Juan Victhor
IDAS E VINDAS
De um instante para o outro, todos se foram. Você também se foi, mas diferente dos demais, você sempre volta, e como eu amei as suas voltas. No espaço de repouso da tua ida, entendi que meu peito não desfalece de tamanha carência e pobreza por afeto.
Entre o trânsito acelerado, dei de cara com muitas placas, uma dizia-me "pare", a outra dizia-me "volta". Por muito amei as tuas voltas, mas ensinarem-me que eu não mereço ninguém que volte, mas alguém que permaneça comigo para sempre.
ACORDANDO DE UM SONO PROFUNDO
Muitos exaltam a inteligência avassaladora dos escritores, tal inteligência que não é exclusiva, mas em demasia se estabelece na imaginação. As virtudes da vida também trazem consigo consequências dolorosas, assim me sinto, assim se faz. Em tantas ocasiões me vi ser esfaqueado pelas minhas próprias mãos, açoitado pela mente fértil, tendo eu acreditado nas minhas próprias ilusões de histórias nunca escritas.
SEREI EU, TU E NÓS
Serei tu, serei vento,
Serei oceano, serei filho do tempo.
Fui negado, mas aprendi a ser birrento, não aceito o mundo de outra forma, sou um puro egoísta que silencia e não volta.
Serei eu, serei tornado, serei fogo, serei filho do caos.
Tomado pela dor da mágoa, sangrando e fingindo não ser nada, respingo tudo no chão, mas no fundo, sou filho do nada.
Serei nós, serei neve, serei terra, e no fim serei um peixe, que apenas nada.
Quanto mais o batiam, mas melodia soava aos ouvidos do mundo. Ele era como uma terra fértil, que muitas vezes foi pisada, mas que em hipótese alguma deixou de gerar vida. Jamais abandonou sua essência, sua natureza, e somente assim entendi que não adianta maltratar, quem nasceu para ser tambor.
A CRIAÇÃO DOS NÚMEROS
No princípio criou Zero seu primeiro filho. A ele designou a honra de ser chamado "Um", sendo o único a torna-se coberto de amor até o fim de sua existência.
Eles viveram longos anos de felicidade, mas o Um achou-se único, e seu ego aumentava cada vez mais. Para não perder seu único filho, Zero trouxe a vida ao número Dois, que casaria com Um; feito e criado com um único intuito, amar e dissipar o ego de Um.
O tempo tornou a passar e o número Um não estava 100% satisfeito com a sua companheira. Motivado por seu enorme ego, começou a se imaginar com outra criação. Foi então que surgiu o número Três, criado pelo amor advindo da expectativa, sem passar pelas mãos do criador. O criador, ao perceber o que havia acabado de acontecer, se espantou, mas teve misericórdia do número Três e o deixou viver.
O Um muito amou os dois outros números, mas o criador percebeu que em uma relação a (três), sempre alguém saí ferido, corrompendo todo o amor da criação. Zero então pediu que Um escolhesse, e ele escolheu! Escolheu a número Dois, mesmo tendo criado o número Três.
A tristeza sufocou a alma de Três. Ela estava abatida, aflita e decepcionada. Sua dor era tamanha que chegou aos pés do criador(0), esse tomado pelo senso de justiça rompeu seu círculo perfeito, estabelecendo a partir daquele dia que os números seriam infinitos.
VOCÊ SONHOU COMIGO
Enquanto tomava meu café da tarde, ouvi ao fundo, mas não tão distante, acusarem os sonhos de serem apenas sonhos. Fiquei atordoado. Saber que na grande parte das vezes é impossível ter controle sobre tal, já me diz muito sobre seus feitos. É no sonho que manifestamos os desejos mais ocultos da alma, onde não existe certo ou errado, tentação ou amor, verdade ou mentira. Alguns podem até se convencer de que tudo é fruto do acaso, difícil seria me convencer.
