Johnny Kwergiu
Não me odeie se ainda há amor.
Se conseguir completar o ódio me mate, mas me mate fora de ti. Prove o nojo tirando-me a vida.
Me mate fora, não dentro de ti.
Artifício
Chega de dois!
Nunca foi, sequer.
Chega de nós!
Mais um triste fim.
Me nego querendo...
Você sabe:
Eu preciso ainda.
Muito.
Mas quem somos?
Areia e mar
Unidos por obrigação,
Acredito.
Mesmo te amando
Chega de dois.
Chega de mim, chega de nós.
E eu consigo? Não.
É magnético quando assim.
Se me nego...
Você vem.
Me abraça e me esquece.
Acha que sou o quê?
Um rascunho adormecido?
Se for assim: me apague,
rasgue.
Chega de você
na lágrima e sonho.
Chego em você no riso
e verdade.
Chego em você querendo
mais,
se puder: sempre.
Esquina
Não existem manhãs frias,
só céu entristecido.
Não há amor valente,
só uma sorte inexplicável.
É jogo apostando a vida.
É fotografia da cicatriz.
Não se pergunta como está,
basta um vulto de anunciante.
Não há forças segurando,
mas um sonho como corda.
É poesia antes de tudo.
É o sol nascendo de novo.
E sei que os passos irão resistir ao se depararem com o vento.
Farão da correria um espanto desejado.
Será um segredo de duas cidades: eu precisava que viesse em minha direção!
Será um segredo de duas cidades.
Parece que de perto tudo some. Pensamentos antecipados anulam o mal incentivador. Aquilo que eu achava ser, vira equívoco; naquilo que eu jurava ver, não há.
É um idioma arrastado mostrando a verdade.
Todo segredo um dia é descoberto. Revelo o meu: desejei e desejo como saudade reencarnada! Mas isso volta, mas isso passa. Com resistência a textura invisível do detalhe ganha cor. Bem, você é mais uma na memória de um qualquer.
Lembro a loucura e o encanto.
Me tranco por dentro deixando tudo passar por mim. Dessa vez, errei feio ao evitar manobras cansativas.
O que poderia surtir efeito na hora, ficou para mais tarde... ou para nunca. Como sempre.
Risquei da lista razões de confiança plena. Nada restou, apenas quebrou no vento ao cruzar.
Fé nenhuma sinto. O amanhã tanto faz se virá ou não. Só consigo pensar incessantemente no erro que não cometi. Deveria ter sim errado! Acabaria por cortar um nó ainda bem preso na minha garganta.
Agora sinto meu nome sendo difamado pela consciência. Parece haver milhões de pessoas me olhando enquanto lamento a perda da oportunidade. Tão raro, e deixei como está.
O encanto da hora tremeu minha estrutura fazendo querer agir. Mas não. Falhei.
Poucas palavras. Em busca de um sentido. Evitando não machucar ninguém mais. Complicado ver a noite engolida pela neblina do inverno.
Não em mim. Me deixo acreditar no sonho. Absorvo somente a teoria do assunto. O real silêncio ainda continua sobre inutilizado.
Um pouco da sua sombra me faria bem. Um pouco da sua certeza me traria paz.
Do Amor Distante II
O vento corta a parede
silencia as janelas
abala o telhado
derrete a vidraça
Amor de Roma
Roma de Amor
no balaio alguns segredos
em teu seio um abraço
Mais que uma heresia
ao tal absurdo amor
declamador miserável
de canções macias
Os outros andam aí
em tua pele
em tua boca
em teu suor
E já em teu castelo
um descabido pedido:
repare a noite cheia!
se preciso for...
Característica profunda
milha em terra, milha em mar
só o sangue à vista
repetindo a escravidão
Mas não estamos tão sozinhos
como Deus sem as estrelas
prevenimos a desgraça
com a sorte que houver.
Do Amor Distante I
Promessa feita
o restante das horas
É um amor bem construído,
sob medida...
sala, quarto e cozinha
esquina, bairro e cidade
Velas prontas incendeiam
a vida
o alimento
a saudade
Essas cartas vêm e vão
dão e tiram estrelas.
O léxico comenta:
eles estão felizes;
mesmo perto com a distância.
Talvez um dia deem risada de tudo,
e encerrarão a noite dizendo:
custou, mas conseguimos!
E é o que cura e é o que sara e é o que acalma.
