Júlio Raizer

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Tenho nos lábios vivos o gosto do último copo de sorriso. Embriagado pela poesia, apaixonado pelo cinema, empolgado por uma discussão que esses Bestas Heróis de Trapo achariam enfadonha demais.

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Passo minutos em circunstâncias que me custam boas inspirações. Ironizo a sátira para mastigar o descaso e torná-lo inteligível aos inertes que perdem em inteligência até para os botões da minha calça.

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Desprezo a ignorância dos imberbes que se auto-proclamaram senhores do universo. Só se for um universo de diamantes de vidro, de soluços intelectuais e cultura saboreada numa refeição digna de uma hiena. No universo deles eu cago e vomito palavrões. Afogo o último verso do poema nas minhas inquietudes para não correr o risco de ver a poesia e a prosa cometendo suicídio ao passar pelas bocas porcas que nada tem a dizer.

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Bebemos as nossas necessidades como um sedento se satisfaz num Oasis após uma jornada seca, onde até seus ossos estiveram ameaçados de se esfacelar. Minha garganta só grita as frases que ela aprendeu durante sua história. Enquanto os sonolentos dormem, é no meu palco que as apresentações acontecem. O show arranca suspiros, leva multidões a um delírio entorpecente de espasmos e contrações. O rosto se desmancha nocivo num balde de alívio que provoca consternações. Meu amigo está na hora de parar.

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O vicio regenerado posto sob o pedestal da virtude. O cálice abominável guardando um avental púbico exige que a noite ouça mais um desabafo das nossas bexigas, e as plantinhas recebam a chuva urinária daquilo que melhor soubemos preparar. Não podemos lavar as mãos, as torneiras não existem por aqui. Seca-se o rosto na vaga sensação da agonia. Vingar a intempérie do nosso juízo talvez fosse uma boa maneira de começar um auto de penitência. Seria uma “mea culpa”? Acho que está mais para uma “máxima culpa” e choramos depois de mijar na relva. Ainda bem! Torço pra não chegar o dia em que eu ouçamos o choro e sintamos o mijo.

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Amamo-nos! Em cada desentendimento bobo, uma promessa de amor que nunca deixa de ser cumprida, por nunca termos deixado de nos amar. Em cada ofensa proferida um sorriso sincero e a vontade de dizer que foi sem querer. Nos lábios que se abrem para nossa alegria afiamos o fio da nossa espada, cortando nossos corações em pedaços pequenos, nos alimentamos de todo amor que a terra pode oferecer.

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A noite fotografava cada momento como a despedida de um novo olá! Sempre fomos verdadeiros com o mundo nas nossas mentiras. Por mais que tentássemos provar que o inevitável não aconteceria, a paixão foi trazida para nossa praia com os primeiros ventos da manhã.

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Salgada era a água que escorria pelo meu corpo e doce era o gosto da sua boca, assim descobrimos a fórmula perfeita do soro que nos hidratou, tratando de encurtar o caminho que talvez demorássemos muito tempo pra seguir. Como saber? De uma hora pra outra o errado virou certo, o oculto se tornou notório, as omissões foram confissões e no intervalo de uma hora iniciamos a história que já tinha quase uma vida de duração.

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Cumprimos nossas obrigações durante o dia, e a noite nos entregamos ao parque de diversões. Vivemos as experiências derradeiras e duradouras. Somos um anacronismo que sobrevive ao tempo. Afirmamos nossa estrada, confirmamos nossa história.

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E nós, que sempre tivemos medo da felicidade notamos juntos que não havia mais o que temer. Ela deixara de ser uma quimera e se tornara a realidade que compartilhamos todas as manhãs. Quando estou longe de você, desde o instante que digo tchau até vê-la outra vez, a maior presença que sinto é a sua ausência.
Nada poderia ser dito para dizer como nos deliciamos com a presença de nós mesmos. Não precisamos de mais ninguém nesse espaço remoto e litúrgico onde os poemas deixam de ser escritos e passam a descrever o que experimentamos.