Quando criança rasguei as páginas de todos os dicionários que se pusessem a minha frente. Sentir-se fraco ou forte, não esvazia quem sou, de pouco me importa significados mundanos, mas sentir-se incapaz de lutar, isso me leva a morte antes de ser miseravelmente atingido. Meus punhos serrados de nada valem perto das enormes carruagens de ouro e espadas de ferro. De todos, só me resta a mim, de tudo, somente os abraços cruzados.
A ÓRFÃ
Sou órfã desde que nasci. Cresci e me apaixonei por um garoto, este, nasceu numa família estruturada. Se datava de uma manhã de 18 de novembro, tínhamos marcado de se encontrar na cafeteria que ficara há 8 metros de sua casa, mas ele novamente não apareceu, deixando seu bilhete de desculpas; um alento, seu vigésimo bilhete. Muito demorei para entender a razão de nunca tê-lo deixado; isto se dava por motivos que estavam impregnadas as minhas vísceras e perpassavam despercebidas aos meus olhos. Nunca o abandonei, por já ter sido abandonada. Nunca o deixei, por já ter sido deixada. Nunca o esqueci, por já ter sido esquecida! Contudo, abandonei a mim mesma permanecendo em algo que só me trazia dor, e me desculpe, não sou mais órfã.
"LADRÃO! LADRÃO! LADRÃO!"
Ouve as vozes e os gritos que me denunciam, mas sabes tu que não cometi crime algum. Achei ser amostra grátis, apenas me fui, e me ser fiel causou tudo isso. Segues me olhando distante, sabe que não roubei nada e mesmo assim se mantém estático. Onde se encontra a tua verdade, nos gritos ou em mim?! Roubei a amostra ou teu coração?
Meus textos não se limitam aos estados do tempo, nem a consciência que irá recebê-los. Não escrevo para causar dor, dúvida, tristeza, falsa declaração, ou, até mesmo entendimento, apenas escrevo por escrever e isso basta-me. Talvez esse seja o segredo, escrever pelo sentir, e entender que nem todos os textos precisam de dedicatória.
A FLOR
Minha rosa que encanta a beleza seca dos macios toques de sua terra. Foi me visto teu encanto no deserto, tua resistência e resiliência com a vida, tu és, e sempre será, a minha rosa preferida.
Fostes vermelha, rosa e agora eis roxa, mas ainda assim sufoca-me com tua essência de licor. Não ousou parar em meio as condições do tempo, soube ser amor mesmo sendo flor.
E se porventura hoje a vida acordasse, e tirasse-me toda a cor, encandecendo meus batimentos, sufocando-me em ardor, ainda assim te olharia, minha linda rosa, minha bela flor.
ALTO-MAR
Durante meu cruzeiro, relutei diversas vezes contra mim mesmo. Peguei teu coração, carreguei ele nas mãos, mas sempre que chegava perto do mar, desistia compulsivamente. Mês passado diferiu. Após tanto resistir, enfim, joguei teu coração no meio do oceano. Por sorte, ele é tão denso que só restou afundar, afundar e afundar... E meu sorriso novamente voltou a me encontrar, encontrar e encontrar...
Uma vez jogado e debruçado no meio daquele oceano, felizmente nunca mais te veria, felizmente não mais te resgataria, felizmente não me perderia outra vez. Alguns acharam-me cruel, mas basta! Se quiseres, que me sentenciem a cadeia. Por pouco fui jogado no hospício sem ser louco e das reais histórias vívidas me diziam, "ALUCINAÇÃO!".
