Letícia da Silva
Tempos atrás.
Eu não sei ser o protótipo perfeito
Se sensatez, persuasão e efeito.
Deixe-me então a ver navios no espaço
Sem noção ou de razão qualquer traço.
Posso sobreviver sem ternura
Qualquer noção ou desenvoltura
Posso dizer que não preciso de ninguém
Então mentirei, pois isso me convém.
Eu quero gritar para o mundo todos os dias
Mas sobrevivo sem demonstrar as agonias
Na realidade isso todo mundo faz
Deixaram a si mesmos, há tempos atrás.
Minha amiga.
Minha amiga eu te entendo
Também não quero mais viver
Vejo dentro dos teus olhos
O que não se deve ver.
Sinto a tua dor em mim
Deve sentir também a minha
Talvez seja nosso fim
Sem esperanças não se caminha.
Vou segurar a tua mão
Iremos para qualquer lugar
Enxugarei o teu pranto
E serei teu acalanto.
Desapaixonar.
Eu posso ver através de todos os traços
Por isso é tão difícil me acostumar
Com a ideia de que você não quis me amar.
É complicado perceber que me enganei
Quando em ti olhava
Um brilho que só eu causava.
Mas terei que me conformar
Deixar-te-ei viver as tuas lembranças
De esquecer-te tenho esperanças.
A vida é bela, eu sei.
Por esse motivo não mais vou pensar
Já está em tempo de me desapaixonar.
Dê
Dê-me mil rosas roubadas
Mas não vai me conquistar
Eu prefiro girassóis
Eles me farão amar.
Quando quer me agradar
Dê-me chocolate quente
Vou saber recompensar
E tratar-te diferente.
Contei-te os meus segredos
Mais profundos e profanos
Tropecei em uns brinquedos
Perdi-me entre meus planos
São seis horas da manhã, não tenho nada pra te dar,
Talvez uma ressaca breve e o desejar.
Então deita aqui na cama, fica mais de uma semana.
Veja um filme bom, enquanto eu toco violão.
Talvez a gente se ame ou a gente se engane,
Mas não deixe em vão, não sucumba à razão.
Não me vejo em nenhum manequim de loja, não quero usar os sapatos das vitrines; não escondo o meu rosto em maquiagem e não gamo em galãs de minisséries.
Eu gosto de beber enquanto leio, de tocar violão sobre as estrelas e de roer as unhas de nervosismo;
Dançar bêbada em uma festa, de sentir o vento frio chocar-se contra a pele e ver os pelos levemente eriçar.
Gosto de romance e de filmes legendados, de sentir o gosto de tantas bocas quanto eu puder beijar...
Gosto de discutir sobre politica e questões que só a mim vão interessar. Gosto de cada detalhe da natureza e sinto raiva de quem passa sem notar.
Eu gosto de ver a lua e de sozinha conversar; gosto de sorrir pro mundo e ao ser retribuída, flertar...
Eu sou uma alma de tanta intensidade, que só pede ao mundo um pouco de lealdade, pra que deixe a antiguidade de normalidade e venha me prestigiar.
Eu tenho tendência ao suicídio e amo a vida mais do que o amar, mas eu quero demais do mundo e o correto é me acomodar.
Talvez por isso tantas pessoas, venham a pé me questionar, suas asas foram cortadas, elas têm inveja de me ver voar.
Moço
Moço me desculpe se quebrei teu coração
Mas na verdade nunca tive a pretensão
Deixe -me em retratos quebrados
Só me esqueça sem saber pra onde vou
Prometo não deixar vestígios do passado
E nunca saberá quem hoje sou.
Dou-lhe a palavra que jamais virei
Onde quer que esteja eu desviarei
E do teu coração desaparecerei.
Agora moço, me diga sinceramente
É isso o que realmente
Vai querer?
Sentei-me em um banco da praça já vazia. As pessoas em suas casas vivem as emoções de uma trama fictícia, sem cogitar as tramas reais.
Observo atentamente o movimento das nuvens no céu já escuro, a noite caiu e todos estavam ocupados demais para perceber. Só eu consigo ver?
O vento arrepia minha pele descoberta, chego à conclusão de que logo vai chover se não sentisse frio, talvez nem fosse perceber.
Os carros andam apressados de um lado para o outro, me pergunto se essas pessoas sabem para onde exatamente estão indo, ou aquele ato não passa de uma pequena circunstância da rotina e dessa vontade desenfreada de repetir a mesmíssima coisa do contexto social. Como deveria ser, corre tudo normal.
