Lucian Rodrigues Cardoso

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Angélica do Sul*

Jacobina Mentz Maurer
Que diante desses maltrapilhos
Só queria proporcionar um brilho
E uma unção sem lhes cobrar.
Jacobina Mentz Maurer
Que afamam ser um tormento
Só queria plantar o sustento
A quem viveu a espreitar.
Jacobina Mentz Maurer
Que se via ou não mesmo o anjo
Só queria usar o arcanjo
E deixar seu povo sonhar.
Jacobina Mentz Maurer
Que naquilo que é deveras divino
Ousou mandar em seu destino
E que dele não fez sem lutar.

*Paródia da música “Angélica” de Chico Buarque de Hollanda

Inserida por lucian1989

Mudei a história do samba

Planejava aqui
exaltar o que era então minha glória
e não devo iludir
do samba mudei a trajetória.

Na primeira vez que vi
me apaixonei sem escapatória
n’outras rodas eu vim
a paixão foi intensa e notória.

Mas um dia ela diz
desta forma seca e simplória:
- Não verás eu sorrir
no Mar e Terra ou quiçá em Vitória.

- Nosso amor pra mim
no samba já é uma memória.
E dito assim
restou-me mudar a história.

Então descobri
que se alguém quer mudar a história
só se for assim
porque o samba é respeito à memória.

Inserida por lucian1989

Flor da idade

Se uma flor desabrochou
e isto foi n’outro verão
não importa
o sol é o mesmo
[em qualquer uma estação.

Inserida por lucian1989

Primeira Caixa

Sentado num sofá,
teu sorriso fez-me dançar
numa valsa dançante
e me pus a acompanhar.

Fixei-me em seu moldado olhar,

que dum jeito querendo fugir
- fugir da realidade
levava-me contigo
de toda essa maldade.

Quiçá que todas
fossem Caixas assim
e sonhar poderíamos
enfim.
Quiçá que não fosse
aqui um banco
e tu, deusa
eu, santo.

Pena,
tenho que pagar esta conta,
não sou mais um menino.
Quero amar deuses
e com deuses não pode
se há juros vencido.

Inserida por lucian1989

Aula com Lilian

Olhar de perdição.
É no teu corpo que eu me acho.
Nos teus cabelos eu me perco
e por teus brincos é que sou salvo.

O ouro descoberto em teus fios
nem mesmo pode
com o brilho dos teus olhos.
Foss’eu preencher este vazio
seria eterno esta viagem,
nesta aula em que te exploro.

És tão em mim presente
que no sonho parece ser verdade
e na verdade - que nem mesmo sonho- pura ilusão.
Pobre desse amor inventado,
pobre é o inventor coração.

Sei contar todos seus passos
quando te projetam a flutuar,
caminhando num florido espaço.
Via crucis da sala, sombrio lugar.

Percebi, já bem de longe,
teu pescoço como pedra à beira-mar
superficie segura
plataforma de bela forma,
bela forma do teu oceano,
oceano do mar de amar.

É como areia de uma praia
a base dessa escultura.

Tu és, oh moderna obra-prima
a arte que em mim perdura.

Só que,
por não mais te vê,
perdi a inspiração.
Perdendo a inspiradora,
perdi a poesia.
E ao perder a poesia
o ponto é solidão.

Inserida por lucian1989

Vida a arte

A arte evita a vida
se a vida inibe a arte,
mas se a vida invita a arte
a arte exibe a vida.

Inserida por lucian1989

Das idealizações I

Não quebre seu ídolo
sem a outro trocar,
um altar se vazio
que esperanças dará?

Inserida por lucian1989

Das idealizações II

Quebrando seu ídolo
outro ocupa o lugar,
porque mesmo vazio
ainda há altar.

Inserida por lucian1989

Metodologia do impossível

O poeta
e seu normal estranhamento
tem poucos amigos,
mas um dia dirão,
por um método,
que fora compreendido.

Inserida por lucian1989

Convencimento

O poeta
nem sempre diz
o que está a escrever,
mas o que sempre quis
poder dizer.

O poeta
pode não sentir
o que revelam os versos,
mas dizes aquilo
a moldar seu devir.

O poeta
por isso
não deve espantar,
se ao dizer ódio
está a amar.

Porque o poeta
mais que fingir
usa o poema
como um eterno
convencer a si.

Inserida por lucian1989

Aos amantes bregas

Quem não sabe
se é romântico ou é brega
pro deboche
é sinal que ainda confunde
Roberto Carlos com Reginaldo
Rossi.

Inserida por lucian1989

Custo social

O edifício Contemporâneo
em Vitória capital
inovou com sua fachada:
responsabilidade social!
Quanto custou aquela obra
refletido no vitral.

Inserida por lucian1989

Liberum Media

Se um dia lhe ocorrer
d’um jornalista ouvir gritar
- Liberdade de Expressão! ,
não leve fé no bendizer
se ele está a incendiar
às janelas da redação.