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Sempre soubemos exibir o melhor um para o outro, e o mundo que ficasse com aquela superficialidade desconhecida que nunca fizemos questão de manter.
Precisamos de alguns minutos para saber que nos conhecíamos há anos. Precisamos de um instante para provar o sabor de uma vida! O que seria do tempo se não pudéssemos esgotá-lo constantemente com a certeza de que ele nunca acaba? Com você aprendi que não sou imortal! Passei a amar a vida, por querer saboreá-la calmamente como aquele sorvete que tomamos em nosso reino. Larguei tudo que me matava para poder morrer de amor só por você.

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Demos um beijo, nossas bocas selaram o acordo. Apresentamos nossas almas, nos despedimos, mas sem saber, naquele momento eu levava um tanto de você e deixava outro tanto de mim. Logo iria atrás de você para buscar meu eu que faltava, devolver seu eu que levava e sem perceber me deixaria contigo mais uma vez! Até que chegou o dia em que percebemos que nos levávamos completos um no outro, e que meu corpo levava seu espírito e seu corpo levava minha vida. Prometemos então cuidar dos nossos corações que não mais sabiam a quem pertenciam, pois misturamos nosso suor, nossa carne e nosso amor. Sentia sede de você, sinto sede de você e mato a minha sede na sua saliva.

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Anseio por um espaço intuitivo para cravar a lança no sangue do espírito bom. A cruz que carrego em meus ombros poderia estar pendurada numa corrente, amarrada ao meu pescoço enquanto pulo no mar. Caminhei sobre a prancha do navio selado, e ganhei uma casa no lote abissal.

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Pego a caneta como quem busca uma arma para atirar. Quero derrubar os corpos diante da angústia da minha tinta! Quero manchar as ruas com as letras da solicitude vasta. Despejar o caldeirão das críticas nos pratos das crianças traumatizadas. Empurrar o paralítico na descida e gritar sorrindo que o freio quebrou. Quero infestar a consciência com as ideias que destruíram minhas ideologias.

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Presenteado pelos abraços de mãos provocadoras e oferecendo meu ombro na forma de um abrigo de palpitações eu me vi sem reação. A explosão do movimento ressoava como fogos que anunciam um bom ano-novo. Quis pedir para o mundo congelar seu giro, matar seu tempo e estacionar sua viagem.

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Poderia desejar a sensualidade exalando seu perfume que seria a vitória secreta do cheiro bom, poderia desejar seu corpo se correspondendo com o meu em quadris compassados pelo ritmo da libido em profusão, poderia morder suas costas em cada pedaço que me ofertasse a sensação. Tudo eu poderia fazer, se já não o fizesse em todos os instantes nos quais me presenteio com o sabor da sua carne jovial.

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Não é apenas seu corpo, esse desnudo espaço que pranteio no universo, palco das minhas alucinações, mas também sua alma, que compartilha com a minha, a versão mais ardente de uma paixão que pode ser sentida pelos poros da pele que eu insisto em querer beijar. Decorar cada aspecto da sua superfície, me deliciar nas encostas que reclinam sobre meu dorso, especular cada pedaço dos seus tecidos, e provar faminto cada sentença do seu gosto.

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Em cada ânsia por respostas, a busca de novas perguntas que norteiam a boca calada. Em cada silêncio recluso, a vontade desenfreada de entrelaçar as mãos em seus cabelos e tornar-me escravo das correntes que me prendem sem pensar.

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Prenda-me se puder, arranhe-me se conseguir. Faça sangrar cada pedaço da minha vontade, faça verter gotas vermelhas que borbulhem na caldeira de um abraço infernal. Embale-me na salsa, no quarto, na cadeira ou no banco. Dance pra mim ao som do mambo, do tango ou do merengue e talvez até do funk. Tire minhas roupas com seu olhar, e jogue em cima das suas que já tirei com o meu. Afogue toda a loucura nos baldes em que depositei minha postura. Venha, sussurre, fale, grite, aperte, envolva, desligue.

