Lucian Rodrigues Cardoso
Minha Coisa
Qualquer coisa que desiste
qualquer coisa que existe
qualquer coisa que insiste.
Qualquer amor em coisa,
qualquer sabor de coisa.
Coisa de sabor qualquer
coisa em amor mister.
Coisa qualquer,
sabor, amor
porque mister.
Coisa,
seja minha mulher?
Caçador de Ti
Procuro numa parecida
que já é comprometida.
Vejo que não tem seu dote
''Ufa! Que sorte!''
Procuro daqui, procuro sem fim
corro depressa vou caçando
coitado de mim.
Loiras bem-vindas,
de longe quem sabe,
não sendo você,
como são lindas?
Assim como outras que usei,
você, eu não achei.
Concluo, já de ante-mão,
que tu não passa de breve
de uma breve inspiração.
Negro Corredor
Thiago,
um grande-bom gago,
correndo
da fome,
correndo
como homem.
Em pedregulhos
de vidros,
em sonhos sonhados,
ou sonhos
vividos.
Na casa simples,
de caráter acolhedor,
nas pernas finas
- marcas de um corredor.
Corre menino.
Corre anjo-negro.
Corre destino.
Corre sem medo.
Thiago:
correndo
de rimar,
da rima
com diabo.
Loura à Recantar
Vontade de ir,
vontade de rir.
Não posso!
Fico sério.
fico velho.
Cê balança o cabelo,
eu as pernas.
eu pareço breve,
Cê eterna.
Passa um caminhão em nossa frente
(intervalo de saudade),
quando ele acabou de passar,
sensação de eternidade.
São uma e quatorze.
Nós em horário de almoço.
e não pára de trabalhar,
o coração deste moço.
Terceira ou Nova Idade
As pernas mudas
já não respondem.
Os olhos caídos
as coisas escondem.
A boca amarga
que os dentes somem.
O cabelo ralo
não só em homem.
''Temi o momento
de ficar passado,
de ser avô
e de velho chamado.
Pensei no futuro
sobrevivo o presente
e mais que nunca aspiro o passado,
mas não me arrependo
de ter-me usado.
Hoje, jogado ao chão
qual cachorro leproso
qual miserável e turrão.
Já brinquei
perguntei
solucei
namorei
casei
duvidei
não fiquei
e hoje sei
que nem tudo
sei.
Entretanto,
perantei o governo,
a sociedade
a lei,
eu jazei.''
Mulher do Jurerê
Nunca perca este sotaque,
minha catarinense
Nunca perca este destaque,
minha divina trance.
Jamais perca este frio das tuas mãos,
para que eu possa esquentar
esquentar teu ganha-pão.
Jamais perca o balançar dos teus voadores cabelos,
para que eu possa
verão à verão, pelo ares vê-lo.
E, se posso, lhe faço mais um apelo:
nunca e jamais leia estes versos
de forma que, se não me queres,
não venhas a fazer inverso.
Bairro de Vó
Ah, Santa Inez!
onde não sabia
o que era hora, dia
ou mês.
Onde os primeiros ensaios de amores
mudavam de semana em semana
e por não ser correspondido
não sofria tanto, que dirá horrores.
Agora as pinturas da Copa borrocaram.
Os caracóis,linhas da queimada e do cruzamento,
de pó preto bruto abarrotaram.
Ah, Santa nostalgia!
Essa música do Roberto
- eu voltei, agora pra ficar... -
dá uma saudade do ser pequeno,
da praça, da Pestalozzi, da delegacia
e do inconsciente ingênuo...
Ah, Doces e amargas lembranças de Santa Inez!
Não precisa ficar,
rua da vó
asfalto imendado
amigos miúdos
furingo de três.
Eu volto até você
pra que em mim você fique
e volte toda vez.
Minh'alma
Se soubessem os amores
que tenho alma de poeta
talvez eternizassem todos pra mim.
Se soubessem as meninas
que tenho alma de poeta
talvez olhariam todas pra mim.
Se soubessem os pássaros
que tenho alma de poeta
talvez cantariam todos pra mim.
Se soubessem as flores
que tenho alma de poeta
talvez se abririam todas pra mim.
Se soubessem as ondas
que tenho alma de poeta
talvez espumariam todas pra mim.
Se soubessem as luzes
que tenho alma de poeta
talvez acenderiam todas pra mim.
Se soubessem as bocas
que tenho alma de poeta
talvez sorririam todas pra mim.
E se soubessem todos
que tenho alma
talvez saberiam
que há um poeta em mim.
