John Wesley

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⁠Vocês [calvinistas] ainda creem que, em consequência de um decreto imutável e irresistível de Deus, a maior parte da humanidade permanece em morte sem nenhuma possibilidade de redenção; uma vez que ninguém pode salvá-los, a não ser Deus; e ele não irá salvá-los. Vocês creem que ele decretou, de maneira absoluta, não salvá-los; e o que é isto se não decretá-los à condenação? Isto é, de fato, nada mais nada menos que a mesma coisa. Pois se você está morto e totalmente incapaz de reviver, então se Deus decretou, de maneira absoluta, a sua morte eterna - você está absolutamente destinado à condenação. E embora vocês façam uso de eufemismos, vocês estão dizendo a mesma coisa. Sermão 03

⁠Esta é a blasfêmia claramente contida no decreto horrível (O Decreptum Horribile) da predestinação! E aqui eu fixo meu pé. Sobre isto eu discuto a opinião de quem a afirme. Você representa Deus como pior do que o diabo; mais falso, mais cruel, mais injusto. Mas você diz que irá prová-la pela Escritura. Espere! O que você irá provar pela Escritura? Que Deus é pior do que o diabo? Não pode ser.

John Wesley

Nota: Trecho do sermão 128.

Se, então, você diz que Cristo chama aqueles que não podem vir; aqueles que Ele sabe ser incapazes de vir; aqueles que Ele pode capacitá-los a vir, mas não os capacitará; como é possível descrever maior insinceridade? Você representa Cristo como zombando de suas criaturas desamparadas, oferecendo o que Ele nunca pretende dar.

John Wesley

Nota: Trecho do sermão 128.

⁠Se quaisquer doutrinas dentro de todo o sistema do Cristianismo podem ser chamadas "fundamentais", são sem dúvidas estas duas: a doutrina da justificação e a do novo nascimento, estando a primeira relacionada com a grande obra que Deus faz por nós, perdoando os nossos pecados; a segunda, a grande obra que Deus realiza em nós, renovando a nossa natureza decaída. Nenhuma destas é anterior à outra no tempo. Somos no momento justificados pela graça de Deus através da redenção em Cristo, e somos, também, "nascidos do Espírito"; mas com relação ao pensamento, como é chamado, a justificação precede ao novo nascimento. Concebemos primeiramente a retirada da sua ira e então a operação do seu Espírito no nosso coração.

John Wesley - Sermão: "O Novo Nascimento".

OS MEIOS DE GRAÇA

Por John Wesley

“Vós vos apartastes de minhas ordenanças e não as guardastes”. (Malaquias 3.7)

I
1. EXISTEM, de fato, agora, - após terem sido a vida e a imortalidade traduzidos à luz pelo Evangelho, - quaisquer ordenanças? Há, sob a dispensação cristã, meios ordenados por Deus, como canais ordinários de sua graça? Esta questão jamais teria sido levantada na Igreja apostólica, a não ser que o fosse por alguém que abertamente se confessasse pagão, já que toda a Cristandade concordava com o fato de ter Cristo estabelecido certos meios exteriores; para por meio deles comunicar sua graça à alma dos homens.
Sua prática constante colocou este ponto fora de qualquer contestação; uma vez que “todos os que criam estavam juntos e tinham todas as coisas em comum” (At 2.44), “eles perseveravam na doutrina dos apóstolos, e no partir do pão, e nas orações” (versículo 42).
2. Mas, com o correr do tempo, quando “o amor de muitos se esfriou”, alguns começaram a tomar os meios como fim e a colocar a religião, menos na posse de um coração renovado segundo a imagem de Deus, do que na prática daqueles atos exteriores. Esqueceram-se de que “o fim de” todo “mandamento é o amor, partindo de um coração puro”, com “fé não fingida”, amando ao Senhor seu Deus de todo o seu coração e ao próximo como a si mesmo, e sendo purificado do orgulho, da ira e do mau desejo por uma “fé que é operada por Deus”. Outros parece imaginaram que, embora a religião não consista propriamente
daqueles meios exteriores, neles há, todavia, qualquer coisa em que Deus se agrada, alguma coisa que faria os homens aceitáveis à sua vista, embora não fossem escrupulosos na guarda exata dos mandamentos mais importantes da lei, - a justiça, a misericórdia e o amor de Deus.
3. É verdade que, em relação aos que assim abusam dos meios de graça, estes não preenchem os fins para que foram instituídos: pelo contrário, as coisas que deveriam conduzir a seu maior vigor espiritual, se
tornam em ocasião de tropeço, de modo que, longe de receberem qualquer benção através desses meios, somente atraem maldição sobre sua cabeça; em lugar de crescerem mais celestialmente em coração e vida, tornam-se duas vezes mais dignos do inferno do que o eram dantes. Outros, percebendo claramente que esses meios não comunicam aos filhos do diabo a graça de Deus, tiram do caso particular a conclusão geral de que – tais meios não são, de modo nenhum, canais comunicantes da graça de Deus.
4. Conquanto seja o número dos que abusam das ordenanças de Deus maior do que o dos que as desprezam, entre estes últimos se contam pessoas não só de grande entendimento (unido, algumas vezes,a considerável erudição), mas que também parecem homens de coração, experimentalmente identificados com a verdadeira religião interior. Alguns foram luminares acesos e brilhantes, pessoas famosas em sua geração, que bem serviram à Igreja de Cristo, permanecendo na trincheira e dando rude combate à invasão da impiedade.
Não se pode supor que esses homens santos e veneráveis pretendessem, de início, outra coisa, senão mostrar que a religião exterior de nada vale, quando desacompanhada da religião do coração; que “Deus é Espírito, e em espírito e verdade é que devem prestar-lhe culto aqueles que o cultuam”; que, assim sendo,o culto externo é trabalho perdido, sem um coração devotado a Deus; que as ordenanças exteriores de Deus aproveitam muito, quando aumentam a santidade interior; mas, não produzindo tal resultado, são inúteis e vãs, ao piores de que a vaidade; e, mais: quando usadas, por assim dizer, em lugar da vaidade,
são completa abominação à vista do Senhor.
5. Não é, pois, de estranhar, que alguns desses homens, convencidos profundamente dessa horrível profanação das ordenanças de Deus, que se tem generalizado em toda a Igreja e mais ou menos excluído do mundo a verdadeira religião, - falem, movidos de ardente zelo pela glória de Deus e pelo livramento das almas da ilusão fatal, em termos tais que colocam a religião exterior como sendo absolutamente nada, como se não tivesse lugar na religião de Cristo. De modo algum surpreende que eles nem sempre se expressem com suficiente prudência, evitando que ouvintes levianos sejam levados a crer que esses ensinadores condenem todos os meios exteriores da graça, tanto por serem inúteis, como por não terem sido estabelecidos por Deus como canais ordinários de comunicação de suas graças à alma humana.
Além disto, não é impossível que afinal alguns dentre esses santos homens creiam, como tem acontecido,na justeza dessa opinião, principalmente no caso daqueles que, não por deliberação pessoal, mas pela Providência de Deus, sentiram-se privados de todas essas ordenanças, talvez errantes, não tendo morada certa, habitando em covas e cavernas da terra. Esses homens, experimentando em si mesmos a graça de Deus, embora estivessem privados de todos os meios exteriores, seriam levados a inferir que a mesma graça se comunicaria aos que, de propósito deliberado, se abstivessem deles.
6. A experiência nos mostra quão facilmente essa noção se espalha e se insinua na mente dos homens, especialmente daqueles que foram intensamente despertados do sono da morte, começando a sentir que o peso de seus pecados constitui um fardo duro de suportar. Esses comumente se impacientam com seu presente estado; e, tentando todos os meios de fugir a ele, estão sempre prontos a abraçar qualquer novo alvitre de descanso ou felicidade. Naturalmente experimentaram muitos meios exteriores e neles não encontraram repouso; pode ser que tenham somente achado crescente remorso, temor, tristeza e condenação. É fácil, portanto, persuadir a esses tais de que é melhor absterem-se de todos aqueles meios.
Eles já estão cansados de lutar, (como parece), em vão, de trabalharem para o fogo; assim, acolhem com júbilo qualquer sugestão que ao mesmo tempo libere sua alma daquilo em que ela não tem prazer, dispense-os do labor penoso e os mergulhe em preguiçosa inatividade.

II
1. No discurso que se segue proponho-me examinar mais minuciosamente se há quaisquer meios de graça.
Por “meios de graça” entendo os sinais exteriores, palavras ou ações, ordenados por Deus, e designados para esse fim, para serem canais ordinários pelos quais Ele comunica aos homens a graça preventiva, justificadora e santificante.
Uso a expressão – “meios de graça” – porque não conheço outra melhor e porque ela tem sido geralmente usada na Igreja Cristã através de muitas gerações, em particular por nossa própria Igreja, que nos dirige no louvor de Deus pelos meios de graça e pela esperança da glória, ensinando-nos também que o sacramento é “o sinal exterior de uma graça interior, e um meio pelo qual recebemos a mesma graça.
Os principais desses meios são a oração, seja secreta ou juntamente com a congregação; o estudo das Escrituras (que compreende a leitura, audição e meditação delas); e a participação da Ceia do Senhor, comendo o pão e bebendo o vinho em memória de Cristo: cremos que tais meios foram ordenados por Deus, como canais ordinários pelos quais Ele comunica sua graça à alma dos homens.
2. Confessamos, porém, que todo o valor dos meios depende de sua sujeição ao fim religioso; que,consequentemente, todos esses meios, separados de seus fins, são menos que coisa alguma e vaidade; que, se eles não levam ao conhecimento a ao amor de Deus, deixam de ser aceitáveis à sua vista, tornando-se, antes, em abominação diante do Senhor e nauseabundo a seu olfato: Ele se enfada de os suportar. Acima de tudo, se forem usados como uma espécie de comutação pela religião a que são destinados a servir, não é fácil encontrar palavras que definam a enorme loucura e iniquidade dos que assim voltam contra Deus as suas próprias armas, afastando do coração o Cristianismo pelos próprios meios que foram instituídos para trazê-lo ao coração.
3. Igualmente confessamos que todos os meios exteriores, quaisquer que sejam, se apartados do Espírito Santo, de modo algum podem ser de proveito, não conduzindo, de forma alguma, nem ao conhecimento, nem ao amor de Deus. Sem contestação, o auxílio dado sobre a terra é Deus quem no-lo dá. Somente Ele opera em nós, por seu ilimitado poder, aquilo que é agradável à sua vista; e todas as coisas exteriores, a não ser que o Senhor opere nelas e por elas, são simples elementos fracos e fantasiosos. Quem quer, pois, que imagine haver algum poder intrínseco em não importa que meios, erra completamente, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Sabemos que nenhum poder inerente existe nas palavras pronunciadas na oração, na letra lida nas Escrituras, no som dos vocábulos da Escritura percebido pelos que ouvem, ou no pão e no vinho recebidos na Ceia do Senhor, mas que só Deus é o Doador da toda a boa dádiva, o Autor de toda a graça: visto que todo poder lhe pertence, por esse poder, e através de qualquer dos meios, haverá uma benção comunicada às nossas almas. Sabemos, do mesmo modo, que Deus seria capaz de conceber a mesma graça, embora não houvesse meios sobre a face da terra. Neste sentido podemos afirmar que, do ponto de vista de Deus, não existe aquilo a que chamamos meios, uma vez que Ele é igualmente capaz de operar o que lhe aprouver, por algum meio sem meio algum.
4. Confessamos, ainda mais, que o uso de todos os meios nunca fará propiciação por um pecado sequer; que é apenas pelo sangue de Cristo que qualquer pecador pode ser reconciliado com Deus, não existindo nenhuma outra propiciação por nossos pecados, nenhuma outra fonte que lave o pecado e a impureza.
Todo crente em Cristo está profundamente convencido de que nenhum mérito existe senão nele; que nenhum mérito existe em qualquer obra humana, nem no atender às orações, ou pesquisar as Escrituras, ou ouvir a Palavra de Deus, ou come aquele pão ou beber daquele cálice. Assim é que, se pela expressão de que alguns têm usado:— “Cristo é o único meio de graça” – não se entender mais do que – Ele é a causa única meritória da graça, — não pode haver desmentido da parte de ninguém que conheça a graça de Deus.
5. Confessamos uma vez mais, embora se trate de verdade triste, que um vasto número dos que se chamam cristãos até este dia abusa dos meios de graça, para perdição de sua alma. Este é indubitavelmente o caso daqueles que se contentam com a forma de piedade, sem seu poder, quer apaixonadamente pretendam ser já cristãos, porque fazem isso ou aquilo, embora Cristo jamais se tenha revelado a seus corações, nem jamais tenha sido o amor de Deus derramado neles, - quer suponham que
serão infalivelmente cristãos, meramente porque usam desses meios, ociosamente sonhando (talvez tendo a custo consciência disto), que haja qualquer parcela de poder nesses meios, graças ao qual, mais cedo ou
mais tarde (não sabem quando), serão certamente santificados, ou que haja uma espécie de mérito no uso desses meios, mérito que levará o Senhor a lhes dar santidade, ou aceitá-los sem ela.
6. Tampouco compreendem o grande fundamento de todo o edifício cristão:— “Pela graça sois salvos”: sois salvos de vossos pecados, da culpa e do poder do pecado; sois restaurados no favor de Deus e renovados segundo sua imagem, não por quaisquer obras, méritos ou merecimentos que tenhais, mas pela livre graça, pela simples misericórdia de Deus, pelos méritos de seu Filho Bem-amado: sois salvos, não por qualquer poder, sabedoria ou força que haja em vós, ou em qualquer outra criatura, mas simplesmente através da graça ou poder do Espírito Santo, que opera tudo em todas as coisas.
7. Mas a questão principal permanece: “Sabemos que essa salvação é dádiva e obra de Deus; como, porém, (pode dizer alguém que esteja convencido de que a não possui), posso alcançá-la?” Se disseres: “Crê, e serás salvo!”, ele responderá: “É verdade; como, porém, crerei?” Replicas: “Espera em Deus”.
“Bem; mas, como deverei esperar?” “Nos meios de graça ou fora deles? Devo esperar pela graça de Deus que traz a salvação, usando desses meios ou pondo-os de lado?”
8. Não é possível conceber-se que a Palavra de Deus não forneça direções em ponto tão importante, ou que o Filho de Deus, descendo dos céus por nós, homens, e para nossa salvação, deixasse-nos às escuras sobre o assunto em que nossa salvação está tão estreitamente empenhada.
De fato, Ele não nos deixou na incerteza, mas, ao contrário, mostrou-nos o caminho por onde devemos seguir. Temos apenas de consultar os Oráculos de Deus, investigar o que ali se acha escrito; e, se nos
conduzirmos somente segundo sua direção, não haverá possibilidade de que em nós perdure qualquer dúvida.

