Irmos Voltaire
Escuridão
Se este mundo já existiu a algum dia, agora não existe mais nada. Pelas ruas cheias de poeira e detritos, abandonadas, vagam os espectros, no seu eterno ir e vir, carregando os seus acessórios imaginários, a sua personalidade, agora inútil. As árvores me fitam na escuridão com os seus olhinhos de musgo. Vou caminhando entre os fantasmas, sem saber se estou morto também, se não sou mais uma sombra que procura permanecer quando a muito não temos luz. Por que a Terra desapareceu e deixou esse gemido que ecoa ainda, ainda? Por que eu dormi e deixei que a vida fosse embora, mesmo antes de estar desperto e nada aproveitei do vinho da felicidade? Por que eu morri na praia, e por que lamentar?
A eternidade já passou e nós nem notamos!
Vertigem
As nuvens constroem castelos pelo céu,
arquitetura de água imponderável.
O amor pelas nuvens cria em nós a antigravidade.
Cabelos do rosto
Eu estou numa luta com a barba há anos. Ela cresce, eu corto. Ela se emaranha, eu penteio. Ela fede, eu lavo. Ela me considera um apêndice e eu acho que tem razão: me recobre a cara, controla o que entra e o que sai e ainda me coloca no meu lugar, aqui, atrás dela.
Aqui no supermercado vejo aquela gente que age como pessoas que estão no supermercado. As pessoas são iguais, mas se comportam de acordo com um sistema se crenças. Os policiais e os bandidos matam igualmente, ocupando os papéis que lhes foram impostos. Nas guerras, todos fingem aceitar que o ódio é a verdadeira saída para o coração. Tudo é convencional, somos levados agir por uma máquina que ninguém sabe quem criou.
Eu sabia fazer, quando não sabia que sabia. Agora que tenho o saber do meu conhecimento, não sei fazer mais.