ar condicionado
à imaginar o calor
[que deveras faz lá fora.
O remédio da vida:
o calor que nos aflora.
Poema do ansioso (c)
O poema que escrevo
é sempre o próximo
que tributo à este.
Sinto o que é próximo
e nunca este.
O poema que escrevo
é sempre o próximo
e na fôrma este.
Pois que será o próximo
senão este?
Poema inacabado
Nunca conseguirei
fazer desses poemas
que se dedicam a uma irmã.
Toda vez que começo, na minha mente
é brincadeira de lutinha
ou a briga é de empurrão.
Pois que algo se sustenta
no espaço-tempo
entre o beijo e o safanão?
(Se não este, o amor,
que há entre os irmãos)
Presença ou Programa
Minhas amigas,
meus amigos,
deixem em casa o celular
se quiserem ter comigo.
Se não têm presença a dar,
finjam ter um compromisso
ou então se for tocar
diga o preço que é preciso
pois que não saio sem pagar
à quem só pode ofertar
nada além de um corpo físico.