III
1. Segundo a decisão do Sagrado Escrito, todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela através dos meios ordenados por Deus, usando-os e não os deixando à margem.
E, primeiro, todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela na prática da oração. Esta é a expressa orientação dada pelo próprio Senhor nosso. Em seu Sermão do Monte, depois de haver explanado com abundância em que consiste a religião e seus aspectos principais, acrescenta: “Pedi, e dar-ser-vos-á; buscai, e achareis, batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” (Mt 7.7,8). Por estas palavras somos incitados, de modo mais frisante, a pedir, para que recebamos ou como meio de recebermos; a buscar, para que achemos a graça de Deus, a pérola de grande preço; e a bater, a continuar pedindo e buscando, se quisermos entrar em seu Reino.
2. Para que nenhuma dúvida pudesse subsistir, nosso Senhor fere esse ponto da maneira mais incisiva, apelando para o próprio coração do homem: “Qual de vós dará a seu filho uma pedra, se ele lhe pedir pão? Ou uma serpente, se pedir peixe? Ora, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial”, o Pai de anjos e homens, o Pai dos espíritos de toda carne, “dará boas coisas aos que lhas pedirem?” (versículos 9-11). Ou, como Jesus se expressa em outra ocasião, reunindo numa só todas as coisas excelentes: “Quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc 11.13). Dever-se-ia observar particularmente aqui que as pessoas incitadas a pedir não tinham até então recebido o Espírito Santo; não obstante, nosso Senhor as exortava a que usem desse meio, e promete que ele seria eficaz; promete que, pedindo, receberiam o Espírito Santo da parte daquele cuja misericórdia está sobre todas as suas obras.
3. A necessidade absoluta de usar deste meio, se quisermos receber algum dom de Deus, ressalta ainda mais da notável passagem que imediatamente precede àquelas palavras: “E Ele lhes disse”, exatamente quando ensinava a orar: “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu acaba de chegar de uma viagem à minha casa, e nada tenho para lhe oferecer; e se do interior o outro lhe responder: não me incomodes; não posso levantar-me para tos dar. Digo-vos: embora não se levante para lhos dar ser seu amigo, ao menos por causa de sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar. E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á” (Lc 11.5,7,9). “Embora não se levante para lhos dar por seu amigo, ao menos por causa de sua importunação se levantará e lhe dará tudo que necessitar”. Como poderia nosso bendito Senhor declarar de modo mais claro, que podemos receber de Deus, por este meio, ou seja, pela solicitação importuna, aquilo que de outro modo não receberíamos de forma alguma?
4. “Ele propôs também outra parábola, para o fim de mostrar que os homens deveriam orar sempre e não desanimar” até que, através desse meio, pudessem receber de Deus toda a petição que fizessem: “Havia em certa cidade um juiz, que não temia a Deus, nem respeitava os homens. Havia também naquela mesma cidade uma viúva que vinha constantemente ter com ele, dizendo: defende-me do meu adversário. Ele por algum tempo não a queria atender; mas depois disse consigo: Se bem que eu não tema a Deus, nem respeite os homens, todavia, como esta viúva me incomoda, julgarei a sua causa, para que ela não continue a molestar-me com as suas visitas”. (Lc 18.1-5). A aplicação desta parábola fê-la o próprio Senhor: “Ouvi o que disse do juiz iníquo!” Porque ela continua a pedir, porque não aceitará escusas, eu julgarei sua causa. “E Deus não fará justiça a seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite? Digo-vos que bem depressa lhes fará justiça”, se eles orarem e não se cansarem.
5. Igual ensino, claro e preciso, no tocante à espera das bênçãos de Deus através da oração privada, com a promessa categórica de que, por esse meio, obteremos a rogativa de nossos lábios, deu-nos o Senhor naquelas bem conhecidas palavras: “entra no teu quarto e, fachada a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te retribuirá”. (Mt 6.6).
6. Se fosse possível que qualquer direção se fizesse mais clara, teríamos ainda a que nos foi dada pelo apóstolo, a respeito da oração de qualquer espécie, seja pública ou particular, e a benção a ela anexada:
“Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que dá a todos liberalmente”, se eles pedirem; de outra sorte “não tendes”, “porque não pedis”. Deus “não impropera” e “ser-lhe-á dado”. (Tg 1.5; 4.2).
Se se objetar: “Mas esta não é uma direção dada a incrédulos, aos que não conhecem a graça perdoadora de Deus, porque o apóstolo acrescenta: Peça-a, porém, com fé; de outro modo, não pense o tal que receberá do Senhor alguma coisa”.
Respondo: a significação da palavra fé, neste lugar, foi fixada pelo próprio apóstolo, no propósito, por assim dizer, de aparar tal objeção, nas expressões que imediatamente se seguem: “Peça com fé, nada duvidando” – nada duvidando, mhden diakrinomenov, no original grego: não duvidando de que Deus ouça sua oração e cumpra o desejo de sua alma. O grande e blasfemo absurdo de supor que a palavra fé, neste lugar, possa tomar-se na plena significação cristã, resulta disto: pressupor que o Espírito Santo encoraje o homem, que ele sabe não ter essa fé (que é aí chamada sabedoria), e pedi-la a Deus, com a promessa categórica de que lhe “será dada”, e imediatamente depois acrescentar “que ela não lhe será dada”, a não ser que a possua antes de pedir! Mas, quem pode nutrir uma tal suposição? Desta Escritura, como das demais acima citadas, devemos inferir que todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela em oração.
7. Em segundo lugar, todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela, investigando as Escrituras.
As direções de nosso Senhor, em relação ao uso desse meio, são do mesmo modo claras e precisas.
“Examinai as Escrituras” – disse ele aos judeus incrédulos – “porque elas dão testemunho de mim” (Jo 5.39). Cristo os incitou à pesquisa das Escrituras exatamente em este propósito, isto é para que pudessem
crer nele.
A objeção segundo a qual “não se trata aí de um mandamento, mas somente de uma alusão ao fato de eles examinarem as Escrituras” é clamorosamente falsa. Desejo que os que assim pensam nos digam como pode um mandamento ser mais claramente expresso do que o foi naqueles termos: Eraunate taV Urafav?
E tão peremptório como as próprias palavras podem sê-lo.
Que a benção de Deus acompanha o uso desse meio, ressalta do que está escrito acerca dos Bereanos,que, após ouvirem a S. Paulo, “investigavam diariamente as Escrituras, verificando se aquelas coisas eram assim. Por isso muitos deles criam”, encontrando a graça de Deus no caminho que Ele havia proposto (At 17.11,12).
É provável, na verdade, que, no tocante a alguns dos que “receberam a palavra com avidez”, a “fé lhes viesse”, como diz o mesmo apóstolo, “pelo ouvido”, sendo apenas confirmada pelo exame das Escrituras; mas já foi observado acima que, sob a expressão genérica de examinar as Escrituras, tanto se pode entender a leitura, como a audição e a meditação de Palavra.
8. E que este seja um meio de graça pelo qual Deus não apenas concede, mas ainda confirma e aumenta a verdadeira sabedoria, aprendemo-lo das palavras de S. Paulo e Timóteo: “Desde a meninice tu sabes as Sagradas Letras, que são capazes de fazer-te sábio para a salvação, mediante a fé que há em Cristo Jesus”
(2Tm 3.15). A mesma verdade, isto é, a verdade de ser este um grande meio que Deus ordenou para comunicar ao homem sua graça multiforme, é revelada, da maneira mais clara que se possa conceber, nas palavras que imediatamente se seguem: “Toda Escritura divinamente inspirada”, isto é, toda Escritura infalivelmente verdadeira, “é também útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para instruir na justiça”, para que “o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda a boa obra”
(versículos 16 e 17).
9. Observar-se-á que isso foi inicialmente, diretamente dito das Escrituras que Timóteo desde a infância tinha aprendido, as quais devem ter sido as do Velho Testamento, porque o Novo ainda não tinha sido escrito. Quão longe estava S. Paulo (embora ele “não fosse em nada inferior aos principais dentre os apóstolos”, nem, como presumo, inferior a qualquer homem existente sobre a terra), de fazer pouco caso do Velho Testamento! Guardai-vos disto, para que não suceda que algum dia vos “maravilheis e pereçais”, vós que em tão baixa conta tendes metade dos Oráculos de Deus! Sim, e aquela metade da qual o Espírito Santo expressamente diz ser “proveitosa” como meio ordenado por Deus exatamente para “ensinar, repreender, corrigir e instrui na justiça”, para o fim de “ser o homem perfeito e perfeitamente preparado para toda a boa Obra”!
10. Nem é proveitosa somente aos homens de Deus, àqueles que já andam à luz de sua faca, mas também àqueles que ainda estão nas trevas, buscando ao que não conhecem. Assim diz também S. Pedro: “Temos ainda mais segura a palavra dos profetas”, literalmente E nós temos a palavra profética mais segura - Kai ecomen Bebaioteron ton profhtikon logon; confirmada pelo fato de sermos “testemunhas visuais de sua majestade” e tendo “ouvido a voz que veio da excelente glória”, “para qual” (palavra profética”, “fazeis bem de atentar, como para uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça e a estrela da lava surja em vossos corações” (2Pd 1.19). Que todo aquele que deseja que esse dia clareie em seu coração, por ele espere através da investigação das Escrituras.
11. Em terceiro lugar, todos que desejam crescer na graça de Deus, devem esperar por isto, participando da Ceia do Senhor, pois que também esta é a orientação dada por Ele: “Na mesma noite em que foi traído,Ele tomou o pão e partiu-o, dizendo: Tomai e comei; este é o meu corpo”, isto é, o símbolo sagrado de meu corpo; “fazei isto em memória de mim”. Do mesmo modo Ele “tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue”, o sinal sagrado desse novo testamento ou pacto: “fazei isto em memória de mim. Pois todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Co 11.23ss): abertamente exibireis o mesmo sacrifício, por aqueles sinais visíveis, diante de Deus, anjos e homens; manifestareis vossa lembrança solene de sua morte, até que Ele venha nas nuvens do céu. Somente “prove-se”, primeiro, “o homem a si mesmo” e veja se compreende a natureza e o desígnio dessa santa instituição, e se realmente deseja conformar-se à morte de Cristo; assim, nada duvidando, “coma aquele pão e beba aquele cálice” (versículo 28).
Temos, pois, que a primitiva direção dada por nosso Senhor é expressamente repetida pelo apóstolo: “coma, beba”; (esqietw pinetw, ambos do imperativo), palavras que não foram empregadas em sentido meramente permissivo, mas no caráter de mandamento claro e explícito; mandamento dirigido a todos os que já estejam cheios de paz e alegria na fé, ou que possam verdadeiramente dizer: “a lembrança de nossos pecados nos é dolorosa, o peso deles nos é intolerável”.
12. E que esse também seja um meio ordinário, autorizado, através do qual se recebe a graça de Deus, é evidente das palavras do apóstolo que ocorrem no capítulo precedente: “O cálice de benção que abençoamos não é a comunhão”, ou comunicação “do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? (1Co 10.16). O comer aquele pão e o beber aquele cálice não constituem meios exteriores, visíveis, através dos quis Deus comunica a nossas almas toda a graça espiritual, a justiça, a paz e o gozo no Espírito Santo, que foram adquiridos pelo corpo de Cristo, uma vez quebrado, e pelo seu sangue, uma vez derramado por nós? Comam, pois, do pão e bebam do cálice, todos os que verdadeiramente desejam a graça de Deus.

