Janet Zimmermann
LÍNGUAS E LAVAS
nos céus
das bocas,
palavras soltas.
meias vozes.
odes! brados!
entre brasas
e águas vivas,
espadas de Eros
radioativas
em batalhas
amuralhadas
por pétalas
carnívoras,
vigias armadas
até os dentes
dos beijos
sem paz.
APRESSE-TE!
a manhã noviça
escorre
c’a areia movediça.
aos poucos,
com precisão inglesa,
morre no bojo da tarde.
hoje amanheci com a pá virada
pra lua de saturno:
pise leve nesta seara,
tire os coturnos a pressa os medos os remorsos.
voe revigorado
e pouse em mim pólen desgarrado
& beije-me para sempre!
que a manhã é noviça
e escorre
c’a areia movediça
.
.
.
OUTROUTONO
Outro outono entra
sem bater. Entra
para abater.
Para reabastecer
a máquina putrefaciente.
Para dar de comer
à máquina viva
que nos dá de comer.
Para vivermos.
Para morrermos.
[Deus, preciso beber algo
que esteja a salvo!
Dai-me de Vós, Senhor!]
Vírgulas
preciso vírgula
com urgência vírgula
desapegar-me das vírgulas vírgula
essas asas inversas vírgula
reguladoras dos voos livres
ESQUECIMENTO LENTO
Rutilava coisamentos
que lhe abrandavam a pensamentarada.
De déu em déu
domava o coração da saudade.
Quando não escrevo poesia sofro a falta do lápis.
Quando não escrevo poesia sofro a falta.
Quando não escrevo poesia, sofro.
Quando não, escrevo poesia.
DOCES DOMINAÇÕES
uma flor
pertenceu o beija-flor
que povoou meu coração
trespassado de violeta emoção
que bebeu amor
na taça da flor