O CARRO VERMELHO
As pessoas não entendiam o porquê do meu choro incessável. Certamente, essa incompreensão se dera, pois, havia eu acabado de vivenciar o mais puro livramento de vida, ainda assim, isso não anulava nem um pouco a dor que me foi causada no acidente. Naquela maca de hospital pude perceber que pior do que não receber o amor da forma que compartilha, é ser enganado pelo próprio "amor". O carro da ilusão uma hora há de atingir um limite de velocidade tão alto que será impossível não bater em algum obstáculo, e foi isso que me ocorreu; lá estava eu, atravessando a rua, quando você veio descontrolado e me atropelou. Confesso que as cicatrizes ainda doem. Quando te vejo me olhar, enquanto estou sem fala e paralisado pelo gesso que envolve todo meu corpo, a única coisa que meus olhos refletem por você é aversão e desprezo. Mas, deixe-me encerrar esse relato da forma que queres. A culpa não é sua! Eu que lhe presenteei com o carro, que carinhosamente por ser vermelho, você chamou de coração.
BICICLETA
Por muito tempo andei com rodinhas, mas havia no meu destino, a lição de perdê-las antecipadamente. A vida, então, arrancou de mim as rodinhas que me mantinham equilibrado, e somente cai, cai e outra vez cai. Eu não tive escolha a não ser me entregar ao chão, conviver com ele diariamente, me abraçar no ardor da carne viva. Certa feita, a vida, enquanto me consolava como todas as outras vezes, teve misericórdia, e eu enfim aprendi a andar de bicicleta. As pessoas me viam andar tão bem, mas não sabiam de um terço das cicatrizes que ficaram no meu corpo após as quedas.
Eles admiram a minha força, mas se eu pudesse ter escolhido, jamais escolheria aceitar que tirassem as minhas rodinhas.
O CAMPEONATO FORWARD
Seu esporte favorito sempre foi "corrida". Confesso que nunca gostei de correr, mas por você, e somente por você, eu corri naquele dia. Os olhos do público voltavam-se para o campeonato. A corrida mais aguardada do ano acabara de começar e você era um dos meus "adversários". Principiei a correr, diminuindo e aumentando a velocidade para te alcançar, mas quanto mais eu me aproximava, mais você ansiava atravessar aquela linha de chegada. Essa foi nossa maior diferença. A todo momento você sempre quis estar um passo a frente de mim, e talvez realmente estivesse, mas quem disse que eu estava participando dessa disputa de ego?
Minha vida aos poucos perdeu o querer. Vivo em coma, sobre o automático. Curo, mas não sou curado.
Entre as vastas personalidades que criei, já não sei quem sou, o que quero e o que me mantém a viver. Eis que agora rasgo o véu e enxergo as verdadeiras cores desse mundo. Bendita é a ousadia que me envolve a noite, maldita é a covardia que me agarra ao amanhecer.
Vejo as cobras rastejarem e logo em seguida subirem pelas minhas pernas, se algo aqui me põe a viver, é o amor pelos que me amam, e a esperança de encontrar, por eles, a saída dessa selva.
Tinha medo de mudar o visual, mas se não mudasse, teria medo da opinião alheia. Tinha medo de cortar o cabelo, mas se não cortasse, teria medo do julgamento. Tinha medo da cabeleireira, mas se não a procurasse, teria medo dos apelidos maldosos. O medo sempre me levava a outro medo. O ciclo nunca se finda! É preciso ter coragem para confrontá-lo.
PREMONIÇÃO
Meus batimentos perdiam a força a cada dia que se passava. Você vinha me visitar, dava-me um beijo na testa e colocava mais uma flor ao lado da minha cama. Para você, todos aqueles gestos externavam seu amor por mim, mas nunca fôra isso. Nos últimos meses antes do diagnóstico, você nunca me deu uma flor, nem se quer um beijo na testa, tudo que sentia ao seu lado era ausência de calor.
Diariamente, deitada e enfraquecida, observei você achar estar me amando, quando a única coisa que eu enxergava em tudo aquilo, era alguém se culpando pela minha doença, alguém tão egocêntrico a ponto de achar ser a cura daquilo que não se cura. Seu coração palpitou por mim, mas não foi de amor, foi paixão. Economize essas rosas e os beijos na testa, ainda não estou morta.