IV
1. Mas, apesar de haver o Senhor tão claramente apontado ou meios através dos quais Ele deverá ser procurado, inumeráveis são as objeções que certos homens, sábios a seus próprios olhos, têm, de tempo em tempo, arguido contra eles. Pode ser de utilidade a consideração de algumas delas, não porque tenham valor em si mesmas, mas porque têm sido usadas com frequência, especialmente nos últimos anos, no intuito de fazer que o estropiado erre o caminho; para perturbar e subverter os que corriam bem, até o próprio Satanás se transforma em anjo de luz.
A primeira e principal objeção é esta: “Não podeis usar esses meios de graça (como os denominais), sem confiar neles”. Rogo que me indiques onde isto se acha registrado. Espero que me mostreis alguma passagem clara das Escrituras em abono dessa asserção; do contrário não a receberei, porque não estou convencido de que sois mais sábios do que Deus. Se realmente fosse como dizeis, por certo que Cristo havia de sabê-lo; se o soubesse, seguramente nos teria prevenido, tê-lo-ia revelado há muito tempo. Por esta razão, porque não o fez, porque não há nenhum vestígio de semelhante teoria em parte alguma da Revelação de Jesus Cristo, estou tão perfeitamente certo de que é falsa vossa asserção, quanto o estou de que procede de Deus aquela Revelação.
“Entretanto, põe-nos de parte por um curto prazo, e verás se nele confias, ou não”. Assim, devo desobedecer a Deus para saber se confio na obediência a Ele! E ainda formulais um tal conselho?
Ensinais deliberadamente a “fazer o mal, para que venha o bem?” Oh! Tremei em face da sentença de Deus contra tais mestres! Sua “condenação é justa”.
“Pois bem: se ficas conturbado quando pões de parte os meios de graça, é claro que neles confias”. Nem tanto. Se fico triste quando voluntariamente desobedeço a Deus, é claro que seu Espírito ainda está lutando comigo; mas, se a prática voluntária do pecado não me perturba, claro é que me encontro entregue à reprovação. Mas, que entendeis pela expressão “confiar neles”? Esperar pelas bênçãos de Deus através deles? Acreditar que, procurando esse caminho, alcançarei o que de outro modo não obteria?
Assim procedo. E isso farei, auxiliando-me Deus, até o fim de minha vida. Pela graça de Deus assim confiarei nos meios de graça até o dia da morte, isto é, crerei que aquilo que Deus prometeu, Ele é bastante fiel para cumprir. Visto que Deus prometeu abençoar-me por esse meio, confio em que sucederá segundo sua palavra.
2. Objeta-se, em segundo lugar, que “Isto é procurar a salvação pelas obras”. Conheceis a expressão que empregais? Que é procurar a salvação pelas obras? Nos escritos de S. Paulo significa procurar ser salvo pela observância das obras rituais da lei mosaica, ou esperar a salvação em atenção às nossas próprias obras, ou pelos méritos de nossa própria justiça. Que existe de parecido com isto no fato de eu permanecer no caminho que Deus ordenou, esperando que nele me encontre o Senhor, já que Ele prometeu fazê-lo?
Espero que Ele cumpra sua palavra, que me encontre e abençoe nesse caminho. Não por amor de quaisquer obras, que não as tenho; nem pelos méritos de minha justiça, que é nula; mas exclusivamente pelos merecimentos, sofrimentos e amor de seu Filho, em que Ele sempre se compraz.
3. Objeta-se com veemência, em terceiro lugar, que “Cristo é o único meio de graça”. Respondo: isto é simples jogo de palavras. Analisai vossa expressão e a objeção logo se esvairá. Quando dizemos que “a oração é um meio de graça”, entendemos que ela seja um canal através do qual a graça de Deus se comunica. Quando dizeis que “Cristo é o único meio de graça”, entendeis ser Cristo o único preço e o adquirente dessa graça, ou que “ninguém vem ao Pai senão por Ele”. E quem o nega? Isto é, porém,inteiramente destituído de dúvida.
4. “Mas a Escritura”, objeta-se, em quarto lugar, “não nos exorta a esperar pela salvação? Não diz Davi: Minha alma espera em Deus, porque dele vem minha salvação? E a mesma coisa não no-lo ensina Isaías, dizendo: ó Senhor, temos esperado por ti?” Nada disso pode ser negado. Visto que a salvação é dádiva de Deus, nele indubitavelmente devemos esperar. Como devemos, entretanto, esperar? Se o próprio Deus indicou o meio, podemos nós descobrir um melhor processo de expectação? Que Ele tenha indicado meios, já se mostrou com abundância de provas, o mesmo se verificando acerca de quais sejam esses meios. As próprias palavras do profeta, que citais, colocam o assunto fora de qualquer discussão, pois que a sentença completa assim se enuncia: No caminho de teus juízos”, ou ordenanças, “ó Senhor, temos esperado por ti”. (Is 26.8). E a mesma coisa, no mesmo caminho, espera Davi, como abundantemente o testificam suas próprias palavras: “Tenho esperado por tua graça salutar, ó Senhor, e tenho guardado tua lei. Ensina-me, ó Senhor, o caminho de teus estatutos, e eu os guardarei até o fim”.
5. “Sim, - dizem alguns – mas Deus indicou outro caminho: Repousai, e vede a salvação de Deus”.
Examinemos as Escrituras a que vos referis.
A primeira delas, com seu contexto, diz assim: “E como Faraó se avizinhasse, levantando os filhos de Israel os olhos, viram os egípcios nas suas costas: e ficaram passados de medo: e clamaram ao Senhor. E
disseram a Moisés: talvez não houvesse sepulturas no Egito, e por isso nos tirastes de lá, para morrermos neste deserto. E Moisés disse ao povo: Não temais, permanecei firmes, e vereis a salvação do Senhor. E o Senhor disse a Moisés: Dize aos filhos de Israel que marchem. E tu levantas o teu cajado, e estende a tua mão sobre o mar, e divide-o, para que os filhos de Israel caminhem em seco pelo meio do mar”. (Êx 14.10ss) Esta era a salvação de Deus, que eles esperavam ver, avançando com todas as suas forças.
A outra passagem em que ocorre aquela expressão é a seguinte: “E vieram mensageiros e avisaram a Josafá, dizendo: Eis que aí vem contra ti uma grande multidão daqueles lugares que estão da banda do além do mar. E Josafá, passado de medo, se aplicou inteiramente a rodar ao Senhor, e fez publicar um jejum em todo o Judá. E Judá se ajuntou para implorar o Senhor: e até todos saíram das suas cidades para lhe fazerem rogativas. E Josafá se pôs de pé no meio da congregação, na casa do Senhor. – Então sobre Jehaziel veio o Espírito do Senhor, e disse: Não vos assusteis, nem tenhais medo dessa grande multidão.
Amanhã ireis contra eles, e não tereis necessidade de combater nessa batalha. Tende confiança e vereis a salvação do Senhor. E levantando-se pela manhã, marcharam. E tendo eles começado a cantar louvores, o
Senhor revirou as ciladas dos inimigos contra si mesmos, isto é, os desígnios dos filhos de Amon, e de Moabe, e dos montanheses de Seir. E uns aos outros se deram cabo às cutiladas”. (2Cr 20.2ss). Tal foi a salvação que os filhos de Judá viram. De que maneira podem essas coisas provar que não devamos esperar pela graça de Deus, através dos meios que Ele ordenou?
6. Somente mais uma objeção ainda mencionaremos, a qual, na verdade, não pertence propriamente a este assunto: entretanto, porque tem sido tão frequentemente levantada, não se pode de todo deixá-la à margem.
“Não diz S. Paulo: Se morrestes com Cristo, pó que vos sujeitais às ordenanças? (Cl 2.20). Logo, o cristão, que morreu com Cristo, não mais tem necessidade de usar as ordenanças”.
Assim sendo, tirais a seguinte inferência: “Se sou cristão, não estou sujeito às ordenanças de Cristo!”
Evidentemente, pelo absurdo da conclusão, podeis ver de relance que as ordenanças ali mencionadas não podem ser as ordenanças de Cristo: são, ao revés, e necessariamente, as ordenanças judaicas, às quais é certo que o cristão já não está sujeito. A mesma irrecusabilidade transparece das palavras que imediatamente se seguem: “Não toqueis, nem proveis, nem manuseeis semelhantes coisas”, tudo evidentemente se referindo às antigas ordenanças da lei judaica.
Deste modo essa objeção vem a ser a mais fraca de todas. A despeito de tudo, aquela grande verdade permanece inabalável, de modo que todos os que desejam a graça de Deus, devem esperar por ela na observância dos meios que Ele ordenou.