Guerra das Estrelas ou À procura de estrelas
Que estrela é essa
que brilha de duas cores
que não pára na conversa
e que pros amantes não tem sabores?
Que estrela é essa
inventada pelos admiradores
que é de prata e vai depressa
e que é capaz de fazer horrores?
Dum lamento, um som:
Cadê
Velhestrela de uma só cor
Velhestrela de um sabor
Velhestrela encantando admirador
Velhestrela que não faz horror?
Não se sabe por onde anda - ou não anda
a luz outrora brilhante
em cima do meu portão
a luz que foi barrada
pela própria luz,
própria luz de nossa mão.
Ler-te
Se um dia,
chegar a revelar-te tal poema,
lerás:
que a lua é laranja
e a praia é pra dois,
que o queixo tem furo
e os olhos externos redondos,
que os lábios são alças
e as mãos soberbas,
que as pernas são longas
e os dedos famintos,
que os cabelos são náilons
e o cheiro é de rosa,
que o mundo começa com Jota,
de Júlia e juntos.
Nada de novidade!
Mas lerás o que meus olhos já lhe ensinam:
admirar o profundo tal poema
em pessoa.
Bairro Praia das Gaivotas (ou Gaivotas)
É bom acordar-te sobre meus cílios, Gaivotas.
É bom sentir-te nos ventos mais rebeldes, Gaivotas.
É bom ouvir-te na mistura sinfônica de natureza e gente, Gaivotas.
É bom olhar-te no aguardo da espumas da praia, Gaivotas.
É bom, é bom, é bom, é bom , és tu...
Gaivotas, Gaivotas,
por mais quatro vezes
que te descreva
tê-la como minha
é o que importa.
Querida Professora, Ubiracy
Ubiracy, lembra-te sempre
que Minas
é logo ali.
Lembra-me sempre
que filosofar
é isto aqui.
Lembra-te sempre
que tenho
um pedaço de ti.
Lembra-te sempre
que és
um pedaço de mim.
Lembranças, lembranças,
parte boa que lhe alcança .
Querida professora,
mergulhe no teu Titanic
que te leva pra Minas
e nos traz de volta à uma sala,
pra fazer lembrar,
lembrar minhas retinas.
Tua Magia
Se teus olhos me encantarem,
magia permanente,
que dirá meu coração ao teu mago inconsciente?
Dirá que são grandes o bastante
para amedrontar-me,
sucumbir-me,
e simplesmente, enlaçar-me.
Por magia esta,
serei amarrado,
enfeitiçado
e teus olhos em fogueira,
em fogueira brilharão
porque resultantes
à Santa Inquisição.
Hereges,
serão insultados, envergonhados
zombados
e, desde agora,
farão do poeta,
um encantado.
Me Admire
Eu quero uma fã...
Uma que me ache o melhor poeta,
o melhor ator.
Uma que me ache o melhor amigo, namorado
ou o melhor historiador.
Uma que brilhe os olhos
diante dos meus feitos.
Uma que caia de encantos
me achando perfeito.
Uma fã
Uma fã
que não ria deste poema
uma fã
uma fã
pode ser por pena.
De repente, amor e poema
Preocupa-me o fato de não vir um poema.
Daqueles poema concretos - vindo da mente pro papel.
Ouso-me fazer o inverso:
papel para poema ser escrito na mente.
Coço a barba, faço força, olho a hora,
bato caneta no queixo.
Esperançosamente, fico quieto
e me vem uns dizeres ao fundo...
E este é o poema que me veio de repente.
Feito você, meu doce poema,
que me faz sentir o leve peso destes versos
e me veio
de presente.
Medida Provisória
É medida provisória:
“amor” tem que ser escrito com letra maiúscula.
Vira nome próprio.
Há de ajudar aqueles que não o tratam bem.
Não deixará dúvidas
de que tem que ser maiúsculo, em tudo e todo.
Há de alguns descobrirem
que não devem mais usar o “amor”,
nem o “Amor”.
Entretanto,
há de aumentar nosso Amor.
Volta e meia
Difícil, difícil
depois de uma certa idade
não achar que os novos conhecidos
são fictícios.
Cópias fiéis de já conhecidos
velhas historinhas,
mesmas reações
e a sensação d'eu já munido.
Mas, me ocorre despercebido
o novo velho que traz consigo,
a esperança a tilintar.
Me bate a angústia,
me recomponho,
e eu retorno
ao começar.
Bilhete
Sob tua presença
- física ou não –
escrevi alguns poemas,
devo lhe confessar.