Afago o acento vazio ao meu lado, deveria haver alguém ali?
Aspiro o ar puro pela última vez, antes de cair nas previsões de que faria tudo outra vez. Levanto-me e retorno para a realidade, esperando que ao menos aquele segundo de lealdade, continue por alguns dias em meu coração.
Queria ter a coragem insana que faz os leigos acreditarem em uma felicidade nem tão feliz, porque sim, é preciso coragem para não sorrir.
O bilhete suicida
Deixei um bilhete na cômoda já vazia
Guardei os retratos e toda lembrança
“Não somos eternos” alguém me dizia
Jaziam temores, amores de criança.
Não mato o corpo, mas a alma serena.
Deixei de sentir aquele torpor
Já não sou a mesma de face pequena
Sofri nas correntes e rios de amor.
Deixem-me assim, ao ser esquecida.
Digam a todos que apenas sumi
Não quero bancar a suicida
Foi de me despedir que esqueci.
Queria ser.
Eu queria ser uma borboleta
E enfrentar os ventos sul e norte
Pousar numa flor de cor violeta
E beijar margaridas se tiver sorte.
Eu queria ser um gigante azul
E ter um brilho quente de acessório
De noite desfilar o cruzeiro-do-sul
E ver o rosto límpido ilusório.
Eu queria ser um peixe boi
E nadar nos mares gélidos do ártico
Pensar que o que passa já foi
E sorrir para quem parecer apático.
Afaste-se, do verbo não se apaixone.
Na inquietude de uma noite tórrida
Fico me policiando para não pensar em ti
As conclusões de uma mentira sórdida
Visto assim que até enfim não desmenti.
Eu sei que olhar vai arrancar pedaço
Sinto o tempo que ainda passa
E em cada vestígio de descompasso
Mais o coração devassa.
Eu queria saber onde desligar
O vagar de angústia e sentimentos
Agora não sei se muito servirá
Já és notícia para os pensamentos.
Aconchegar.
Aconchegue-se em uma poltrona macia
Chegue cedo para conversar
Fale tudo o que te denúncia
Se entregue sem pestanejar.
Teus monstros irão de assombrar
Mas com laços cor de rosa
Já vai rir não mais chorar
Talvez chama-los em prosa.
Derrame mil e uma lágrimas
Depois enxugue o rosto
Tome chá com guloseimas
E retorne à seu posto.
Querida agonia.
Hoje acordei por ti sendo sufocada; ansiedade faz-me deveras exaltada.
Quero dizer-te que não sou mais imprudente, quero pensar em comunhão daqui para frente.
Deixe-me então a ver navios no espaço, sendo relapsa e corriqueira.
Quero viver assim de tal maneira,
Que te afronte ao seguir dos passos.
Já és peça de museu ó bela dama, não se agonize até o fim.
Venha beber fim de semana
Mas bem distante de mim.
Com um carinho, agonizante.
Eu me despeço exuberante.
Eu olho para os lados em uma rua de mão-única
Deixo as palavras e um copo vazio
Corro ao vento tentando não parecer atônica
E nem percebo o leve arrepio de frio.
Infiltrando-me no escuro de um beco
Fugindo do quê talvez nunca a de saber
Sentindo o efeito do porre de vinho seco
Pus-me a pensar nas consequências de viver.
Daqui um tempo a minha mente já não vaga
Já não fiz planos nem vontade de fazer
Não estou mais totalmente embriagada
E os tais tormentos começam a aparecer.
Queria ver ao menos de perto a lua
Pedir conselhos e tentar me convencer
Não ouço vozes dos estranhos na rua
Estou sozinha e já percebo amanhecer.
Volto a largos passos para o meu apartamento
No automático sinto medo percorrer
Sei que há tempos se repete o mesmo momento
Mas é de longe o que entendo por viver.
Mas, se você fosse embora, te sentiria através do vento, do tempo, dos raios de sol, em qualquer hemisfério, império ou atmosfera; nunca conseguiria dormir sem pensar: "Quantos sorrisos já fez brotar?"
Afaste-se
Então parei e fiquei te observando de longe. Tudo o que pude pensar era em como teu sorriso é lindo, em como eu queria ser motivo dele todos os dias, todas as horas. Esse pensamento egoísta me fez abrir os olhos e acordar, você não estava ali, você nunca vai estar você já é de alguém, isso meu egoísmo não seria capaz de tirar...
Mesmo sofrendo, entendo, compreendo... Eu não seria capaz de te privar da felicidade, mesmo que isso cause a minha dor.