V
1. Estabelecido esta ponto, isto é, que todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela na observância dos meios que Ele ordenou, pode-se perguntar ainda: Como devem ser usados esses meios, isto é, qual a ordem e qual a maneira de usá-los? Em relação à ordem, observamos que há certa regra, segundo a qual é, geralmente, do agrado de Deus usar desses meios para levar os pecadores à salvação. O estúpido, o insensato, o desgraçado pecador vai seguindo seu caminho, não tendo a Deus em seus pensamentos, — quando, de surpresa, Deus vem ao seu encontro, talvez por meio de um sermão ou de uma conversa que desperta, talvez por uma terrível providência, ou pode ser que por meio de um toque imediato de seu Espírito esclarecedor, absolutamente sem nenhum meio externo. Tendo agora vivo desejo de fugir à ira vindoura, deliberadamente vai ouvir a Palavra, de modo que lhe for dado fazê-lo. E encontra um pregador que fale ao coração, ele se espanta e começa a investigar nas Escrituras se essas coisas são assim. Quanto mais ouve e lê, mais convencido se torna, e mais intensamente medita essa Palavra dia e noite. Talvez encontre algum outro livro que explique e corrobore o que ele ouve e lê nas Escrituras. E por todos esses meios, os dardos da convicção penetram-lhe fundamente na alma. Começa também a falar das coisas de Deus, que dominam seus pensamentos, sim, e a falar com Deus, e orar a Deus, embora, de medo e de vergonha, mal sabia o que dizer. Mas, quer fale ou não, nada pode fazer senão orar, ainda que o faça somente através de “gemidos inexprimíveis”. Estando em dúvida dobre se “o Alto e Sublime, que habita a eternidade”, atentará para um tal pecador, deseja orar com os que conhecem a Deus, com fiéis, em meio da grande congregação.
Mas aí observa que outros vão à mesa do Senhor. Ele considera: “Cristo disse: Fazei isto! Como é que eu não faço? Sou demasiadamente pecador! Não sou digno. Não o mereço”. Após relutar por um momento em meio daquelas ideias e daqueles escrúpulos, levanta-se e vai à mesa do Senhor. E assim continua no caminho de Deus, ouvindo, lendo, meditando, orando e participando da Ceia do Senhor, até que Deus, de modo que lhe apraz, diz a seu coração: “Tua fé te salvou. Vai em paz”.
2. Observando esta ordem seguida por Deus, aprendemos quais sejamos meios recomendados e cada alma em particular. Se algum deles consegue tocar o estulto, descuidado pecador, provavelmente é pelo ouvir, ou pela conversação. Aos tais poderíamos, pois, recomendar esses meios, no caso de não terem tido nenhum pensamento acerca da salvação. A quem comece a sentir o peso de seus pecados, não só o ouvir, mas também a leitura da Palavra de Deus, e mesmo talvez de mais alguns livros sérios, pode ser um meio de convicção mais profunda. Não deves incutir no seu espírito a necessidade de também meditar sobre o que lê, para que as verdades, e não se envergonhar delas, principalmente em meio dos que seguem o mesmo caminho? Quando a perturbação e o abatimento caem sobre ele, não seria o momento exato de exortá-lo ardentemente a que derrame sua alma perante Deus, a “orar sempre e não desfalecer?” E,
sentindo o pecador a indignidade de suas próprias orações, não deves cooperar com Deus, lembrando-lhe a conveniência de subir à casa do Senhor e ali orar com todos os que temem a Deus? Se ele fizer isso, a palavra cortante de seu Senhor logo lhe acudirá à lembrança, claro sinal de ser chegado o tampo de secundares os movimentos do Divino Espírito. E assim poderemos levá-lo, passo a passo, através dos meios que Deus estabeleceu; não segundo nossa própria vontade, mas exatamente segundo a Providência
e o Espírito de Deus passem à frente e preparem o caminho.
3. Não encontramos, entretanto, no Sagrado Escrito, nenhum mandamento no tocante à ordem a ser seguida, sendo certo que nem a Providência, nem o Espírito de Deus se apega invariavelmente a qualquer meio; ao contrário, os meios pelos quais os diferentes homens têm sido levados a buscar e achar as bênçãos divinas diferem, invertem-se, combinam-se de mil modos imagináveis. Neste ponto toda nossa sabedoria consiste em seguirmos os ditames da Providência e do Espírito, em sermos guiados nesta questão (mais especialmente quanto aos meios através dos quais nós mesmos procuramos a graça de Deus), parte por sua Providência exterior, dando-nos oportunidade de usar algumas vezes de certos meios, outras vezes de outros; parte por nossa experiência, pela qual mais frequentemente é do agrado de seu livre Espírito operar em nosso coração. Entretanto, a regra segura e geral para todo que suspira pela salvação de Deus é esta: segundo as oportunidades se apresentem, usa de todos os meios que Deus ordenou; porque, quem sabe através de qual deles virá Deus a teu encontro com a graça que traz a salvação?
4. Quanto à maneira de usar os meios de graça, maneira especial de cuja observância na verdade depende a comunicação de qualquer favor a todo aquele que o procure, importa-nos, primeiro, guardar sempre o vivo sentimento de que Deus está acima dos meios. Tenhamos cuidado em não limitarmos o Todopoderoso.
Ele opera como e quando lhe apraz, podendo comunicar sua graça através de qualquer meio ordenado – ou fora desses meios. Tudo depende de seu querer. “Quem conhece a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?” Esperai, pois, a cada momento, pela sua manifestação! Seja essa hora aquela em que estiverdes entregues à prática de suas ordenanças, seja antes ou seja depois, ou seja quando estiverdes impedidos de as observar. Ele não conhece impedimentos; está sempre pronto, sempre apto, sempre desejoso de salvar. “Ele é o Senhor; faça o que lhe parecer bem!”
Em segundo lugar, antes de usardes de qualquer meio, esteja profundamente gravado em vossa alma que – não há nenhum poder nesses meios. São, em si mesmos, uma coisa inócua, pobre, morta: separados de Deus, são uma folha seca, uma sombra. Nem há qualquer mérito no fato de eu usar desses meios: nada há que intrinsecamente agrade a Deus, nada neles há que mereça qualquer favor de suas mãos, seja sequer uma gota de água para me refrescar a língua. Mas, porque Deus manda, obedeço; porque aconselha a esperar nesse caminho, aí espero pela sua livre misericórdia, de onde vem minha salvação.
Firmai em vossos corações que o opus operatum, a mera operação realizada, de nada aproveita; que não há poder para salvar senão no Espírito de Deus, nenhum mérito, a não ser no sangue de Cristo; de modo que, ainda que Deus tenha estabelecido ordenanças, Ele não comunica à alma nenhuma graça, se não confiardes somente no Senhor. Por outro lado, aquele que verdadeiramente confia em Deus, não pode decair de sua graça, ainda que se veja privado de todas as ordenanças exteriores, ainda que se veja encerrado no centro da terra.
Em terceiro lugar, usando de todos os meios, buscai somente a Deus. Em tudo que é exterior e através de tudo, esperai somente no poder de seu Espírito e nos méritos de seu Filho. Guardai-vos de vos firmardes nas obras em si mesmas; se o fizerdes, todo vosso trabalho será em vão. Nada há que, separado de Deus, possa satisfazer vossa alma. Assim, buscai-o em tudo, através de tudo e acima de tudo.
Lembrai-vos de usar de todos os meios como meios, ordenados, não por sua própria finalidade, mas para renovar vossa alma na justiça e na verdadeira santidade. Se, pois, atualmente esses meios tendem para isso, muito bem; se não tendem, eles são escória e esterco.
Finalmente, depois de terdes usado de algum desses meios, tomai cuidado com a maneira por que vos congratulais convosco mesmos, como se houvéreis feito grande coisa. Tudo isso pode converter-se em veneno. Considerai: “De que valeria o que fizestes, se Deus não estivesse aí? Até quando? Ó Senhor, salva-nos, ou perecemos! Oh! Não nos imputes este pecado!” Se Deus estivesse convosco, se seu amor circulasse em vosso coração, não vos esqueceríeis, por assim dizer, das obras exteriores. Vedes, conheceis e sentis que Deus está em todas as coisas. Humilhai-vos. Ajoelhai-vos diante de Deus. Dai-lhe toda a glória. Que Deus seja glorificado em todas as coisas, por Cristo Jesus. Que todos os vossos ossos clamem: “Meu cântico será sempre a bondade do Senhor: com nossos lábios sempre divulgaremos tua verdade de uma a outra geração”!

⁠Esta doutrina manifesta e diretamente tende a subverter toda a Revelação Cristã, a mesma coisa ela faz, por evidente consequência, ao fazer a Revelação contradizer-se. Pois ela está fundamentada em tal interpretação de alguns textos (mais ou menos, isto não interessa) que categoricamente contradiz todos os outros textos, e de fato toda a extensão e tendência geral da Escritura.

John Wesley

Nota: Trecho do sermão 128.

A JUSTIÇA DA FÉ

Por John Wesley

“Moisés escreveu que o homem que pratica a justiça que vem da lei, viverá por ela. Mas a justiça que vem da fé, diz assim: Não digas no teu coração: Quem subirá ao céu (isto é, para trazer do alto a Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, para fazer subir a Cristo dentre os mortos)? Mas que diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé, que pregamos.” (Romanos 10.5-8)

1. O apóstolo não contrapõe o concerto feito por intermédio de Moisés à aliança feita por Cristo. Se imaginávamos isto, era por falta de observar que tanto a primeira como a última parte dessas palavras foram anunciadas pelo próprio Moisés ao povo de Israel, e dizem respeito ao pacto que já então vigorava.
(Dt 30.11, 12, 14). Mas foi o pacto da graça que Deus, através de Cristo, estabelecera com os homens em todas as idades (antes e debaixo da dispensarão judaica; como desde que Deus, se manifestou em carne), que Paulo aqui contrapôs ao pacto das obras, feito com Adão no paraíso, mas comumente tido na conta de único pacto feito por Deus com os homens, principalmente pelos judeus, acerca dos quais escreve o apóstolo.
2. Desses é que o escritor tão afetuosamente falava no começo deste capítulo: “O desejo de meu coração e a oração a Deus por Israel é no sentido de que eles sejam salvos. Pois lhes dou testemunho de que têm zelo de Deus, porém não segundo o conhecimento; pois, ignorando a justiça de Deus” (a justificação que decorre de sua inteira misericórdia, livremente perdoando nossos pecados mediante o Filho de seu amor, pela redenção que há em Jesus), “e procurando estabelecer a sua própria” (sua própria santidade, antecedendo à fé naquele “que justifica o ímpio”, como fundamenta de seu perdão e aceitação), “não se submeteram à justiça de Deus”, e, conseqüentemente, buscaram a morte no erro de sua vida.
3. Ignoravam que “Cristo é o fim da lei para a justiça de todo o que crê”; que pela oblação de si mesmo, feita uma vez, pôs fim à primeira lei ou pacto (que na verdade não foi dado por Deus a Moisés, mas a Adão, em seu estado de inocência), cujo estrito teor era, sem nenhum abrandamento, este: “Faze isto e viverás”; e, ao mesmo tempo, adquiriu-nos aquela melhor aliança: “Crê e viverás”; “crê e serás salvo”, salvo desde já, tanto da culpa como do domínio do pecado, e, em conseqüência, do salário do pecado, que é a morte.
4. E quantos há, mesmo entre os que são chamados pelo nome de Cristo, que são ainda agora igualmente ignorantes! Quantos que têm “zelo de Deus”, mas não “segundo o conhecimento”, estão procurando ainda “estabelecer sua própria justiça”, como base de seu perdão e aceitação, e por isso veementemente se negam a “submeter-se à justiça de Deus!” Certamente que o desejo de meu coração e a oração que faço a Deus por vós, é no sentido de que sejais salvos. Para remover de vosso caminho esse grande tropeço, empreendo mostrar, primeiro, qual é a “justiça que é da lei” e qual a “justiça que é da fé”; segundo, a loucura de confiar na justiça da lei e a sabedoria que há no submeter-se à justiça que é da fé.
I
1. Primeiro: “A justiça que é da lei diz: o que fizer estas coisas viverá por elas”. Constante e perfeitamente observa todas as coisas para fazê-las, e então viverás para sempre. Esta lei ou pacto (usualmente chamado pacto das obras), dado por Deus ao homem no paraíso, requeria uma obediência perfeita em todas as suas partes, uma obediência completa, não faltando em coisa alguma, como condição de sua eterna perseverança na santidade e felicidade, destino para que fora criado.
2. O pacto requeria que o homem cumprisse toda a justiça, interior e exterior, negativa e positiva; que o homem não só se abstivesse de toda palavra ociosa e evitasse toda obra má, mas que guardasse toda a afeição, todo o desejo, todo pensamento, na obediência à vontade de Deus; que se conservasse santo como é Santo aquele que o criou, tanto no coração como em toda maneira de conversação; que fosse puro de coração como Deus é puro; perfeito como seu Pai celestial é perfeito; que amasse ao Senhor seu Deus de todo seu coração, de toda sua alma, de toda sua mente e de todas as suas forças; que ele amasse a toda alma que Deus fez, como o mesmo Deus o amou; que, pela benevolência integral, estivesse em Deus (que é amor) e Deus nele; que servisse ao Senhor seu Deus de todas as suas forças, e em todas as coisas unicamente ambicionasse a glória que dele vem.
3. Essas eram as coisas que a justiça da lei requeria, para que por elas pudesse viver o que as cumprisse.
Mas a lei ainda exigia que essa obediência a Deus, essa santidade interior e exterior, essa conformidade do coração e da vida à sua vontade, fossem em grau perfeito. Nenhum abrandamento, nenhuma
indulgência poderia ocorrer, de modo a determinar qualquer redução na intensidade da obediência, fosse no tocante a um til ou iota, fosse na prática interior ou exterior da lei. Se cada mandamento relativo às coisas externas fosse obedecido, ainda isto não era bastante, a não ser que nessa obediência se empenassem todas as forças, preenchendo-a o homem na medida mais elevada e cumprindo-a da maneira mais perfeita. O amar a. Deus com todos os poderes e faculdades ainda não corresponderia à exigência do pacto, a menos que Deus fosse amado com a plena capacidade de cada faculdade, com todas as reais capacidades da alma.
4. Ainda uma coisa requeria indispensavelmente a justiça da lei: exigia que essa obediência universal, essa perfeita santidade, tanto de coração como de vida, fosse também absolutamente ininterrupta, corresse sem a mínima intermitência, desde o momento em que Deus criou o homem e infundiu em suas narinas o sopro da vida, “até o dia em que terminasse sua carreira probatória e fosse confirmado na vida eterna.
5. A justiça que é da lei fala, pois, deste modo: “Tu, ó homem de Deus, permanece em amor, à imagem de Deus segundo a qual foste feito. Se queres viver, guarda os mandamentos, que estão agora escritos em teu coração. Ama o Senhor teu Deus de todo teu coração. Ama, como a ti mesmo, a toda a alma que ele fez.
Nada desejes senão a Deus. Tem a Deus em mira através de todo pensamento, palavra e obra. Não te desvieis, num movimento insensato de corpo ou de alma, daquele que é teu alvo e o prêmio de tua alta vocação; e tudo quanto há em ti louve seu santo nome, nisto empenhando todo poder e faculdade de tua alma, em todo gênero, na mais elevada medida e em todos os momentos de tua existência. Faze isto e
viverás: brilhe tua luz, flameje teu amor, mais e mais, até que sejas recebido nos céus, na casa de Deus, para reinar com ele pelos séculos dos séculos”.
6. Mas a justiça que é da fé fala deste modo: “Não digas em teu coração: quem subirá ao céu? Isto é, para trazer de cima a Cristo”, (como se houvera alguma tarefa impossível que Deus requeresse previamente de ti, para tua aceitação); “ou, quem descerá ao abismo? Isto é, poderá trazer a Cristo dentre os mortos”,(como se ainda houvera alguma coisa a ser feita, em virtude da qual pudesse ser aceito. “Mas que diz ele?
A palavra”, de acordo com cujo teor podes ser agora aceita na qualidade de herdeiro da vida eterna, “está perto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que nós pregamos”, o novo pacto que Deus agora estabeleceu com o homem pecador, através de Cristo Jesus.
7. Por “justiça que é da fé” entende-se a condição de justificação (e, em conseqüência, de salvação presente e final, se permanecermos nela até o fim), que foi dada por Deus ao homem decaído, pelos méritos e pela mediação de seu unigênito Filho. Isto foi em parte revelado a Adão, logo depois de sua queda estando contido na promessa original, a ele feita, assim como à sua descendência, no tocante à semente da mulher, que devia esmagar a cabeça” da serpente” (Gn 3.15). Foi um pouco mais claramente revelado a Abraão pelo anjo de Deus, quando disse: “por mim mesmo jurei, diz o Senhor, que em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra” (Gn 12.16, 18). Foi mais plenamente dado a conhecer a Moisés, a Davi e aos profetas que se seguiram; e, através destes, a muitos dentre o povo de Deus em suas respectivas gerações. Mas ainda assim a massa permaneceu ignorante, sendo poucos os que tiveram real compreensão. “A vida e a imortalidade” não tinham ainda “vindo à luz” para os judeus do passado, como a nós nos vieram “pelo Evangelho”.
8. Este pacto não diz ao homem pecador: “Guarda impecável obediência e vive”. Se esta fosse a condição, não adviria maior benefício de tudo quanto Cristo fez e sofreu por ele do que colheria se lhe fosse exigido, para que pudesse viver, que “subisse ao céu e de lá trouxesse a Cristo”, ou “descesse ao abismo”, ao mundo invisível, e “trouxesse a Cristo dentre os mortos”. Embora o que é impossível ao mero homem não o seja, todavia, ao homem assistido pelo Espírito, Deus não exige, contudo; que o homem faça o impossível: isto seria, simplesmente zombar da fraqueza humana. Estritamente falando, o pacto da graça não requer, na verdade, “que façamos coisa alguma como absoluta, e indispensavelmente necessário à nossa justificação; mas exige somente crer naquele que, por amor de seu Filho e em atenção a propiciação que este fez, “justifica o ímpio que não tem obras” e lhe imputa sua fé como justiça. Também Abraão “creu no Senhor, e isto lhe foi imputado como justiça” (Gn 15.6). “E ele recebeu o, sinal da circuncisão, o selo da justiça da fé para que pudesse ser o pai de todos os que creem, e para que essa justiça pudesse ser também imputada a eles.” (Rm 4.11). “Isto não foi escrito somente por causa dele, que ela (isto é, a fé), lhe foi imputada; mas também por nossa causa, a quem ela será imputada” para a justiça, permanecendo o homem na perfeita obediência, para nossa aceitação na presença de Deus, “se nós cremos naquele que levantou a Jesus nosso Senhor dentre os mortos, o qual foi entregue” à morte “por nossas ofensas e foi ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.23-25): para segurança da remissão de
nossos pecados e garantia de uma segunda vida, em relação aos que creem.
9. Que diz, pois, o concerto de perdão, de amor imerecido, de misericórdia perdoadora? “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”. No dia em que tu creres, certamente viverás. Serás restaurado no favor de Deus; e em seu” beneplácito está a vida. Serás salvo da maldição e da ira de Deus. Passarás da morte do pecado para a vida da justiça. E, se perseverares até o fim, crendo em Jesus, jamais provarás a segunda morte; antes, havendo padecido com teu Senhor, com Ele também viverás e reinarás pelos séculos dos séculos.
10. Agora “esta palavra está próxima de ti”. Esta condição de vida é clara e fácil, sempre estando ao alcance da mão. “Está em tua boca e em teu coração”, mediante a operação do Espírito de Deus. “No momento em que creres em teu coração” naquele a quem Deus “levantou da morte”, e “confessares com tua boca o Senhor Jesus” como teu Senhor e teu Deus, “serás salvo” da condenação, da culpa e da punição de teus pecados primitivos, e terás poder de servir a Deus em verdadeira santidade, ao longo dos dias restantes de tua vida.
11. Qual é, pois, a diferença entre a “justiça que é da lei” e a “justiça que é da fé”, entre o primeiro pacto, ou o pacto das obras, e o segundo, que é o pacto da graça? A essencial, imutável diferença, é esta: um supõe o homem previamente santo e feliz, criado à imagem de Deus e gozando de seu favor, e prescreve a condição sob a qual possa continuar assim, em amor e alegria, vida e imortalidade; o outro supõe ser o homem atualmente ímpio e infeliz, decaído da gloriosa imagem de Deus, tendo sobre si a ira do Senhor e correndo, devido ao pecado, pelo qual sua alma está morta, rumo à destruição corporal e à perdição eterna; e ao homem em tal estado prescreve-se a condição pela qual possa recuperar a pérola que havia perdido, reaver a graça e reavivar a imagem do Criador, restabelecer a vida divina em sua, alma e ser restaurado no conhecimento e no amor de Deus, que é o princípio da vida eterna.
12. Mais: o pacto das obras requeria do homem perfeito, para que continuasse no favor de Deus, em seu conhecimento e amor, uma perfeita e ininterrupta obediência a cada artigo da lei de Deus; enquanto que o segundo pacto, para possibilitar ao pecador a reaquisição da graça: e da vida divina, requer somente fé, a viva fé naquele que, através de Deus, justifica o que não obedece.
13. Ainda mais: o pacto das obras requeria de Adão e de todos os seus filhos o pagamento do preço de si mesmos, de modo que pudessem receber todas as bênçãos futuras de Deus. Mas no pacto da graça, vendo Deus que não” tínhamos nada com que pagar, “francamente nos perdoou tudo”, sob a condição, porém, de crermos naquele que por nós pagou o preço de resgate, isto é, naquele que se deu a si mesmo em “propiciação pelos nossos pecados e, não somente pelos nossos, mas pelos de todo o mundo”.
14. Assim, o primeiro pacto requeria aquilo que está muito fora do alcance dos filhos dos homens, isto é,
a obediência perfeita, que longe está dos que são “concebidos e nascidos em pecado”; enquanto que o
segundo requer o que está muito à mão, de modo a poder afirmar: “Tu és pecado, Deus é amor! Tu, pelo
pecado, decaíste da graça de Deus; todavia em Deus “ainda há misericórdia. Traze todos os teus pecados
perante o Deus perdoador, e eles se dissiparão como fumo. Se não foras ímpio, não haveria lugar para que Ele te perdoasse como ímpio. Aproximaste agora, em plena segurança da fé. Ele fala, e o que diz sem falta se cumpre. Não temas: crê somente; porque o justo Deus justifica a todo aquele que crê em Jesus”.

