Leminski

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não possa tanta distância
deixar entre nós
este sol
que se põe entre uma onda
e outra onda
no oceano dos lençóis

primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano

o que a gente
sente e não diz
cresce dentro

hoje à noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo

nem fale em amor
que amor é isto

Quem é vivo
Aparece sempre
No momento errado
Pra dizer presente
Onde não foi chamado

Com nada, já dá para começar.

Disfarça, tem gente olhando,
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.

Estupor

esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

Quando nos vênus,
juro a marte.

Amar você é
coisa de minutos…

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

Cuidado com o que não muda. Aqui fiquemos. Aqui acontecem coisas.

você pára
a fim de ver
o que te espera

só uma nuvem
te separa
das estrelas

Paulo Leminski
Caprichos & Relaxos

Rio do Mistério

rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?

Paulo Leminski
Livro Distraídos Venceremos

En la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Muito romântico
Meu ponto pacífico
Fica no atlântico

Nada tão comum
que não possa chama-lo
meu
Nada tão meu
que não possa dizê-lo
nosso
Nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso
Nada tão duro
que não possa dizer
posso

Lápide 2
Epitáfio para a alma

Aqui jaz um artista
mestre em desastres
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
deus tenha pena
dos seus disfarces

Paulo Leminski
Toda Poesia

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

Paulo Leminski
Toda Poesia

Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora quem está por fora
não segura
um olhar que demora de dentro de meu centro
este poema me olha

saber é pouco
como é que a água do mar
entra dentro do coco?

Distraídos, venceremos.

prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão

O tempo
entre o sopro
e o apagar da vela

O que quer dizer
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.