Inserida por lucian1989

Ode ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Arco Íris

Deixei turbilhar essas cores mil
então eu vi o arco-íris que surgiu
Foi por sonhar um mundo menos vil
que a “Simpatia” na avenida ressurgiu
E se hoje a campeã sai do Ibes pro Brasil
é que o verde-amarelo faz parte das cores
[ que a Arco-Íris hoje uniu.

Inserida por lucian1989

Suicídio vivo

Um dia – viverei da fantasia
e ainda mato
o homem de fato (ou de infarto)
de imortal poesia.

Inserida por lucian1989

Custa caro sonhar

Todas as pessoas
idealizadoras que conheci
eram pobres
ou fracassadas ou bêbadas ou loucas
geralmente,
pobresfracassadasbêbadasloucas.

E eu, sem antes entender, já as compreendia.

A não ser meu tio
que ganhou dinheiro
e, apesar de ser ainda bêbado,
deixara de sonhar.

Inserida por lucian1989

Amor não tem distância

Não existe amor à distância.
A distância está entre pessoas, coisas,
sentimentos não.
Portanto, há pessoas distantes que se amam.
Portanto, o amor é sempre o mesmo, inalterado frente ao espaço,
posto que à pessoas, à coisas, se medem distância
ao sentimento não.
Sentimento implica sempre presença,
e não distância, e nunca ausência.

Prometo até a morte

Prometo, como poeta, não prometer livros
como não se promete o que e o quanto pensar
(desconfio ser um deus
os que aceitam encomendas de consciência livre,
de certo, eles sabem:
o que virá, o que pensará, o que escreverá
e por quanto ainda estará vivo).

Como poeta, vagamente, prometo viver
e viver, leia-se, escrever
posto que viver e não escrever,
pro poeta, leia-se, morrer.

Inserida por lucian1989

Virose

O poema é o vírus
de recolher o espírito,
porque é o prazer de soltá-lo
como escrever um espirro.

Inserida por lucian1989

Poema explicativo

Como poeta não me cabe
dizer o que é o poema
mais do que já nele fale.
O poema não pretende
nele mesmo esgotar-lhe,
porque s’eu digo
num poema, igualdade
e o leitor é de direita
o lerá legalidade:
de súbito se percebe
que há mais que a minha verdade.

Imita a vida – o poema
como possibilidade.

Inserida por lucian1989

Calar-se

Há momentos,
perdoe,
em que o poeta
quer calar-se.

Fingir escutar; viajar ao longe;
deixar o bar; recolher-se ao quarto.

Mas calar-se,
advirto-vos,
não como um nada a dizer:
silenciar-se.

Calar-se
como um parir-se
à dentro.
Calar-se
como um gestar-se
à fora.
Calar-se
como um grito
no parto.

Porque o poeta,
quando cala,
escuta o apelo, pari
o grito contido silenciado da alma.

Inserida por lucian1989

Remédio

Não tomarei
qualquer desses calmantes
que entorpecem os ouvidos,
que me deixam inquestionável
qual fosse o mundo já moldado
e seu sentido decidido.

Não viverei
como quem navega
rio sem curvas,
como quem voa
num céu sem nuvens,
como quem nega
as próprias rugas.

Prefiro o talvez
ao sempre e ao nunca.

Veja bem,

sequer me exigirei
ser zen pela saúde
sabendo que a inquietude
fez o artista em um temporal
esculpir o corpo de Buda.

Porque não me apartarei
da sinceridade que exige a vida
mesmo que a fantasia inexistida
seja a realidade porque sentida.

Não que eu viva
às vísceras a toda hora
mas prefiro a inquietude
mesmo no ar condicionado
à imaginar o calor
[que deveras faz lá fora.

O remédio da vida:
o calor que nos aflora.

Inserida por lucian1989

Poema do ansioso (c)

O poema que escrevo
é sempre o próximo
que tributo à este.
Sinto o que é próximo
e nunca este.

O poema que escrevo
é sempre o próximo
e na fôrma este.
Pois que será o próximo
senão este?

Inserida por lucian1989

Poema inacabado

Nunca conseguirei
fazer desses poemas
que se dedicam a uma irmã.

Toda vez que começo, na minha mente
é brincadeira de lutinha
ou a briga é de empurrão.

Pois que algo se sustenta
no espaço-tempo
entre o beijo e o safanão?

(Se não este, o amor,
que há entre os irmãos)

Inserida por lucian1989

Presença ou Programa

Minhas amigas,
meus amigos,

deixem em casa o celular
se quiserem ter comigo.

Se não têm presença a dar,
finjam ter um compromisso

ou então se for tocar
diga o preço que é preciso

pois que não saio sem pagar
à quem só pode ofertar
nada além de um corpo físico.

Inserida por lucian1989