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A música tocava a uma distância difícil de decifrar. O rádio jaz esquecido, e o volume das suas notas jaz desprezado. O vazio e escuro espaço se fez sentir, e o nervosismo juvenil invadiu os dois corpos que ali estavam dividindo lembranças de um momento que já experimentaram. Provaram dos beijos quando estavam longe, provaram dos beijos na proximidade de uma sensação, provaram dos beijos na estampa de uma novidade, provaram as duas bocas enquanto o corpo estava são. Viveram a intensa forma da reciprocidade.

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Nosso desejo explodia naquela hora exata, quando a precisão do tempo foi jogada pela janela. Senti seu calor, senti a unidade da sua vontade se curvando na umidade do seu alarde. Sucumbi ao gosto pleno de uma vontade não satisfeita, mas despertada pelo desejo de possuir mais um segundo colado em sua face. Sentindo a transposição da sua alma eu pude viajar pelo seu ventre. Sentindo a alucinação da sua calma e fiz meus sentidos dormentes. E entre seu cansaço humilde e sua libido desperta eu mostrei que se faz moradia no quintal da cidade deserta.

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A garota desastrada derrubou seus perfumes! Dessa vez não foram os fracos que fizeram vingança, mas ela soube que os frascos se vingam e se jogam com seu cheiro de doce comunhão.
Num pequeno gesto o rosto se envolveu! O rosto apenas não, o corpo todo, uma vez que gostos pela metade serão sempre uma parte do que queremos! Esperar pelo que nos conta tarde é retornar cedo à forma que tivemos... E a garota desastrada observa! Ela poderia viver a intensidade de um momento na escolha de uma sensação. Ela não precisava provar nada, ela não queria dizer nada! Sentir já era o bastante. A primeira vez nem sempre é a última chance, e cada anoitecer era uma porta para um universo de possibilidades! O mundo que se acostume com ela! Ela não se incomodava, não se incomoda. Não ouse pensar que algo a fará desistir do que quer.
Sabe o que eu acho? Eu acho o segredo de uma oportunidade a entrega mais autêntica de um momento! Por favor, me prenda, por favor me surpreenda, me super prenda e se entregue ao que cada instante quer dizer. O ideal seria o esquecimento, mas quem disse que seguimos na natureza objetiva a idealização das coisas? Não sabemos o que é perfeito! Mas a perfeição nem é nosso desejo também.
A garota desastrada lê cada linha, absorve cada frase! As palavras massageiam seu corpo com suaves toques de sinceridade que a encantam mais do que um céu estrelado. Ela conseguirá entender? Sim, ela já entendeu, e se não tivesse entendido, problema de quem escreveu, afinal o interessado sempre deve dar um jeito! Não precisa de caminhos, não precisa de atalhos, pois na simplicidade do mistério que nos rodeia palpita constantemente a essência das formas que buscamos.
A garota desastrada poderia ser desinteressada, poderia ver o mundo cair só pelo prazer do estrago, mas nos detalhes de cada vão acontecimento ela percebe que mesmo que falte o senso do bom senso, o calor de um gosto desejado arde mais do que a fogueira de São João.

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Essa chuva despenca solitária, em pingos vertiginosos que são uma forma de trazer um pouco do céu para a terra. Gotas cálidas, universo tempestuoso. Nuvens suspensas que brincam de esconder o sol!

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Você dorme meu amor! Você descansa num sono único que eu jamais teria coragem de incomodar. Você dorme! Lembro-me das vezes em que meus olhos despertaram nas madrugadas. Eles sempre despertam nas madrugadas. É difícil eu entender que acordei, pois ao ver você dormindo tenho a nítida impressão de sonhar!

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E essas noites que passam rápido demais, e esses dias que passam devagar! Um frio incólume, acompanha um vento despretensioso. Ele chega protegido pelo nosso corpo, certo de que o calor dos nossos braços o fará dispersar, ou se prender. Ele sabe que não perderemos calor, mas que o convidaremos para ficar, provando que corpos que se amam incendeiam cada canto onde estão.

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