Quando me machucar, terás de ver os meus cabelos se enlearem pelo coração. Meu dulçor não ultrapassará aqueles fios. Somente sentirás meu cheiro e entenderá que não é fácil penteá-los de volta.
As lembranças boas não cicatrizarão meu coração, pelo contrário, hão de alimentar ainda mais as feridas, a indignação, a raiva que me foi oprimida. Esse é o preço que se vale de um bom coração, sendo ele oito ou oitenta, ou ama-te ou te mata.
Quando a dor se alastrou pelas minhas vísceras, teu abraço foi o principal responsável por saná-la. Seu ombro me valia mais que qualquer ouro ou diamante, havia ele acolhido a minha alma.
Vejo, agora, minha carne sangrar, e a vida de mim se sucumbir, eis que ao pé do meu ouvido, escuto o padre a proclamar, "Prometo estar contigo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te, respeitando-te e sendo-te fiel em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.".
Minha alegria esteve na simplicidade da terra úmida, no vento desgovernado que interrompera a minha banda musical, no passageiro invisível que vinha sempre ao meu encontro. Quem me via muitas vezes sozinho, não sabia a alegria que eu dera através da imaginação. Eu sorria, falava, reclamava, agradecia, e como de costume abria a porta na entrada e na saída.
Aos queridos passageiros que um dia cessaram viagem comigo, vos agradeço por nunca terem me deixado brincar sozinho, por cada ensinamento que me foi passado no silêncio, por todo amor que recebi do que aparentemente não existia. Vocês me ensinaram a amar além da visão, a tocar a alma dos que vivem, a chorar as lágrimas que viam do coração.
RAZÃO E EMOÇÃO
Sempre prezei pela justiça, mas meu julgamento não lhe foi justo. Talvez por isso a razão e a emoção, não se devem misturar.
Tudo que fiz foi baseado na expectativa, e não em quem de fato você era. Talvez por isso a razão e a emoção, não se devem misturar.
Não te tratei como todos, pois nunca te vi como todos. Aos meus olhos você brilhou em meio a multidão, mas te julguei nos meus parâmetros de sofrimento. Talvez por isso a razão e a emoção, não se devem misturar.
Se pudesse agora te falar algo, nada falaria, somente olharia nos teus olhos, enquanto fôssemos envolvidos pelo silêncio. Talvez assim a razão e a emoção, não conseguiriam se misturar.
Quando dois recíprocos se encontram, um precisa demonstrar primeiro.
Quando dois orgulhosos se unem, um precisa abdicar primeiro.
Quando duas pessoas se abraçam, uma terá que se desvincular primeiro.
Quando dois fazem contato visual, um quebrará primeiro.
Disso consiste a união, ceder para poderem estar juntos outra vez, pois mais vale muitos beijos longos, do que um beijo que nunca se finda.
CIDADE INVISÍVEL
Teus olhos pareciam iluminar-me a alma. Eles encandeciam um brilho tão vasto capaz de ofuscar todos os outros que se pusessem ao meu redor. Entristeço-me o espírito por não lembrar a tua fisionomia por inteiro; perdão! As condições desse mundo não permitem tamanha benevolência. Recordo-me, porém, da nossa pintura, onde o navio parecia afundar lentamente, enquanto uma multidão lhe envolvia, ressaltando ainda, por detrás, as asas brilhantes de uma fênix. Tu, que vens do pleno desconhecido, da existência fantasiosa, mas que me instiga o amor; escrevo-te sabendo que, segundo a lógica humana, você jamais receberá essas palavras, mas não escrevo para lhe ser entregue, escrevo para que eu nunca esqueça de ti.
LINDA PLANTA
Por que choras em pleno raiar do Sol? Teu sereno queima-te o corpo? Olhe para o céu e somente para o sol, naquele brilho te encontrarei e teu sereno não mais lhe trará dor alguma. Veja-te o vigor das gotas, lava-te a alma em soluços, e vem, porque eis que te espero no olhar para cima, onde também olharemos para você.