Leninha Alves
Hoje sou toda não sei da onde
Nada me cabe bem
Essa voz desafinada
Esse andar meio torto
Essa tendência a ver graça
Essa criança que me habita
Não sei nem de onde vem
Essa minha cara de gringa
Volta
Ele tagarela
Eu só confirmo ou nego
Ele finge querer saber da minha vida
Só pra evitar o silencio
Eu prefiro assim
Fala do tempo, do jornal
Eu estico os lábios
Ensaio um sorriso
Tenta falar de música
Eu meia-boca
Mais uma ou duas frases de qualquer coisa
Que tédio
Se cala em fim
Ele me acha amarga
Acha que tenho algo contra ele
Começa a se chatear com a vida
Lembrar dos problemas
Pensa em largar a esposa
Vender o carro
Achar outra profissão
Dizer umas verdades pra cunhada
Até que o silencio se acomoda
E ele fica conformado
Deixará a vida como está
E eu fico apenas com a paisagem inconstante
De quem está de taxi
Voltando pra sua cidade
Na enfermaria masculina do hospital geral
Seis homens me olham
Declaro que estão todos de alta
Prontos pra morrer em casa
Na praça
Aquele homem distinto de olhar distante
Lembra meu avô
Que não ouvia
Só sentia
A vibração dos sons ecoantes
Aquele homem distinto
De olhar distante
Ah lua
Sua poetisa maldita
Quem me dera ter metade
Desse teu talento
Em encantar
Com esses versos repetidos
De reflexos de sol