Este não,
este não é mais um poema
cuja pretensão é escrever
e não pretender entregar.
Este é um bilhete,
um bilhete objetivo
sem vontade de esconder-se
e sequer querer rimar.
Um bilhete endereçado
sem ruídos e direto
cuja função não é, se não
lhe comunicar:
estás a me encantar.
O poema dos pés descalços
O poeta calçado
só exalta o espírito,
venda a si
e ao seu companheiro
que é explorado
o poeta descalço
sente na pele,
luta e grita
quando ao povo miúdo
só resta o percalço
porque o poeta,
se calça o pé,
fantasia a vida, esquece
que de matéria ela é;
se calça o pé,
jamais sentirá (e denunciará)
o que aflige a “ralé”
já que
calçado
o pé do poeta
não fica no chão;
calçado
o poema só serve
a uma fria erudição;
calçado
lhe faltará boa fé
posto que ao que (e quem) serve o poema
se o poeta
calçado
não o sente pelo pé?
Não tenho pai
Meu pai me disse um dia
e esta coisa não me sai:
“não sei se ajo certo
como amigo de um rapaz
ou devo ser mais sério,
eu nunca tive pai.”
Não vejo a magia:
se todos são “normais”
briga, não brinca, “boa noite” “bom dia”
todos formais;
no tratar de assuntos, grana, carro, mulher
que passa na rua, meu pai
somos dois imorais.
Te digo neste dia:
não aprenderá jamais
se tu não percebeu
não é assim que faz
porque inventaste um novo amor,
vai muito além de pai.
Um doce d’ocê
Se somente à vontade
sempre que estiver
tua voz vai oferecer
o doce de verdade
não sendo um qualquer
e é este som d’ocê,
esteja em liberdade
pra que sempre que quiser
com tua voz, me enflorecer
caso não saiba a verdade
este homem quando quer
faz-te eterna ao lhe ver.
Pois se Minas lhe deixou
essa fala bem mansinha
duma forma ritmada,
o capixaba transformou
tua fala arrastadinha
em palavra que é rimada,
pois se o tempo não tomou
teu jeitinho mineirinha
não perca este por nada
porque o mar cá não levou
esta forma gostosinha
da tua fala encantada.
“Uai
trem
pela carona d’ocê
obrigada!”
O doce d’ocê,
no pote-poema:
estais bem guardada!
Amor platônico
Não se mostre como é
que o desencanto me fulmina,
eu gostava do que eras
quando não essa mulher
porque só minha menina.
Em tua representação
eu via o que queria,
tua voz dizia coisas
que com tamanha precisão
parecia que eu sentia.
Mas ao te conhecer
é que me veio outra magia
pois se tu me encantou
é desta forma que é você.
Não lhe cabias fantasia.
Velocidade: Menos Tempo
Racional Humano,
seguiste a lei da física:
aumentaste a velocidade
e no mesmo espaço
há menos tempo.
Encurtaste
anos, dias, horas:
da vida, paciência,
relação, cultura,
lazer, momento.
Se a velhinha atravessa
buzina-se pra apressar:
aumentaste a velocidade
mas não sobra uns segundos
pra esperar o que julgas lento.
Humano, pra que ser racional
se em tudo que avanças
como querendo algo poupar
resulta numa eterna
forma de endividamento?
Cacique de Guaiviry
Foss’eu levar um adulto,
velho ou criança
me afamaria canibal,
se o homem branco é quem leva
sequer há condição
de julgá-lo cultural.
Foss’eu matar um presidente,
prefeito ou governador
gritariam por “justiça”,
se matam eu mesmo, um cacique
calam-se jornais, políticos:
os índios não rendem notícia.
Foss’eu matar um papa
pastor ou cardeal
enquadrariam os “ateus”,
se matam eu, a xamã
calam-se igrejas, fiéis:
os índios não servem a(pra) Deus.
Foss’eu escrever
neste momento covarde
que o branco me obriga a partir,
diria: sei que a luta
não se faz com o umbigo,
é coletiva e vai prosseguir
pois companheiros de causa,
mesmo que roubem meu corpo,
entendem:
a minha presença, meu grito de luta
desta, sofrida matéria,
transcendem:
“Guaiviry é Terra Indígena,
em frente,
meu povo,
enfrentem!”
Pra Clara
Não liguemos se cá,
entre nós no escuro do bar
a noite vara.
Liguemos se cá no escuro do bar
não estiver entre nós
aquela que é Clara.