Entretanto, de momento, é apenas
a paciente espera do rascunho vivo.
Às vezes o ímpar pede mais um para sussurrar segredos. É o momento em que ele aceita que par sempre vence batalhas épicas. Não há graça quando o frio consome apenas os vermes de um só corpo.
Montes Claros
Ela queria ir embora só para deixar uma carta. Escreveria em forma de poema, metrificada em cada lágrima despedida.
Seus olhos escreveriam a saudade já posta nas árvores, verdes e com cheiro de canela. Ela, embora tenha ido e chegado, reflete dores carameladas de perseguições. Nenhum sonho fica fora durante as viagens internas.
O mundo explodiu e ela dispara. Medos e assombros circulam espaço por espaço. Há dias em que viver é morrer perto da lareira.
Ela queria ir embora mas o amor é forte, resistente e inquebrável. A carta até poderia dizer: vem comigo, também?
Curvas
Amadureci ou deixei-me morrer sobre as coisas que acontecem ao tempo. É uma quase lágrima, franca e aceitável.
Amadureci ou deixei-me à luz benéfica de um coração exemplar. Não toquei, não feri. Joguei para o ar a saudade e que o vento cuide do resto.
Porque tudo que acontece não cabe mais a mim saber ou jurar. Agora, feito sombra amaldiçoada, saio repetido e esperançoso. Amanhã parece que irá fazer sol, ou depois de amanhã, nunca sei ao certo!
Maré
Bati em tua porta,
desajeitado, como sempre.
Atende, atende! - pensei.
Atendeu-me atenciosa.
Vi a bruma em teu olhar
criar ninho.
Pedi licença e logo ouvi não.
Os passos maneiraram a valsa.
E me disse: tenho sol!
Mas minha cidade, por quê?
Por que justamente o sol?
A tua lua de olhar espanca minha porta toda noite, todo dia, toda hora.
E senti medo. Medo aterrorizante, macabro. Senti medo de morrer congelado por tudo que aconteceu. Não sou tão forte como pensam para tais acontecimentos.
Senti medo, um medo de perseguição. Ando sendo rondado por olhos mansos mas vivos. E causa medo, muito medo.
Senti medo, também, pelas falhas cometidas. Preferi guardar juramento em caso especial. Qualquer segredo pegaria fogo se desvendado. Bom não ter arriscado!
Senti medo e sinto agora. Há um fantasma contornando os móveis e cada peça da casa. O silêncio ativa a memória, faz ganhar tamanho o pavor agonizante.
Foi um dia assustador, de tempo assustador. Vi a chuva, vi o sol, vi o céu, vi as nuvens, vi e senti o cheiro podre da mentira. Confusão formada, medo formado. Sem resposta, sem sentido.
Senti medo por viver. Por ter vivido um dia negro de tempo bipolar, preferi deitar mais cedo para amanhã lembrar pouco dessa nuvem negra e ácida que paira por aqui.
Às vezes o medo sem espelho assusta.
Sobre Sonhos
Pessoa
você, pessoa
que guarda em silêncio
mapeia por canções
a falta que sentes
a perda do tempo
sei qual é teu vício
teu novo encanto
leio estes lábios quentes
e macios
esperando vir dizer: certo, venceste
a cada momento somos
não mais que dois em um
novo Big Bang
vontade calada, nervosa
que ama recente figura
fogo esplêndido
na ausência afetiva
sobra sonhos para o desperdício
na saudade vista lá fora
temos desencontro
e por que não nos encontramos
ainda por aí?
nossas ruas não se conhecem?
entre folhas e versos nos esperamos
com mórbida incerteza
se o oceano afundará ou não esta perspectiva
esta surpresa que a mim invade
são as obras o nosso feito
são os degraus a nossa culpa
são os desejos o nosso engano
quando acordo, vejo-te sorrir pelas aberturas de tua franja
negra e lisa
sim, pessoa, você amanhece sobre o gramado úmido
da noite
ao meu lado, sem reparar
e esconde em meio as roupas
o perfume de minha voz
guardo de ti a semana inteira
para depois doar aos pobres pensamentos
em um leito abrigado pelos vermes contagiantes da solidão.
