Ian McEwan
Uma pessoa é, entre outras coisas, uma coisa material, que é facilmente quebrada e não é facilmente reparada.
Aquela gravidade calma não era nem um pouco o estilo dele, que sempre fora ao mesmo tempo carente e austero; ansioso para ter amigos, mas incapaz de encarar a amizade como natural.
Sabemos tão pouco uns dos outros. Jazemos quase que submersos, como blocos de gelo, mostrando apenas a parte branca e fria de nossos eus sociais. Ali estava uma rara visão, por baixo das ondas, do tumulto e da privacidade de um homem, da sua dignidade posta de cabeça para baixo pela necessidade avassaladora de fantasia pura, de pensamento puro, por aquele elemento humano irredutível – a mente.
Não foi só a maldade e a intriga que fez as pessoas infelizes, foi também a confusão e o mal-entendido. Acima de tudo, foi a falha em entender a verdade simples de que outras pessoas são tão reais quanto você.
Uma história era uma forma de telepatia. Por meio de símbolos traçados com tinta numa página, ela conseguia transmitir pensamentos e sentimentos da sua mente para a mente de seu leitor. Era um processo mágico, tão corriqueiro que ninguém parava para pensar e se admirar. Ler uma frase e entendê-la era a mesma coisa; era como dobrar o dedo, não havia intermediação. Não havia um hiato durante o qual os símbolos eram decifrados. A gente via a palavra castelo e pronto, lá estava ele.
O mundo, o mundo social, era insuportavelmente complicado, dois bilhões de vozes, os pensamentos de todo mundo a se debater, todos com igual importância, investindo tanto na vida quanto os outros, cada um se achando o único, quando ninguém era único. Era possível afogar-se naquele mar de irrelevância.
Religiões e sistemas morais, inclusive os dela, eram como picos numa majestosa cordilheira vista muito ao longe, nenhum deles claramente mais alto, mais importante, mais verdadeiro que os outros.
Uma pura sorte, virmos ao mundo com as partes devidamente formadas e no lugar certo, nascermos de pais carinhosos, e não cruéis, ou, por acidente geográfico ou social, escaparmos à guerra ou à miséria. E, por conseguinte, acharmos facílimo ser virtuosos.