Hidely Fratini
O AMOR E O TEMPO
(ao reencontro de um amor verdadeiro, apesar do tempo e das distâncias)
O amor chega.
Instala-se
Feito água forte sem pegadas.
Cativado,
Permanece,
Impávido!
Anos e mais anos-luz se passam
E o amor permanece como semente
Numa sucessão de infindas fases e de lamentos.
São colheitas de vários e gestados frutos
Diuturnamente expelidos dos contatos.
Opa, o amor vai além disso,
das comunicações e dos tratos feitos
Pois o amor, enfim cativo, mas nunca escravo,
É eternamente oferecido em pensamento!
São contatos que não precisam ser presentes
Posto que o amor não necessita de presença física,
É gratuito,
E atua fora do espaço-tempo.
É grão, é sêmen, princípio, causa
Efeito das origens e dos finais dos tempos.
Ai o amor...
Translúcido e transparente,
Permanece, para todo o sempre, sendo
Oferecido de coração a coração e em pensamento!
(2024)
Amor-semente
Sementes do amor frutificado
Ficaram nas gavetas de minh’ alma,
Adormecidas.
Longe da luz,
da água e de nós, secaram,
Ficaram lá tão esquecidas.
“De repente, não mais que de repente”
Vento forte, vindo do Norte, arrebatou-me inteira
Revirando minhas gavetas
Pondo para fora as tais sementes.
O Sol, iluminando-as por inteiro
A chuva, lavando-as com carinho
Levou-as para dentro de meu coração-ser.
Lá, ditas sementes, agora
Brotam em busca de novos frutos
Acompanhadas por seus ais, ais, ais...
Nenhum amor- semente é desperdiçado.
Por respeito às suas origens,
Mantém-se firmes e,
A qualquer Sol,
Levantam-se e germinam!
2024
A soberba do saber
(dia da cirurgia de uma irmã)
Do alto do seu ser,
Médico experiente,
Longevo no cuidar,
Descuidou-se!
Quanto mais se sabe,
Mais sábio?
Não necessariamente.
Quando se pensa que sabe,
e muito,
A soberba e a arrogância
Pega-nos.
A humildade afasta-se...
Nefastos tempos,
Incontroláveis seres...
...ditos humanos!
Set./2023
Apostas # postas
(Dormente... ente, ente, ente!)
O peito desponta,
Aponta,
Ponta.
________________________
Lance de erros.
Lance de certos...
Acertos.
Erros que ficam,
Persistem,
Não ficam mais comigo.
Partir a lança,
Quebrar os elos,
Abrir a porta,
A mão fechada.
Passar...
* Passado
* Presente
________________________ Futuro
Dez/ 2017
O hoje de antigamente
Sinto a presença da saudade.
Chega mansa,
Devagar me alcança,
Abraça-me.
Toma posse, instala-se.
Num repente, vislumbro todos os momentos:
*positivos
*negativos
*vida plena
Indo fundo em mim mesma.
Consciente X inconsciente
- "versus" da poesia -
Explode e aflora.
Como um vulcão "caliente",
Jorro para fora todos os meus ais.
Ai que saudades tenho:
*do mar
*do luar
*dos olhos fundos
*do bom manejo do afeto e das palavras.
Psicólogo leigo,
Aconchego pleno...
Plena estava como vim ao mundo...
Como voltar para o mundo?
__Como? indago!
Set/1991
Ondas e pessoas
Uma a uma as ondas chegam,
quebram na praia.
Uma a uma as pessoas chegam ao mar
E eu a contemplá-lo como se não existisse.
Mas é real.
Pode-se tocá-lo, mergulhar
Em profundas ondas...
O pescador com a família sonda as águas.
Choveu e tudo toma cor de cinza.
Céu e mar, um corpo só.
Céu no mar.
As águas sondam o pescador com a família.
Ao longe, mãos, braços, corpos que trabalham
Já não sondam mais.
Sol ou chuva?Não importa...
Gente e rede, um corpo só!
Gente na rede!
Os frutos pulando, murmurando sons de morte.
Um a um, fruto e gente, deixam a rede.
Sol – chuva – mar.
Novamente frutos na rede...
Vida que não se quebra.
Outra vez gente na rede.
Mar.
Gente.
Rede.
Frutos.
Assim, sucessivamente, até que
os braços deslizem pelo corpo e encontrem
a terra para repousarem eternamente.
Out/1978
Casa de meu pai e cinzas
*
Adentro a casa habitada por meu pai desde menina
- agora espírito!
Estranho a sua ausência...
Onde está o ser vivo
de matéria carbonada de infinitos?
*
Dos céus, estrelas caem, cadentes,
sobre minha existência.
Deixam-me a pensar na vida:
__ Como pode, aquele ser,matéria viva,
ser hoje, espalhadas cinzas?
*
Enfim, a madrugada finda...
*
2024
Despertar
Um dia, deixei hibernando o amor que me servia
De guia, encantamentos e prazeres.
Hoje, desperta pelas águas mansas do futuro,
Compadeço-me por ter dormido tanto
Sem abrir meus olhos à verdade!
Entorpecida pelo dia a dia que me sugava e consumia,
Inativa, busquei viver por meio
De mil afazeres e enganos violentos.
Hoje, desperta pelas águas mansas do futuro,
Agradeço a oportunidade do reencontro e do resgate!
2024
SOBRE A BELEZA
Quando você vê um pássaro, e diz:
__ Ele é bonito!
Isso basta?
Por que perguntar a razão da sua beleza?
__ São as penas, o bico, a localização dos olhos,
a entonação do canto, disposição das pernas?
Não, é o pássaro em si que conta!
Só o pássaro!
A ciência da passarologia não entende de beleza.
Assim acontece com a música, com a poesia
e uma teoria filosófica.
