Hudson Henrique
Posso sentir os anos atravessando meus dedos feito uma lâmina cortante, rasgando minha carne até o osso. E te vejo indo embora, igual a uma faca cega ambulante tentando cortar um arame. Da qual não sabe a hora de parar de passar pelo mesmo lugar, e não causar efeito algum.
Deixando o estrago ainda maior.
Como uma cerração grossa
se dissipou no meu para-brisa.
Apagou qualquer vestígio que havia passado por essa vida.
As noites são traiçoeiras,
e as luzes nostálgicas.Me lembra dos leds no bar, vermelho.
Piscando igual a um vaga-lume morrendo
no meio das vinhas geladas.
Na minha bagunça só têm lembranças, elas não vão embora se você ainda continua lá; apertando o mesmo botão pra voltar.
Remoendo as cenas boas, o gosto do vento em teus lábios.
Quero jogar tudo isso fora, começar de volta.
Se acabou não foi verdadeiro.
Mas, e se a verdade é uma mentira criada para nos abraçar?
E esses trechos escondidos, que talvez serão lidos por dois olhos verdes acastanhados. Um dia?
Me pergunto quando, me pergunto onde. Que seja de toda via, em mão dupla,
que me siga de carona e também de motorista. Que aceite minhas paradas e desvios pelas pistas.
Realmente é cafona, sujo, brega e esdrúxulo.
Por isso me sinto em casa, é formal.
Por que sou eu na forma material desse estabelecimento banal, em uma metamorfose de cadeiras geladas e duras.
Sentir a sua pele aquela noite foi como tocar um alqueire de velames do campo,
uma plantação inteira de algodão.
Todos os nossos fardos e incompetências
se resumem em ferramentas que nós mesmos criamos para se sacrificar.
Desculpe a todos os amigos
que decepcionei.
Sou distante mesmo,
procuro meu lugar no mundo pra ficar...
e não se sentir um calço
que segura a porta pra não se fechar.
Quando eu vi aquela mensagem
eu sorri.
Aprendi a esperar.
Não morri.
Aprendi a esperar.
Você não tem ideia
do quanto eu sorri.
Eu aprendi a te tornar imortal.
Mas para meu mal
criei expectativas.
E isso mata.
A decepção seria só minha.
Pois fui eu culpado
de criar mais essa história
depois de tantos finais sem fim.
A impossibilidade
da improbabilidade.
É você.
Tudo fica impossível
quando você
me parte em vários cacos.
É impossível ser ativo
quando você se afasta.
E faz com que eu corra
contra mim,
contra o muro que você me projeta.
Sou bem mais alto que esses prédios.
E ainda sim, me sinto insuficiente em tudo.
Sempre abaixo do nível do mar.
Me torno frequente em teus traços.
Te transformo em vinho do porto e bagaços.
É improvável sua chegada, quem dirá saída.
É inigualável sua alma com a minha.
Você,
uma santa.
Eu,
a impossibilidade de te trazer pro meu mundo.
Você se afasta,
de longe oblíquo.
Você se afasta,
em poucos dias some.
Em poucos minutos me temo,
acho que tenho medo.
Fiz mantras pra me confortar.
Fiz preces pra serem ouvidas.
Indaguei e roguei cordéis.
Você se afasta.
Como bem fez, como bem quis.
Como mal me quer.
Como bem me quer.
Como não sei mais o que quero.
Já cansei de contar quantos perdi.
Por força do azar. Seja da jaula que eu sai, me tornei carrancudo.
Arranhei o chão. Nunca colhi tais frutos.
Recíproco e precipício
andam juntos e são amigos.
Eu moro no inevitável.
Por vezes, sou desagradável.
Mas não deixo de falar o que penso,
não me engasgo.
Imprevisível. Sem traços.
Sou um camelo,
marcado pelo tempo árido
e pelo sol em meus ombros largos.
E todo mundo vai embora
pelo mesmo motivo que nunca me contaram.
Simplesmente vão embora
e deixam o relógio marcando todo o tempo a hora.
Hora de se afastar,
hora de ir embora.
Hora de despertar o que adormece.
Hora de se atrasar pra escola.
Porto.
Quando as traças invadem seu guarda roupa.
Quando as baratas comem seu açúcar na madrugada.
Percebe o quanto é velha sua casa.
Mas agradece por ter onde morar.