Hilda Hilst

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Quero ser lida em profundidade e não como distração, porque não leio os outros para me distrair mas para compreender, para me comunicar. Não quero ser distraída. Penso que é a última coisa que se devia pedir a um escritor: novelinhas para ler no bonde, no carro, no avião. Parece que as pessoas querem livrar-se assim de si mesmas, que têm medo da ideia, da extensão metafísica de um texto, da pergunta, enfim

Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos. Volto novíssima, incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome.

E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos.

Hilda Hilst
HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004.

Nota: Trecho do canto IX, de "Amavisse".

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As mulheres em geral são chatíssimas; em literatura a gente escolhe a dedo uma ou outra; e depois eu quero é que elas não me aborreçam.

Hilda Hilst
Entrevista de Hilda Hilst. In: Jornal de Letras, São Paulo, 1954.
Inserida por gabriela_vidal

⁠Vida da minha alma: Recaminhei casas e paisagens
Buscando-me a mim, minha tua cara.
Recaminhei os escombros da tarde
Folhas enegrecidas, gomos, cascas
Papéis de terra e tinta sob as árvores
Nichos onde nos confessamos, praças
Revi os cães. Não os mesmos.Outros
De igual destino, loucos, tristes,
Nós dois, meu ódio-amor, atravessando
Cinzas e paredões, o percurso da vida.
Busquei a luz e o amor. Humana, atenta
Como quem busca a boca nos confins da sede.
Recaminhei as nossas construções, tijolos
Pás, a areia dos dias
E tudo que encontrei te digo agora:
Um outro alguém sem cara. Tosco. Cego.
O arquiteto dessas armadilhas.

⁠Árias Pequenas. Para Bandolim

Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

Hilda Hilst
Da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
Inserida por EEP060508