II
1. Consideradas estas coisas, fácil será mostrar, como, em segundo lugar, prometi fazê-lo, a loucura de confiar na “justiça que é da lei” e a sabedoria que há em “submeter-se à “justiça que é da fé”.
A loucura daqueles que ainda confiam na “justiça que é da lei”, cujos termos são: “Faze isto e viverás”, claramente ressalta desde logo: eles partem do erro; seu primeiro passo é um engano fundamental: porque, antes que pensem em reclamar qualquer bênção, nos termos desse pacto, devem supor-se na condição daquele com quem o pacto se fez. Quão frívola seria, entretanto, tal suposição! O pacto fora feito com Adão em estado de inocência! Quão fraco deve ser, logo, todo o edifício desde que repouse sobre tal fundamento! E como são loucos os que assim constroem sobre a areia, parecendo nunca terem considerado que o pacto das obras não foi dado aos homens que estavam “mortos em palitos e pecados”, mas querido o homem se fizera vivo em relação a Deus, quando não conhecia pecado, mas era santo como Deus é santo; como são loucos os que se esquecem de que tal concerto jamais teve a função de restabelecer na alma, uma vez perdidas, a graça e a vida de” Deus; mas somente a continuação e o aumento dos favores espirituais, até que estes se completem na vida eterna!
2. Nem eles consideram, os que estão tentando estabelecer sua “própria justiça, que é da lei”, que espécie de obediência ou justiça a lei indispensavelmente exige. A obediência deve ser perfeita e integra em todos os pontos; do contrário não responderá às exigências da lei. Mas, qual de vós é capaz de realizar tal obediência, e, consequentemente, viver por ela? Quem dentre vós cumpre todo iota ou til, mesmo dos mandamentos exteriores do Deus, coisa alguma fazendo, grande ou pequena, que Deus proíba; nada deixando de fazer de tudo quanto Ele recomenda; não pronunciando nenhuma palavra ociosa, mas tendo a conversação sempre “apta a ministrar graça aos ouvintes”; e observando o que diz o apóstolo: “quer com ais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”? E vós, pecadores, muito menos capazes sois de cumprir todos os mandamentos internos de Deus ― aqueles que exigem que todo impulso e todo movimento de vossa alma sejam santidade à vista do Senhor! Sois capazes de “amar a Deus que todo vosso coração”, de amar a toda a humanidade como à vossa própria alma, de “orar sem cessar, de em tudo dar graças”, de ter a Deus sempre diante de vos e de guardar toda afeição, desejo e pensamento na obediência e essa lei?
3. Deveis também considerar que a justiça da lei requer, não apenas obediência a cada mandamento de Deus, negativo e positivo, interno e externo, mas do mesmo modo exige que ta! Obediência se mantenha em grau perfeito. Em cada caso a voz da lei é esta: “Servirás ao Senhor teu Deus de toda tua força”: não concede redução de espécie alguma, não escusa nenhum defeito; condena qualquer discrepância
verificada na inteira medida da obediência e imediatamente pronuncia a maldição contra o transgressor. A lei somente encara as regras invariáveis da justiça, e diz: “Não sei usar de misericórdia!”
4. Quem pode, logo, aparecer diante de tal Juiz, que é “severo para anotar o que seja encontrado em falta”? Quão fracos são os que desejam ser levados ao tribunal, onde “nenhuma carne pode ser justificada” - alma alguma da descendência de Adão! Porque, suponhamos que no presente guardemos, de todas as nossas forças, todos os mandamentos: eis que sobrevém uma transgressão mínima - e toda nossa aspiração à vida será no mesmo instante irremediavelmente destruída! Se transgredirmos um ponto qualquer da lei, acabou-se nossa justiça, visto que a lei condena tudo quanto não preencha a medida contínua e perfeita da obediência. Assim, de acordo com a sentença da lei, para o que tenha pecado uma vez, de qualquer modo, “permanece apenas uma tremenda expectação de ardente ira, que devorará os adversários de Deus”.
5. Não é, pois, loucura das loucuras, procurar o homem decaído alcançar a vida através dessa justiça; o homem, que foi “concebido em iniquidade e em pecado o concebeu sua mãe”; o homem, que é, por natureza, inteiramente “terreno, sensual e diabólico”, a par de “corrupto e abominável”, em quem, até que encontre a graça, “não habita nenhum bem”, nem pode de si mesmo nutrir nenhum pensamento bom; o homem, que é, na verdade, todo pecado, um simples amontoado de iniquidade e que comete impiedade a cada respirar; o homem, cujas transgressões atuais, em palavras e obras, são em número maior que o de seus cabelos?! Que obtusidade, que insensatez é necessária para que um tal verme impuro, culpado,desamparado, ouse buscar aceitação por sua própria justiça, ouse viver pela “justiça” que é da “lei”!
6. Ora, todas as considerações que provam a loucura de confiar na “justiça que é da lei”, igualmente provam a sabedoria que há no submeter-se o homem à “justiça que é, de Deus pela fé”. Seria fácil mostrar isto pelo confronto de cada uma das considerações precedentes. Desisto, porém, de tal demonstração, já que a sabedoria do primeiro passo dado em direção à. fé, - a renúncia de nossa própria justiça, - claramente evidencia desde logo que estamos agindo de acordo com a verdade e com a real natureza das coisas. Que está mais de acordo com a verdade do que reconhecermos em nosso coração e declararmos pelos nossos lábios o estado verdadeiro em que nos encontramos? Reconhecermos que conosco trazemos para o mundo umas naturezas corruptas, pecaminosas; mais corrupta, na verdade, do que poderíamos à primeira vista conceber ou encontrar palavras que o traduzissem; que, em razão disto, estamos prontos para tudo que é mau e somos avessos a todo bem; que estamos cheios de orgulho, obstinação, paixões desordenadas, desejos insensatos, afeições vis e atordoantes; que somos amigos do mundo, mais amigos dos prazeres do que de Deus? Reconhecermos que nossa vida não tem sido melhor do que nossos corações, sendo antes ímpia e perversa sob muitos aspectos, de modo que nossos pecados atuais, tanto em palavras como em obras, são, pelo número, como as estrelas do céu? Reconhecermos que, por todos esses motivos, estamos desagradando àquele cujos olhos são demasiadamente puros para contemplarem a iniquidade, e que de Deus nada merecemos, senão indignação, ira e morte, - as recompensas atraídas pelo pecado? Reconhecermos que não podemos, mediante qualquer justiça nossa (na verdade nenhuma possuímos), nem por qualquer de nossas obras (porque estas são como a árvore que as produzem), apaziguar a ira de Deus ou evitar a punição que justamente merecemos; sim, que abandonados a nós mesmos, somente poderíamos ir de mal a pior, afundando-nos cada vez mais profundamente no pecado,ofendendo a Deus cada vez mais atrozmente, tanto pela maldade de nossas obras, como pela tendência má de nossa mente carnal, até que tenhamos preenchido a medida de nossas iniquidades e façamos cair sobre nós repentina destruição? E esta não é a verdadeira condição em que por natureza nos encontramos?
Reconhecê-lo; pois, tanto de coração como por palavras, isto é, renunciar à nossa própria justiça, à “justiça que é da lei”, - é proceder de acordo com a natureza das coisas e, conseqüentemente, é gesto de verdadeira sabedoria.
7. A sabedoria de submeter-se à “justiça da fé” transparece, ainda, desta consideração: o ser ela a justiça de Deus. Quero dizer: ela é o método de reconciliação com Deus, escolhido e estabelecido por Ele próprio, não apenas como Deus de sabedoria, mas como soberano Senhor dos céus e da terra e de todas as criaturas. Não é razoável que o homem pergunte a Deus: “Que fazes tu?”, pois que ninguém, a não ser que seja inteiramente desprovido de senso, contenderá com o que é mais poderoso, com aquele cujo reino abrange tudo; ao contrário, constitui verdadeira sabedoria, é sinal de segura compreensão, o aceitar as coisas que Deus escolheu, dizendo a propósito disto como de quaisquer outras coisas: - “Ele é o Senhor: faça o que bem lhe parecer”.
8. Pode-se considerar, ainda, que é de graça espontânea, de imerecida misericórdia, que Deus outorga ao pecador o roteiro da reconciliação consigo mesmo, para que não sejamos desligados de sua mão e inteiramente riscados de sua memória. Por isso, qualquer que tenha sido o método que Deus, por sua terna misericórdia e imerecida bondade, tenha se dignado apontar, no intuito de que achem graça à sua vista os seus inimigos, os que tão insensatamente se rebelaram contra Ele, mantendo-se em longa e obstinada oposição ao Criador; qualquer que tenha sido esse método, é, indubitavelmente, sábio aceitá-lo com toda reverência!
9. Mencionaremos ainda uma consideração. É sabedoria ambicionar os melhores fins através dos meios melhores. Ora, o melhor fim a que pode almejar a criatura é a felicidade em Deus. O melhor fim a que pode aspirar à criatura decaída é recuperar a graça e a semelhança de Deus. Mas o meio melhor, e, na verdade, único, que abaixo dos céus foi dado ao homem, pelo qual ele pode reconquistar o favor de Deus, que é mais excelente do que a própria vida, ou a semelhança de Deus, que é a verdadeira vida da alma, - é a sujeição à “justiça que é da fé”, a fé no Unigênito Filho de Deus.