Transitório
Eu sou o problema
o desastre natural
que em breve cessará
sem causar mais nenhum mal
eu sou o problema
religião desconhecida
que te cega e faz fiel
às dores implacáveis
eu sou o problema
doença sem cura
câncer do teu mundo
nostalgia insistente
eu sou o problema
motivação absoluta
arranha-céu onírico
pro teu doce suicídio
vê se sonha
vê se sonha mais uma vez
com teu inimigo
teu inimigo amado.
O Silêncio da Cidade
Quando essa chuva parar...
vou aí te visitar
vou aí dizer que te amo com
a barra da calça molhada
vou aí te avisar que esperei deitado o tempo acalmar, que
não estive em outras residências
vou aí te servir de cobertor contra o frio
vou aí levar seus doces prediletos
vou aí conversar sobre o clima
vou aí te fazer dançar
vou aí ouvir tuas lágrimas
vou aí planejar o amanhã (porque agora acredito no futuro)
vou aí saber como ficou tua solidão sem mim
vou aí para provar que a minha solidão não ficou bem sem ti
vou aí para esperar a próxima chuva
vou aí por gostar de estar aí
vou aí brincar com teu olhar água de rio
vou aí costurar algumas notícias em teu ouvido
vou aí na terceira intenção do desejo
vou aí porque me chama por aqui
vou aí até matar tua sede
vou aí até aliviar minha fome
vou aí sabendo do perigo
vou aí escrever mais uma carta em tua parede
vou aí para crer na tua fé
vou aí ouvir os sapos almejando mais chuva
vou aí sentir o gelo da tua mão
vou aí guardar o sol do teu abraço
vou aí provar de novo um dos teus beijos
vou aí pedindo tempestade
quando essa chuva parar, vou aí te visitar
como quem quer tudo do mundo!
porque o silêncio da cidade após uma chuva
é o que me faz querer te ter por perto.
Se ele pudesse dizer algo para ela, diria "fica longe dele e vem passar o dia comigo". Mas ela anda tão ocupada com esse amor que nem tempo arruma mais para distrações. O amor virou trabalho, uma rotina que tirou o sossego do cara que diz amá-la. Eu diria ao meu amigo para encontrar outra garota porque essa não tem volta, mas ele tem esperanças e aguarda feito um relógio de parede sem pilha. O amor dele por ela suporta tudo, o amor dela pelo cara suporta tudo, o cara deve agora estar pensando em outra. No lugar do meu amigo eu tomaria algo bem forte e esperaria o tempo trazer alguma novidade. O amor nos congela, cessa nossos movimentos, e esse meu amigo junto com a amiguinha dele estão próximos da inércia absoluta.
Fantasia de Céu
Esse batom rosado escrito em tua boca
Essa sombra cuidadosamente desenhada em teu olhar
Esse esmalte cobrindo a pele das unhas
É o que faz você mulher?
Ou será esse teu afago leve nos cabelos
A mão macia traduzindo a dor
A voz feito brisa numa manhã primaveril?
É com raiva que te observo ficar mais linda
No modo como contorna o dia com as palavras
Cada cena, movimento, ritmo...
Tudo repetidamente belo
No fim, quem conta histórias sou eu!
Estalo
A paixão começa quando você sente seu estômago vazio. Então ele começa a comer as próprias paredes.
Sua boca fica úmida, mas seca por um tempo; depois, novamente úmida.
Paixão é quando seu coração para na garganta e sua garganta para no coração. Fica ansioso e escreve os versos mais lindo de amor.
Paixão é uma janela por onde tudo passa, deixando somente a perfeição das obras de Deus.
Paixão é quando você procura incessante. Nome, data de nascimento, signo, cor dos olhos.
Paixão é um dia cansativo transformado em vontade própria. Você não espera ninguém pedir ajuda. Vai logo puxando as sacolas das mãos da pessoa.
Você fica convidativo. Aceita convites para baladas, aniversários, casamentos... E até mesmo cultos na igreja que seu vizinho frequenta.
Paixão é estar doente mas saudável ao outro. Pode estar morrendo com 38 que consegue dominar tonturas. Tudo para encontrar e ser encontrado.
Tudo é por gosto, tudo é por cegueira, tudo é por estar apaixonado.
E hoje, quando ninguém me perguntava, gritei: Meus Deus! Por que tinha de ter um cabelo tão lindo? Um olhar tão encantador? Um sorriso absurdo, que imediatamente transformou o meu? Por que tinha de ser?
Agora, Cara Amiga, tu podes me espancar, torturar e matar no fim... Mas disso ninguém escapa. Nunca escaparam.