Meu coração grita: Afaste-se!
E eu tento como eu tento; mas você, você me procura, você se preocupa e tudo que eu penso em fazer é algo ruim pra incitar você a me esquecer.
Procuro outros olhos ao longo da rua, desesperadamente quero encontrar alguém que te ofusque. Porque você já tem alguém e afastar-me é o melhor que eu possa fazer.
Eu entendo
Entendo todos eles
Entendo todos os motivos pra não ficarem
Eu também não ficaria
Eu os entendo, não os culpo, não os julgo.
Não os odeio
Eu os entendo
Eu também não ficaria.
A luz da cidade me impede de ver estrelas
A luz dos teus olhos me impede de ver verdades
Eu vejo tuas mágoas, mas não a cauda delas.
Queria livrar-te das inverdades.
Queria guardar teu sorriso como recordação
Acordar todos os dias com um sinal teu
Queria poder vedar teu coração
E impedir que se aproxime quem te submeteu.
Queria ir longe para te observar
Apenas cuidar da tua felicidade
Talvez eu torne a me afastar
Pra não ser uma luz qualquer da cidade
E ofuscar o teu brilho.
Se não fosse pelo teu cheiro no meu travesseiro, eu conseguiria sentir novas flores.
Se não fosse a tua voz que insiste em ser minha consciência, eu ocuparia minha mente com outros amores.
Se não fosse a lembrança do teu sorriso quando acordo, eu poderia fotografar outras paisagens.
Se não fossem os teus braços meu porto seguro, eu faria outras viagens.
Se não fosse a minha música predileta, eu poderia entrar em devaneios.
Se não fosse você a me fazer te esquecer, eu procuraria outros meios.
A janela
Eu posso ver as luzes da cidade
As almas que vagam penosas por lealdade
A lua que quase passa despercebida
E a rua que dá mil voltas sem saída.
Eu vejo a vida da minha janela
Procura e acha mais do que procura como Anabela
Daquele livro, daquela autora.
Do parapeito da cortina bem feitora.
O chão daqui é tão convidativo
A viagem por um desejo impulsivo
Visto assim que até então controlável
Como a luz latente da janela inviolável.
Tentativa e erro.
Ele é mais um bom samaritano
Aquele cara, daquela banda.
Ele vai me tirar um sorriso espontâneo
Vai deixar a minha dor mais branda.
Sei que ele vai me amar
Poderei com sua mão brincar
Então, porque não?
Talvez tenha espaço no meu coração.
Forçarei o meu melhor sorriso
Talvez o seus braços não sejam o paraíso
Tentativa e erro por felicidade
Talvez a gente supra essa vontade.
Pode ser que eu venha a amar
Porque não tentar?
De repente personifique o tal alguém
Sofrer não mais me convém.
Se eu pudesse ser a única pessoa a te ver no mundo
Ver-te-ia de mil formas
Para que o teu rosto ficasse eternizado de mil maneiras em minhas memórias.
Permiti-me chorar somente para a lua. O céu era banhado por uma chuva de meteoros, seria irônico dizer que estava chorando.
Até o céu chorava.
Medo
Eu tenho medo de sorrir e não ser retribuída
De abraçar e não ser abraçada
De nas lágrimas ser diluída
E no peito ser despedaçada.
Eu tenho medo de dormir e não acordar
De ao abrir os olhos ver escuridão
De não conseguir enxergar
E de entregar meu coração.
Eu tenho medo de morrer na solidão
De não fazer parte da história
De no final ser mais um borrão
De qualquer lembrança na tua memória.
Uma vida
Andou por entre os carros
Correu por entre os pássaros
Caiu rente ao cordão
Partiu um coração.
Subiu a escada do céu
No céu não viu uma harpa
Da noiva ergueu o véu
Pediu-a que nunca parta.
Chorou a partida da esposa
Orou para um gigante
Salvou uma mariposa
Quebrou o retrato da estante.
Perdeu todo o dinheiro
Por não ter manga para o Ás
Deixou de ser passageiro
Fez guerra para ter paz.
Cantou o hino nacional
Elegeu-se rei de uma terra
Pulou mais um carnaval
Indagou que nunca erra.
Errou e foi exilado
De toda e qualquer pequena
Chorou e foi maltratado
De si começou a ter pena.
Liberto passou a odiar
O gigante e seus descendentes
Viveu apenas para espalhar.
A descrença para os crentes.
Morreu e foi enterrado
Numa terra em algum lugar
Da história foi ignorado.