III
1. Tu, quem quer que sejas, que tens o desejo de ser perdoado e restaurado no favor de Deus, não digas em teu coração: “Devo fazer primeiro isto, devo primeiro dominar todo o pecado, devo eliminar toda palavra e obra má e fazer todo bem a todos os homens; ou, devo ir primeiro à igreja, receber a Ceia do Senhor, ouvir mais sermões e fazer mais orações”. Ai, meu irmão! tu estás perfeitamente transviado da justa vereda! Tu és ainda “ignorante da justiça de Deus” e estás “procurando estabelecer tua própria justiça” como base de tua reconciliação. Não sabes que coisa alguma podes fazer, senão pecar, até que te reconcilies com Deus? Como, então, dizes: “Devo fazer isto ou aquilo primeiro e depois crerei?” Nada faças, senão crer primeiro! Crer no Senhor Jesus Cristo, a propiciação pelos teus pecados. Lança primeiro este bom fundamento e depois farás maravilhosamente todas as outras coisas.
2. Nem digas em teu coração: “Não posso ainda ser aceito, por que não sou ainda bastante bom”. Quem jamais houve que fosse bastante bom para merecer aceitação por parte de Deus? Houve Jamais dentre os filhos de Adão algum suficientemente bom para merecer isto? Haverá, porventura, ainda algum, até a consumação de todas as coisas? Quanto a ti, não és bom de forma alguma: em ti não há nada de bom. E nunca o serás, até que creias em Jesus. Ao contrário, serás cada vez pior. Mas há necessidade de seres pior para que sejas aceito? Já não és suficientemente mau? Na verdade tu o és; Deus o sabe. Tu não podes negá-lo. Então, não te demores. Todas as coisas já estão dispostas. “Levanta-te e lava-te de teus pecados”.
A fonte está jorrando. Agora é o tempo de te branqueares no sangue do Cordeiro; agora serás purificado como “com hissopo” e “serás limpo”: Ele te lavará e “serás mais puro do que a neve”.
3. Não digas: “Não estou bastante contrito: não tenho sentimento bastante forte de meus pecados”. Eu o sei. Prouvera a Deus fosses mais sensível aos pecados, mil vezes mais contrito do que és. Mas não te detenha ai. Pode ser que Deus te coloque em tal estado de sentimento e contrição, não antes que creias, mas pelo teu próprio ato de crer. Pode ser que não tenhas de chorar longamente até que muito ames porque muito tenhas sido perdoado. Até que isto se dê, olha para Jesus. Vê como Ele te ama! Que podia fazer mais por ti, além do que já fez?
“Ó Cordeiro de Deus! Houve jamais sofrer,
Houve jamais amor semelhante ao teu?”
Olha fixamente para Ele, até que Ele -olhe para ti e quebre teu duro coração. Então tuas faces serão “águas” e teus “olhos fonte de lágrimas”.
4. Nem digas ainda: “Devo fazer alguma coisa mais antes de ir a Cristo”. Conceda-se que, retardando o Senhor sua vinda fosse razoável e certo esperares por sua aparição, fazendo, quando estivesse em tuas mãos, qualquer coisa que Ele houvesse ordenado. Mas não é razoável tal suposição. Como sabes que Ele se demore ainda? , Talvez que Jesus apareça, como a aurora vista do alto, antes que clareie a manhã. Oh! Não lhe fixes tempo! Espera-o a cada momento. Agora está Ele próximo; em breve estará à porta!
5. E para que fim quererias tu esperar por maior sinceridade, antes que teus pecados sejam cancelados?
Fazeres-te mais digno da graça de Deus? Ai! Estás ainda “estabelecendo tua própria justiça”! Ele terá misericórdia, não porque seja digno dela, mas porque sua compaixão não falha. Não porque sejas justo, mas porque Jesus Cristo fez propiciação pelos teus pecados.
Mais: se houver qualquer coisa boa em sinceridade, porque o esperas antes que tenhas fé, - sendo esta a única raiz de tudo que é realmente bom e santo?
Acima de tudo, por quanto tempo tu te obstinas em esquecer que, tudo que fizeres e tudo quanto és, antes
que teus pecados sejam perdoados, reputa-se como nada diante de Deus, como meio de assegurar perdão!
Sim, tudo será arrojado para longe de ti, calcado sob os pés, olvidado, ou nunca acharás graça à vista de Deus; porque, enquanto não fizeres assim, não poderás pedir graça no caráter de mero pecador, culpado, perdido, arruinado, nada tendo a alegar, nada a oferecer, a não ser somente os méritos de seu bem-amado Filho, “que te amou e se entregou por ti!”
6. Em conclusão: quem quer que sejas, ó homem, que trazes a sentença de morte dentro de ti mesmo, que te sentes pecador condenado e tens a ira de Deus pendente sobre ti, a ti diz o Senhor, - não “Faze isto - obedece perfeitamente a todos os meus mandamentos - e viverás”; mas, “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”. “A palavra da fé está próxima de ti”: agora, neste instante, no momento presente e no teu
estado atual, pecador como és, exatamente como estás, crê no Evangelho; e “Eu serei misericordioso para com tua injustiça e de tuas iniquidades jamais me lembrarei”.

⁠Nenhuma escritura pode significar que Deus não seja amor, ou que sua misericórdia não seja sobre todas as suas obras; isto é, o que quer que ela prove, nenhuma escritura pode provar a predestinação.

John Wesley

Nota: Trecho do sermão 128.

⁠A fé genuína é a certeza em Deus de que seus pecados estão perdoados, através dos méritos de Cristo, e você está reconciliado para o favor de Deus.

John Wesley
As Marcas do Novo Nascimento.

A SALVAÇÃO PELA FÉ

Por John Wesley

“Pela graça sois salvos mediante a fé”. (Efésios 2.8)

