Joaquim Cesário de Mello
O corpo da minha mãe foi enterrado no Cemitério de Santo Amaro.
Mas, sua alma se encontra por entre sargaços no mar da Praia de Boa Viagem.
Minha esposa está ao celular
vendo fofocas de celebridades,
enquanto eu estou bisbilhotando
mexericos e falatórios dos políticos.
E ambos estamos nos divertindo
da nossa insignificância arrogância,
ao mesmo tempo que o Universo,
em sua escuridão e silêncio, nos engole
O HOMEM E O MENINO
O homem pergunta ao menino: o que queres?
E o menino responde: crescer
Crescer para quê? - indaga o homem
Para ser como você, replica o menino
Porém se crescer e for como eu – diz o homem – vai sentir saudade de você. A gente pode até crescer, mas não pode decrescer
E o menino retruca: ainda assim este é meu destino.
A infância é um misto de transitoriedade e permanência.
Ela acaba com o passsar dos anos.
Ela dura no passar dos anos...
Minha esposa diz, de vez em quando, que estou errado.
E eu lhe digo que, de vez em quando, sou humano.
Se pudesse descortinaria o tempo,
revelando a nudez da infinitude
encoberta por detrás de sua passagem.
No desaparecer das horas e dos relógios,
quando não houver mais calendários,
réveillons, natais e aniversários,
quando os despertadores se calarem
e todas as noites forem imutáveis,
como um único retrato nunca mais fotografado,
nada mais restando que o rio de Heráclito,
estático, imóvel, quieto e congelado,
é lá que encontrarei meus antepassados,
com a mesma fisionomia com que me deixaram
Parte da minha história hoje é feita das sobras dos rastros das pessoas que por mim passaram.
Se eu fosse uma rua, seria uma rua repleta de buracos.
DIALETOS HUMANOS
O silêncio murmura,
os gestos dizem,
os olhos exprimem,
as roupas dialogam,
e as mímicas falam.
A ausência nos retratos
dos meus aniversários,
revelam o vácuo objetivo
do subjetivo desvio do teu sumiço.
Não há mudez na Torre de Babel humana.
Para onde vão os amores findados? Deve haver algum céu em que o suor evaporado dos amantes se transforma em nuvem, que o vento leva no dissipar do horizonte.
Passei décadas buscando ser feliz. Fracassei. Decidi, então, ser calmo, sossegado e tranquilo. Agora que sou calmo, sossegado e tranquilo, sinto-me feliz.
Felicidade não é um fim em si mesmo, mas efeito colateral.
Quando era pequeno,
o mundo era largo, imenso e agigantado.
Agora que dobrei de tamanho,
o mundo continua largo, imenso e agigantado.
O que diminuiu de tamanho
foi o interior da casa de minha avó,
que continua tendo, por fora, a mesma fachada.
Visto de cima, onde moram os deuses, a Terra é um micróbio. Visto de dentro, eu sou a bactéria da molécula do piolho da pulga do elétron do átomo da menor célula do micróbio, que escapa do olhar do microscópio. Afora isso, considero-me grandioso.
Deitado na cama visitei Cairo, Roma, Marraquexe, Budapeste e Paris. Andei pelos quatro cantos do mundo, escalei o Everest, surfei no Havaí, cacei rinocerontes nas savanas africanas, pesquei marlins no alto mar de Havana, separei-me de Audrey Hepburn e me casei com Mariinha, a menina mais bonita da sala de aula.
Quando me levantei da cama o quarto era o mesmo, a casa era a mesma e o mundo era apático, distante, fosco e indiferente. Estava atrasado, havia perdido o metrô das onze, apenas porque passei da hora, inerte no leito quieto, batendo as asas e planando no teto do quarto.
AMOR TARDIO
Embora seja noite
agora é tarde
tarde demais para ela voltar
Quando esta madrugada acabar
vou vestir minha melhor roupa
usar o perfume importado
e retornar para aquele bar
que ficava no final do século passado
quem sabe ela ainda esteja lá
A noite levou de mim o sonho. Quando acordei, estava com uma lacuna na alma, como se tivesse sido roubado.
Não busque ser feliz. Procure não ser infeliz. É na não infelicidade que a alma encontra a felicidade.
Se está certo Schopenhauer que “viver é sofrer”, sei que estou amadurecendo na vida, quando tenho sofrimentos novos.