J. C. Costa
seda pra fazer roupa
A vida é uma costureira muito boa
fez meu coração de porta agulha
usando minha esperança pra fazer roupa
Café quente
O sorriso das outras pessoas me irrita
a felicidade alheia me incomoda
o amor está no ar
eu prendo a respiração
não desejo atrair ninguém
não tenho nada pra oferecer
além de um bocado de dor
e um café quente
Dormindo com o inimigo
A criatura que eu vejo no espelho
me olha e ri
demente, impotente
infeliz do corpo e da mente
a escassez de beleza
causa gargalhadas histéricas
na figura que tinha o meu rosto
e quem melhor do que eu
para me odiar
já pedi divorcio do meu corpo
mas esta massa disforme
se recusa a me deixar ir
O tempo e o espaço
O tempo já namorava o espaço antes do mundo existir
antes do primeiro nascer do sol
o espaço já olhava para o tempo com um brilho diferente
e caminhavam pelo infinito de mãos dadas
olhando as estrelas explodirem e as galáxias nascendo
até que em um planeta minúsculo e azul
nasceu uma criatura medonha e bizarra
que em nada parecia com as estrelas com que estavam acostumados
o tempo generoso decidiu ajudar então a pobre criatura
o espaço sempre rancoroso não gostou nem um pouco
e com a ajuda do tempo e do espaço
essa criatura cresceu e se multiplicou
nessa altura o tempo e o espaço tiveram uma filha
o amor
o amor adorava brincar entre essas criaturas
fazendo uma querer a outra loucamente
o tempo já apegado não conseguia largar mais as tais criaturas
e todo o rancor do espaço só fez aumentar
os dois já tristes não conviviam bem
eles tiveram mais duas filhas gêmeas antes de se separarem
saudade e solidão
ao se separarem cada uma levou uma consigo
enquanto o amor já crescida decidiu viver entre as criaturas
o espaço levou a saudade
o tempo levou a solidão
e até hoje nunca mais se viram
suas balas tem meu nome
suas falas tem o rancor
mas meu povo é de aço
nunca tivemos a cabeça pra baixo
você ainda vai pagar por toda dor
e você vai se surpreender
quando ver que o super homem
não é da sua cor.
Peste
vendi meu coração ao ladrão
coloquei tudo que tinha dentro no prego
matei as pestes que moravam dentro de mim
de fome
nada pra comer
nada pra infestar
só restou o vácuo
vazio
só
na madrugada ainda escuto-os
se revirando e roendo o último pedaço de alma
que sobrou
ratos
baratas
gafanhotos
a carne se desmancha
o osso se corrói
a vida se cansa de te carregar
e então você vira pó
tão pequeno
e tão insignificante
chora como um derrotado
fala como um idiota
a minha doença
minha tempestade e meu fim
junto comigo
tudo de ruim que fiz
até em minha respiração
não tenho mais nada na mente
assim como não tenho mais coração
acreditar que tudo vai dar certo é um sentimento infantil
corrompido estou por uma vontade vil
na vida sou único e solitário
mesmo que fosse mil
viveria
só
pra ver
tudo o que fiz perecer
cair no esquecimento do diário
como diz o dicionário, as palavras ficam
porém eu sozinho em fim de vida jamais serei lembrado
o amor foi inventado para iludir o ser humano
um placebo para dores na alma
nunca existiu amor
e sim medo da solidão
se um dia fui amado tenho minhas duvidas
mas como cada historia conta
toda historia é uma historia de amor
a minha não é e o que resta é procurar
o próximo ser humano pra se unir
e fingir mais uma vez
que eu sei o que é amar
A forca
meu corpo abriga marcas e cicatrizes
minha alma abriga um pobre coitado
meus lábios abrigam o veneno com o qual vou me engasgar
meus braços preparam a forca
minhas pernas bambeiam ao vento forte
minha garganta suave espera seu amado
meus pés se inclinam para o alto
no momento do salto
fim
já não posso mais ser machucado
A vida
a vida não anda pra frente
não existe pra frente
a vida segue até seu ultimo dia
erro após erro
decepções com intervalos de alegrias
o segredo é fechar os olhos
o único jeito de saber da vida é assim
deixa ela seguir seu rumo
que seu rumo é o fim
caras felizes
não fazem
minhas mãos pararem de tremer de noite
meu fôlego voltar ao pulmão
meus olhos secarem
caras felizes
simplesmente me julgam
por não entender
que não dá pra ser feliz
tendo a cara triste como a minha
Educação
queria ter nascido educado
pra fazer aquilo que eu quero
mas ainda vivo
aprisionado
pela educação que me deram de comer
guarde por mim
por favor guarde este poema
até quando eu não estiver aqui
até quando duvidar do que escrevi
mesmo quando não gostar de ouvir
mesmo sem saber o que sentir
guarde todos os poemas
eu não posso te dar felicidades
então guarde
a única coisa boa que sobrou de mim
Preto velho
não confunda minha competência
com minha aparência
não confie
na sua ciência
creia mais
na experiência
que se o preto velho diz
essa então é a sentença
Todos os santos tem seu nome
Que a praia leve a brisa
pra dentro de casa
pra aqui quem pisa
leve na alma
todas as caricias
Que os corpos tragam toda delicia
que, o que um dia foi brasa
torne a ser faísca
E todo o temporal
vire apenas uma gota na janela
Fevereiro é rápido como a vida
se você coçar os olhos
já perdeu a parte mais bonita
Porém Agosto é demorado em cada dia
mas quase ninguém aproveita
até que volte a alegria
tantos corações no mundo
e eu só queria o meu
numa bandeja
e de sobremesa
todos a mesa
pra saborear
o que sobrou de mim
o último a morrer
o primeiro a ser esquecido
Dedicatória
dedico ao dedicado
o sujeito e o predicado
o verbo ainda está parado
o mudo ainda está vendado
o cego amordaçado
a palavra que te causa medo
agora está no passado
dedico ao dedicado
não seja fraco
o verbo está morto
e o mundo todo errado
nada a si mesmo
mude a si mesmo
sofra por somente si mesmo
tente ser você mesmo
sinta dor somente por si mesmo
ame somente a si mesmo
dê carinho somente a si mesmo
a solidão é a amante perfeita
aquela que vai te acompanhar pra vida toda
Acreditar
É mais fácil
acreditar que estamos errados
que não temos conserto
que nascemos quebrados
é mais fácil
acreditar na benignidade da solidão
que somos melhores sozinhos
que fomos feitos pra ser metade
é mais fácil
do que acordar todos os dias
acreditando que vamos ser felizes
achar o rumo de nossas vidas
descobrir um amor avassalador
é mais fácil
do que dormir toda noite
afogando a alma no travesseiro
frustrado por não ter conseguido
e acreditar
que o amanhã será diferente
Poesia de Coração
te escrevi mil poemas
e recebi o silêncio
espantei meus problemas
acumulei vícios
por favor não tenha pena
eu não preciso
só não me peça mais uma peça
que por você meu peito
já não sangra nenhuma poesia