1. TODAS as bênçãos que Deus comunica ao homem vêm de sua mera graça, munificência ou favor; de sua livre, imerecida benevolência, representando graça inteiramente espontânea, visto nenhum direito ter o homem à menor clemência por parte da Divindade. Foi a livre graça que “formou o homem do pó da terra e nele soprou a alma vivente”, estampando nessa alma a imagem de Deus e “sujeitando todas as
coisas debaixo de seus pés”. A mesma graça chega até nós, neste dia, traduzindo-se em vida, respiração e todas as coisas. Nada do que somos, ou possuímos, ou realizamos,merece o mínimo favor das mãos de Deus. “Todas as nossas obras, ó Deus, tu as operaste em nós”. Assim, elas são outras tantas manifestações
de livre misericórdia; e, qualquer que seja a justiça que se encontre no homem, ainda será também uma dádiva de Deus.
2. Com que fará o pecador propiciação pelo menor de seus pecados? Com suas obras? Não. Ainda que estas sejam muitas e sejam santas, não lhe pertencem, mas são de Deus. Na verdade todas essas obras são ímpias e pecaminosas, reclamando nova propiciação. Somente frutos corrompidos pendem de uma árvore corrupta. E o coração do homem é ao mesmo tempo corrupto e abominável, estando “desprovido da glória de Deus”— a justiça gloriosa de inicio impressa em sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador.
Assim, pois, nada tendo, nem justiça nem obras, que alegar, seus lábios inteiramente se calam diante de Deus.
3. Se o homem pecaminoso acha, pois, favor à vista de Deus, isto vem a ser “graça sobre graça!” Se Deus ainda concede que desçam sobre nós outras bênçãos e, ademais, a maior de todas, que é a salvação, que, podemos dizer a essas coisas, senão repetir: “Graças sejam dadas a Deus por seu dom inefável!” E assim é. Nisto “Deus recomenda seu amor para conosco, em que, quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu para salvar-nos. “Pela graça”, pois, “sois salvos mediante a fé”. A graça é a fonte; a condição é a
fé.
Para não decairmos da graça de Deus, cabe-nos inquirir cuidadosamente:
I. Qual é a fé mediante a qual somos salvos.
II. Qual é a salvação que é mediante a fé.
III. Como podemos responder a certas objeções.
I
Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
1. Em primeiro lugar, não é meramente a fé dos pagãos.
Deus exige que o pagão creia que “Deus existe e que é remunerador dos que o buscam”; que essa procura diligente se faça, glorificando-o como a Deus, dando-lhe graças por todas as coisas e praticando cuidadosamente a virtude moral, a justiça, a misericórdia e a verdade para com seus semelhantes. O grego ou o romano, o cita ou o indiano, não teria, portanto, nenhuma desculpa, se não acreditasse suficientemente nisto: o Ser e atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição e o caráter
obrigatório da virtude moral. Este é simplesmente o credo de um pagão.
2. Não é, também, em segundo lugar, a fé do demônio, embora ela vá multo além da dos pagãos. O demônio crê não somente que há um Deus poderoso e sábio, gracioso no recompensar e justo no punir, mas também crê que Jesus é o Filho de Deus, o Cristo, o Salvador do mundo. Encontramo-lo, de fato,
declarando, em termos categóricos: “Bem sei quem és: tu és o Santo de Deus” (Lc 4.34). Nem podemos duvidar de que o infeliz espírito creia em todas as palavras que saíram dos lábios do Santo e mais em quaisquer outras que foram escritas pelos homens santos do passado, acerca de dois dos quais ele fora
compelido àquele glorioso testemunho: “Estes homens são servos do Altíssimo, que vos mostram o caminho da Salvação”. Não é demais, pois, que o grande inimigo de Deus e dos homens creia e, crendo,estremeça, – que Deus se manifestou em carne; que “submeterá todos os inimigos debaixo dos pés”; e que
“toda Escritura foi dada por inspiração de Deus”. Até aí vai a fé do demônio.
3. Em terceiro lugar: a fé mediante a qual somos salvos, no sentido em que a Palavra será mais adiante explanada, não é meramente a que nutriam os apóstolos, quando Cristo estava ainda sobre a terra, muito embora nele cressem a ponto “de deixarem tudo para segui-lo”; embora tivessem já nesse tempo o poder
de operar milagres, de “curar todas as espécies de doença e toda forma de enfermidade”; embora tivessem “poder e autoridade sobre os demônios”, e, o que vale mais que tudo isso, fossem enviados por seu
Mestre a “pregar o Reino de Deus”.
4. Qual é a fé mediante a qual somos salvos? Pode-se responder, de modo geral, que é, primeiro, a fé em Cristo: Cristo e Deus através de Cristo são os próprios fundamentos dessa fé. Nisto se distingue ela suficientemente, absolutamente, da fé, seja dos antigos ou dos modernos pagãos. Da fé que possui o demônio ela se distingue por isto: não é uma coisa meramente especulativa, racional, um assentimento frio e morto, uma série de idéias que se amontoam na cabeça, mas uma disposição do coração. Por isso
diz a Escritura: “Com o coração o homem crê para a justiça”; e: “se tu confessares com tua boca o Senhor Jesus, e creres em teu coração que Deus o levantou dentre os mortos, serás salvo”.
5. Nisto ela difere daquela fé que os próprios apóstolos nutriam enquanto nosso Senhor estava na terra: reconhece a necessidade e os méritos de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como o único meio suficiente de redimir o homem da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós à vida e imortalidade, tanto mais que ele “foi entregue por nossos pecados e ressurgiu para
nossa justificação”. A fé cristã é, portanto, não só um assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas também plena confiança no sangue de Cristo; confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição; descanso nele como nossa propiciação e nossa vida,— vida divina que foi dada por nós e vive em nós; e,
em conseqüência disto, união com ele, adesão à sua pessoa, coma “nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção”, ou, numa palavra, — nossa Salvação.
II
O segundo ponto a ser considerado é:
Qual é a Salvação que é mediante a fé?
1. Primeiro qualquer que seja essa salvação, ela é uma salvação presente. É alguma coisa atingível desde já, atualmente atingível na terra, pelos que são participantes dessa fé. Por isso diz o apóstolo aos crentes de Éfeso e, através destes, aos crentes de todos os tempos: “Vós sois salvos mediante a fé”, e não: “Vós sereis salvos”, embora também seja verdadeira esta última afirmativa.
2. Vós sois salvos (para abranger tudo numa só palavra), do pecado. Esta é a salvação que vem pela fé. Esta é a grande salvação predita pelo anjo, antes que Deus introduzisse no mundo seu primogênito: “... a quem chamarás JESUS, porque ele salvará seu povo de seus pecados”. Nem aqui, nem nas outras partes
do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo seu povo, ou, como se diz em outros lugares, “todo o que crê”, Cristo o salvará dos pecados; do pecado original e atual, passado e presente,
“da carne e do espírito”. Mediante a fé que há em Cristo, os pecadores são salvos, tanto da culpa como do poder da culpa.
3. Primeiro, da culpa de todos os pecados passados: Porque, conquanto todo o mundo seja culpado diante de Deus, de modo que, se o Senhor quisesse “assinalar que os que cometem erros, ninguém poderia nele permanecer”; e uma vez que “pela lei vem”, somente, “o conhecimento do pecado”, mas não a libertação
dele, já que pelo cumprimento “das obras da lei nenhuma carne pode ser justificada à sua vista”,— agora, todavia, “a justiça de Deus, que é pela fé em Jesus Cristo, é manifestada a todo aquele que crê”. “São justificados livremente por sua graça, através da redenção que há em Jesus cristo”. “A este Deus
enviou para ser a propiciação mediante a fé em seu sangue, para declarar sua justiça para (ou pela)remissão dos pecados passados”. Agora, Cristo suprimiu a “maldição da lei, fazendo-se maldição por nós”. “Cancelou o escrito de dívida que era contra nós, levando-o e cravando-o em sua cruz”. “Agora não há, pois, condenação para os que crêem em Cristo Jesus”.
4. Sendo salvos da culpa, os homens são também salvos do temor. Não, em verdade, do filial temor de conceber qualquer ofensa, mas do medo servil que escraviza; do medo, que causa tormento; do medo de punição; do medo da ira de Deus, —desse Deus que eles agora não mais contemplam como um Senhor severo, mas como um Pai indulgente. “Não receberam outra vez o espírito de escravidão, mas o espírito de adoção, pelo qual exclamam: Abba, Pai; testificando também o mesmo Espírito com seu espírito, que eles são filhos de Deus”. São também salvos não da possibilidade, mas do receio de decaírem da graça de Deus e de serem privados das grandes e preciosas promessas. Deste modo “têm paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo”. Regozijam-se na esperança da glória de Deus — e o amor de Deus se derrama abundantemente em seus corações, através do Espírito Santo, que lhes é dado. Pelo Espírito são persuadidos (talvez não em todos os tempos, nem com a mesma plenitude de convicção), de que “nem a
morte, nem a vida, nem as coisas presentes, nem as coisas futuras, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de os separar do amor de Deus, que, é em Cristo Jesus, nosso Senhor”.
5. Ainda mais: mediante essa fé, são eles salvos do poder do pecado e, bem assim, da culpa inerente ao pecado. Isto o apóstolo o declara: “Sabemos que ele se manifestou para tirar nossos pecados, e nele não há pecado. O que nele permanece, não peca”. (1Jo 3.5). E em outro lugar: “Filhinhos, que ninguém vos
engane. O que comete pecado é do diabo. Quem quer que crê é nascido de Deus. E quem é nascido de Deus não comete pecado; porque sua filiação permanece nele e ele não pode pecar, parque é nascido de Deus”. Ainda mais: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; pelo contrário, Aquele
que nasceu de Deus o guarda, e o maligno não o segura”. (1Jo 5.18).
6. Aquele que pela fé é nascido de Deus, não peca: (1) Por pecado habitual: porque todo pecado habitual é pecado dominante, —mas o pecado não pode dominar a qualquer que creia; nem (2) por pecado voluntário: porque, enquanto permanece na fé, sua vontade tenazmente se opõe a todo pecado,
aborrecendo-o como se fora veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque almeja constantemente a santa e perfeita vontade de Deus— e qualquer tendência para o desejo profano ele a sufoca desde o inicio, pela graça de Deus; nem (4) peca por enfermidade, quer pela prática de qualquer
ato, quer por palavra ou pensamento, porque suas fraquezas não têm o concurso da vontade; e, sem tal concurso, não há, propriamente; pecado. Assim, “o que é nascido de Deus não peca”; e, embora não possa dizer que não tenha pecado, certo é que atualmente ele não peca.
7. Esta é, pois; a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: salvação do pecado e das conseqüências do pecado expressas com freqüência pela palavra justificação, a qual, tomada em sentido mais lato, implica
na libertação da culpa e do castigo, pela propiciação de Cristo atualmente aplicada à alma do pecador, agora crente em Jesus, e libertação do domínio do pecado, mediante o mesmo Senhor, formado em seu coração. Assim, aquele que é justificado, ou salvo pela fé, é, na verdade, nascido de novo. Nasce outra
vez do Espírito para uma nova vida, que “está escondida com Cristo em Deus”. Como um recém-nascido, gradualmente recebe o αδολον, o “leite racional, sem dolo, da Palavra — e cresce por ele”, subindo de fé em fé, de graça em graça, até chegar, afinal, a “homem perfeito, segundo a medida da estatura da
plenitude de Cristo”.
III
A primeira objeção que a este asserto usualmente se faz, é:
1. Que pregar a salvação, ou a justificação, pela fé, somente, é pregar contra a santidade e as boas obras.
Á isto se pode dar esta breve resposta: “O reparo seria verdadeiro, se falássemos, como fazem alguns, de uma fé separada da santidade e das boas obras; falamos, porém, da fé que, ao revés, produz todas as boas obras e toda a santidade”.
2. Pode, entretanto, ser de maior utilidade à apresentação de uma resposta mais extensa, principalmente se considerar que a objeção em apreço não é nova, mas remonta aos tempos de S. Paulo. Já naquele tempo perguntava o apóstolo: “Invalidamos a lei pela fé?” Respondemos, primeiro, que todo o que não prega a fé, manifestamente invalida a lei, quer direta e grosseiramente, por limitações e comentários que destroem todo o espírito do texto, quer indiretamente, deixando de apontar o único meio pelo qual é possível dar
cumprimento à própria lei. Enquanto que, em segundo lugar, “estabelecemos a lei”, tanto no demonstrar sua plena extensão e seu amplo sentido espiritual, como no apontar a todos aquele caminho de vida, para que “a justiça da lei neles se possa cumprir”. Os que só confiam no sangue de Cristo usam de todas as
ordenanças que ele estabeleceu, fazem todas as “boas obras que ele antes havia preparado para que andassem nelas”, formam e exteriorizam todo o santo e celestial caráter e ainda a própria mente que havia
em Cristo Jesus.
3. Mas, a pregação dessa fé não leva os homens ao orgulho? Respondemos que, acidentalmente, isto pode
acontecer; entretanto, todo crente verdadeiro deve estar perfeitamente a par da advertência contida nas palavras do grande apóstolo: “Em razão da incredulidade” os primeiros galhos “foram separados; e tu permaneces na fé. Mas não te vanglories, mas teme. Se Deus não poupou os ramos naturais, toma cuidado
para que não suceda que ele deixe de poupar-te. Veja, pois, a bondade e severidade de Deus! para os que caíram, severidade; mas, para contigo, bondade, se perseverares em sua bondade; de outro modo, também tu serás desarraigado”. (Rm 3.27). E, enquanto ele prossegue, lembremo-nos das palavras de S. Paulo, prevendo e rebatendo tal objeção: “Onde está, logo, a jactância? Ficou excluída. Por que lei? Pela das obras? Não; mas pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas obras, teria de que se gloriar; mas não há glorificação para aquele que “não obra, mas crê naquele que justifica o ímpio” (Rm 4.5). No mesmo sentido são as palavras que precedem e seguem o texto (Ef 11.4ss): “Deus, que é rico em misericórdia,
ainda quando estávamos morto em pecados, reconciliou-nos com Cristo (pela graça sois salvos), para que pudesse mostrar a suprema riqueza de sua graça em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Pela graça é que sois salvos mediante a fé; e isto não vem de vós mesmos”. De vós mesmos não vem vossa fé, nem vossa salvação: são “dons de Deus”; representam livre, imerecida dádiva. A fé, mediante a qual sois salvos, bem como a salvação que Deus, por sua própria boa vontade, por seu mero favor, adiciona a ela, procedem do Senhor. O fato de crermos é um aspecto de sua graça; o fato de, crendo, sermos salvos, é
outro aspecto. “Não pelas obras, para que ninguém se glorie”. Porque todas as nossas obras, toda a nossa justiça, anteriores à nossa crença, nada merecem de Deus, a não ser a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, recebida esta, ela não procede do mérito das obras. Nem a salvação é pelas obras, quando cremos, porque Deus é quem então opera em nós. Deste modo, dar-nos recompensa por aquilo que ele próprio realiza, é gesto que somente pode recomendar as riquezas de sua misericórdia, mas que a
nós não nos deixa coisa alguma de que nos possamos gloriar.
4. Falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente, só pela fé, não incita, por ventura, os homens ao pecado? Na verdade isto pode acontecer e acontecerá: muitos “continuarão no pecado para que a graça possa superabundar”; mas seu sangue será sobre sua cabeça. A bondade de Deus deve levá-los ao arrependimento: isto acontecerá com os que sejam sinceros de coração, os quais, sabendo que ainda há perdão para eles, clamam com ânsia que desejam também ver canceladas suas culpas
mediante a fé que há em Jesus. E se eles realmente clamam sem fingimento; se o buscam por todos os meios que o próprio Deus apontou; se recusam a ser confortados até que venha o Senhor, —“Ele virá e não tardará”. E ele pode fazer grandes coisas em curtíssimo espaço de tempo. Muitos são os exemplos,
nos Atos dos Apóstolos, da divina operação da graça no coração dos homens, manifestando-se como relâmpago fuzilando desde os céus. Assim, no mesmo instante em que Paulo e Silas começaram a pregar,o carcereiro se arrependeu e creu, sendo batizado; o mesmo se dera com os três mil, no dia de Pentecoste,que se arrependeram “e creram à primeira pregação de Pedro. E, graças a Deus, ainda há muitas provas vivas de que ele é “poderoso para salvar”.
5. Ainda quanto à mesma verdade, considerada sob outro ponto de vista, levanta-se a objeção contrária: Se o homem não pode ser salvo depois de tudo quanto fizer ou possa fazer, isso o lavará ao desespero. Leva-lo-á, sim, à desesperança de ser salvo por suas próprias obras, seus méritos ou sua justiça. E deve, ser assim, porque ninguém pode confiar nos méritos de Cristo, antes que se tenha negado inteiramente a si mesmo. Aquele que “tenta estabelecer sua própria justiça”, não pode receber a justiça que vem de Deus.
A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto ele confiar na justiça que vem da lei.
6. Mas isto, diz-se, é uma doutrina desoladora. O diabo fala coerentemente consigo próprio, isto é, sem veracidade nem pudor, quando ousa sugerir aos homens que seja desoladora a doutrina em questão. É a
única tranquilizadora, “cheia de conforto” para os pecadores que se destroem e se perdem. “Aquele que nele crê não será confundido, porque o mesmo Senhor é rico para com todos os que o invocam” Eis aí o conforto, alto como os céus, forte como a morte! Como! Misericórdia para com todos? Para Zaqueu, um ladrão público? Para Maria Madalena, meretriz vulgar? Parece-me ouvir alguém dizendo: “Então eu, também eu, posso esperar misericórdia!” Podes, sim, aflito, a quem não houve quem confortasse! Deus
não desdenhará tua oração. Talvez te venha ele dizer imediatamente: “Tem bom ânimo; teus pecados são-te perdoados”; tão perdoados que eles jamais exercerão domínio sobre ti, e, ainda mais, “o Espírito Santo testificará com teu espírito que és filho de Deus”. Oh! Alegres boas-novas! Boas-novas de grande gozo, enviadas a todo o povo! “Oh! Que todo o que tem sede venha às águas: venha e compre, sem dinheiro e sem preço”. Ainda que teus pecados sejam “vermelhos como o carmesim” e tantos como teus cabelos, “volta para o Senhor e ele terá misericórdia de ti; e para nosso Deus, porque ele te perdoará largamente”.
7. Quando nenhuma outra objeção ocorre, simplesmente nos dizem os opositores que a salvação somente pela fé não deve ser pregada como doutrina capital, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todos. Mas,que diz a Espírito Santo? Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já foi posto, que é Jesus Cristo”. Logo, a doutrina segundo a qual “todo o que nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação, isto é, deve ser pregada em primeiro lugar. “Seja assim; mas não a todos”. A quem,então, não devemos pregar? Quem será excluído? Os pobres? Não. Eles têm especial direito à pregação do Evangelho. Os ignorantes? Não. Deus tem revelado essas coisas, desde o começo, aos simples e
ignorantes. Os jovens? De modo nenhum: “deixai-os”, de qualquer modo, “vir a Cristo, e não os embaraceis”. Os pecadores? Muito menos. “Ele veio a chamar, não os justos, mas os pecadores ao arrependimento”. Se, entretanto, tivéssemos de excluir alguns, excluiríamos os ricos, os letrados, os
homens afamados e de boa conduta. É verdade que estes, de sua parte, se recusam a ouvir; todavia, ainda assim lhes devemos dizer a palavra de nosso Senhor. O teor de nossa comissão no-lo impõe: “Ide e pregai o Evangelho a toda criatura”. Se alguém, para sua própria perdição, falsear ou torcer uma parte dessa palavra, esse tal levará sua própria carga. Mas, ainda assim, “Vive o Senhor que, seja o que for que nos
disser, isso mesmo diremos”.
8. Hoje, mais especialmente, diremos que “pela graça sois salvos mediante a fé”: porque a sustentação desta doutrina nunca foi mais oportuna do que no presente. Nada pode mais eficientemente prevenir a expansão do erro romanista entre nós do que a pregação daquela doutrina. Seria um nunca acabar o
atacar, um a um, todos os erros, daquela igreja; mas a salvação pela fé corta-os pela raiz e, onde quer que se estabeleça, imediatamente consome tudo quanto de mau houver em torno. A essa doutrina é que nossa
igreja mui justamente chama a rocha mais forte e o fundamento da religião cristã, a qual primeiro expulsou o Papismo destes reinos, sendo que somente ela pode mantê-lo à distância. Nada, a não ser essa doutrina, pode opor um dique àquela imoralidade que “invade a terra como um dilúvio”. Podes tu encher gota a gota o grande abismo? Podes então reformar-nos através de admoestações acerca de vícios particulares. Venha, porém, a “justiça que é de Deus pela fé”, e então as ondas orgulhosas serão quebradas e detidas. Nada, senão essa doutrina, pode fechar a boca àqueles que se “gloriam em seu opróbrio e abertamente negam o Senhor que os resgatou”. Podem eles falar tão sublimemente da lei como
os que a têm escrita por Deus em seu coração. Ouvindo-os tratar desta matéria, alguém seria tentado a pensar que eles não estivessem muito longe do Reino de Deus: mas, que sejam transportados da Lei para o Evangelho; comece com a justificação pela fé; com Cristo, “o fim da lei para todo aquele que crê”; e os
que agora aparecem como mais ou menos, senão integralmente, cristãos, logo se declaram filhos da perdição —tão distanciados da vida e da bem-aventurança (Deus seja misericordioso para com eles!)
como o abismo do inferno está longe das alturas do céu!
9. Por esta razão o adversário se irrita todas as vezes que se prega ao mundo a “salvação pela fé”: por esta
razão o adversário agitou toda a terra e o inferno, na ânsia de destruir os que primeiro pregaram a “justificação pela fé”. E pela mesma razão, conhecendo que só aquela fé poderia subverter os fundamento de seu reino, reuniu todas a suas forças e empregou todas as suas artes da mentira e tia calúnia para
demover Martinho Lutero do intento de reviver tal doutrina. Nem podemos maravilhar-nos disto, porque, como observa aquele homem de Deus, “não podia deixar de irar-se o homem orgulhoso, forte e para ele marcha, tendo nas mãos um caniço”. Esse furor cresce de vulto quando o adversário sabe que essa criancinha certamente o derrotará, colocando-o debaixo dos pés. Em casos tais, Senhor Jesus, tua força tem sido sempre “aperfeiçoada na fraqueza”!
Vai com coragem, criancinha que crês em Cristo, a sua “mão direita te mostrará terríveis coisas!” Embora estejas desamparado e sejas fraco como um recém-nascido, o homem forte não será capaz de permanecer em face de ti. Tu prevalecerás contra ele, e o subjugarás, e o dominarás, e o porás debaixo de teus pés.
Sob o comando do grande Capitão de tua salvação, marcharás “conquistando e vencendo”, até que todos os teus inimigos sejam aniquilados e “a morte seja tragada na vitória”.
Agora, “graças sejam dadas a Deus, que nos deu a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo”, a quem, com o Pai e o Espírito Santo, sejam a bênção, a glória, a sabedoria, os louvores, a” honras, o poder, a força, para todo o sempre! Amém.

⁠Sim, o decreto já foi feito; e aconteceu antes da fundação do mundo. Mas que decreto? Certamente este: “Eu colocarei diante dos filhos dos homens a vida e a morte, a bênção e a maldição. E a alma que escolher a vida viverá, assim como a alma que escolher a morte morrerá.”

John Wesley

Nota: Trecho do sermão 128.

⁠Um homem, primeiro, tem que renunciar a si mesmo; para que seja edificado em Cristo; e, para que seja aceito, por meio dele, ele rejeita completamente toda a convicção da carne; e, tendo nada a pagar, não tendo confiado em suas próprias obras, ou retidão de alguma espécie, ele vem até Deus, como um pecador perdido, miserável; assolando a si mesmo, condenando a si mesmo, incompleto, impotente; como alguém cuja boca foi terminantemente calada, e que está completamente culpado diante de Deus. De tal senso de pecado, da convicção plena, como nenhuma palavra pode expressar, de que apenas de Cristo vem à salvação, e do sincero desejo dessa salvação, deve proceder à fé viva, a confiança Nele, que, através de sua morte, pagou nosso resgate, e cumpriu a lei, em sua própria vida.

John Wesley
As Marcas do Novo Nascimento.

⁠Eu me permito agora acrescentar umas poucas e claras palavras, primeiramente a você que subestima a razão. Nunca mais fale de maneira dura, incorreta e em tom de deboche, contra esse precioso dom de Deus. Reconheça a lâmpada do Senhor que tem sido fixada em nossas almas para excelentes propósitos. John Wesley Sermão Nª 70.

⁠Nossos pecados foram a causa dos sofrimentos dele. Os sofrimentos dele foram os efeitos penais dos nossos pecados. "O castigo da nossa paz", a punição necessária para consegui-la repousava "sobre ele" que se submeteu livremente a isso: "E com as chicotadas que ele sofreu" (mais uma vez, uma parte de seus sofrimentos em favor do todo) "fomos curados"; o perdão, a santificação e a salvação final foram comprados e concedidos a nós. Todo castigo é aplicado por alguma falta. A falta que repousa sobre Cristo não era dele, mas nossa; e era indispensável reconciliar o legislador ofendido com as criaturas culpadas de ofensa. Por isso, "o senhor pôs sobre si a iniquidade de todos nós"; isto é, a punição devida por nossa iniquidade.

John Wesley
A Teologia de John Wesley. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

⁠A grande razão pela qual os dons miraculosos foram tão logo sufocados não foi apenas porque a fé e santidade estivessem bem perto de serem perdidas, mas porque os homens ortodoxos e estéreis (cessacionista) começaram a ridicularizar qualquer que fosse o dom que eles próprios não tivessem e a depreciá-los como loucura ou embuste. O Diário de John Wesley

⁠Oh Deus, leve a verdade aos lugares mais profundos da minha alma. Onde o erro costuma se esconder.

⁠O melhor de tudo é que Deus está conosco. Últimas palavras de John Wesley

Quem tu pensas que és para retificares as palavras de Deus? Para que acrescentes às palavras desse livro? Toma cuidado, eu imploro a ti, para que Deus não acrescente a ti todos os flagelos que estão escritos nele! Especialmente, quando o comentário que tu acrescentas é tal, que desdiz completamente o texto: De maneira que, por meio desse método ardiloso de engodo, as promessas preciosas estão terminantemente perdidas; por meio desse ardil e subterfúgio de homens, a palavra de Deus é feita sem efeito algum. Toma cuidado, tu que, assim, tiras das palavras deste livro; que, removendo o significado e espírito inteiro delas leves somente o que pode ser, realmente, denominado letra morta, para que Deus não remova tua parte do livro da vida!

John Wesley
As Marcas do Novo Nascimento.

⁠John Wesley dizia aos seus lideres que não gostavam de ler: Se você não precisa de nenhum livro senão a bíblia, você está acima do Apóstolo Paulo. Ele queria outros livros também. “Traga os livros”, ele disse, “mas em especial os pergaminhos” (2ª Timóteo 4.13). Mas você diz que não tem gosto pela leitura; então adquira gosto pela leitura ou retorne a sua profissão.

⁠Afasta-se com veemência de tudo que for descrito como o caminho da salvação, mas que em alguma parte se difere do que Jesus ensinou.

⁠Faça o bem ao faminto e sedento de todas as maneiras possíveis, a todos os homens; o regozijar-se em dar e se dar a eles, por todo filho do homem; não buscando recompensa no mundo, mas apenas na ressurreição do justo.

John Wesley
As Marcas do Novo Nascimento.

⁠John Wesley fez suas considerações no seu famoso sermão Livre Graça: E o mesmo Senhor de todos é rico em misericórdia para todos os que o invocam (Rm 10.12). Mas você diz: Não, ele é tão somente para aqueles por quem Cristo morreu. E eles não são todos, mas apenas alguns, a quem Deus escolheu para fora do mundo, porque ele não morreu por todos, mas apenas para aqueles que foram escolhidos nele antes da fundação do mundo (Ef. 1.4). Categoricamente contrária à sua interpretação dessas escrituras, é também, todo o teor do Novo Testamento: como são, particularmente, os textos (...) uma prova clara de que Cristo morreu, não só para aqueles que são salvos, mas também para os que perecem: Ele é o Salvador do mundo (Jo 4.42). Ele é o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Jo 1.29). E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1ª Jo 2.2) Ele, o Deus vivo, é o Salvador de todos os homens (1ª Tm 4.10). Ele deu a si mesmo em resgate por todos (1ª Tm 2.6). Ele provou a morte por todos os homens (Hb 2.9).

⁠Faça com que toda a sua vida seja uma tarefa de amor.

John Wesley
As Marcas do Novo Nascimento.

⁠Eu vejo todo o mundo todo como minha paróquia; desse modo eu acho, que em qualquer parte dele que eu estiver, julgo correto, próprio e meu sagrado dever proclamar, para todos os quiserem ouvir, as boas novas da salvação.

John Wesley
POTTS, J. M. Seleção das cartas de João Wesley. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1991.

Nota: Carta para James Hervey.

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⁠A falta predominante entre os cristãos é ser muito exteriores na religião. Esquecemo-nos sempre que o Reino de Deus está em nós e nosso princípio fundamental é: Somos salvos pela fé, que produz em nós toda santidade interior.