Algumas notas musicais ou palavras
não nos transmitem mensagem de beleza.
Só o todo pode nos tocar.
Na verdade, eu nem sei o porquê dessas palavras...
Posso estar errada.
Mas tudo no mundo pode estar errado.
Eu posso, até, não existir!
Junho/ 1974
Ponto longe
(inspiração pós adolescente)
Na palidez alva dos teus traços,
A tua alma revestiu-se humilde.
Os teus olhos choraram,
Apesar das lágrimas não rolarem.
Na contemplação do teu amor,
O teu ser, meio envergonhado,
Fez tuas mãos fugirem
Perante o primeiro contato de outra carne.
As tuas mãos vagaram pelo nada.
Ah, quantos vivem tristes,
Quantos não são como este ser amado e se repelem.
E quanta insegurança há neste mundo!
Agora, no fim deste poema,
Pela emoção, nenhuma palavra sai de mim,
não há mais nada.
A capacidade de mudar tudo
tornou-se ponto longe!
1971
Meninos da serra
Meninos,
Com pedras nas mãos no alto da serra,
O barulho do mundo
Por acaso não espanta
O choque das pedras nas águas do rio?
Nov/ 1974
Cercas inúteis
Coloquei cercas em todos os lugares
E em todos os recintos de infinitos ais.
Coloquei barricadas,
Erguidas para delimitar fronteiras.
Cimentei o solo para não brotar pavios,
Nem de sentimentos,
Nem de quaisquer lembranças.
Para não deixar entrar sequer um fio
Da luz que chegava lá do norte.
Isolei-me inteira.
Inconscientemente, criei mundos,
Submundos,
E relações complexas:
*Sorridentes
*Infelizes
*Faz de conta
*Perigosas.
Onde amarrei meu insólito burro, sempre perguntava,
Dando asas a ditados sertanejos.
Estava bem lá, o burrego,
Dentro de uma caverna sem Platão
A sugar meus ossos e de donzelas!
Estava.
Finalmente, partiu!
Hoje, indago sobre o sentido de tudo.
E me cobro uma explicação certeira
Escancarada nas pedras e na linha do tempo
transcorrido e que não via.
E, como sempre, saio ao vento
Buscando todas as respostas!
2024
Madrugada
Figura de farol
(inspiração pós adolescente)
Chovia.
As pessoas pegavam capas,
escondiam-se da chuva.
Enquanto todos fugiam,
um ser objeto continuava impassível.
Era o semáforo que acenava
suas cores gentilmente.
Não se abalaram as estruturas.
Só gotas d'água lhe escorriam
como lágrimas que fossem suas.
(São Paulo é um santo pesado que uma procissão carrega. Carlos R. S. Araújo)
1971
Descoberta do amor
(inspiração pós adolescente)
Nas reentrâncias imaculadas que se findam,
Não vi nada...
Rodei pelos caminhos atormentada,
Até que me depus adormecida.
Vieram mundos iluminados por luz límpida
Que transportaram, sem receio, você para mim.
Um outro ponto santo me transformou em amante
Para, então, sorrirmos um sorriso eterno.
Vê que mundo brando há em mim,
E quão importante é viver agora?
E quão necessário ter as mãos assim tão postas?
Não existe nada de irregular em nós.
Nem vantagens e nem martírios!
Só um grande amor a nos unir para sempre.
1971
*QUATRO PONTEIOS*
• TEMPOS DE MENINA
• CIDADEZINHAS
• EMOÇÕES
• A TERRA E O OUTRO
TEMPOS DE MENINA
Numa tarde perdida hoje no tempo,
Atrapalhada, a menina interpretava histórias.
Como, até hoje,
Tenta essa alternativa,
Mas, sem êxito, indaga:
__ Onde, a linha divisória?
__ Onde, reunião de ventos?
__ Onde, homens, lutas, seduções e medos?
A menina buscava ligar o ontem,
Com o hoje e o amanhã,
Sempre difícil em sua memória!
CIDADEZINHAS
Ai cidadezinhas fora do tempo...
Lembro do bairro da minha infância,
tão ligado à memória
e cheio de pegadas.
Marcas de grandes ânsias e desejos.
Hoje, cidade grande, com pouco alento,
busco, pelos caminhos do país,
a raiz dos pais e do bairro
operário onde cresci.
EMOÇÕES
A emoção acabou?
__ Não, beija-flor!
Maços de rosas,
espalhadas na pele,
vermelhas e sem fim.
Odor à natureza
Querendo sair de dentro de mim.
A TERRA E O OUTRO
Trabalhar com terra
Não é trabalhar "a terra"
- e nem planetas.
É a forma enviesada de atitude e legado
Para, no decorrer dos tempos,
Ir-se tomando posse de todos os seres!
1992
Foco na construção da vida
Seguir reciclando a vida e o já vivido.
Basta de manter o que não é mais necessário e é supérfluo:
- seja em coisas materiais, relacionamentos, projetos ou pessoas;
- não fiquemos com os votos e os vínculos que se foram, apesar das marcas e das realizações já conquistadas.
Basta das coisas que não têm mais razão de ser.
Deixemos o novo penetrar os olhos, o coração e a mente.
É preciso abrirmo-nos para tudo que já foi pensado e sentido neste mundo.
Projetemos tudo em nossa mente e em nosso coração para, através de nosso corpo e de nossas mãos, modelarmos o ar, a terra, o fogo e o céu com sentimentos nobres.
Baixemos do Cosmos tudo que precisamos, toda a energia disponível.
Reencontremo-nos, pois nossos projetos eram embriões que, agora, fertilizados, pedem para brotar e nascer.
A vida é sempre bela. É o maior presente que os criadores do Universo nos proporcionaram.
Olhemos tudo! Mais que isso, enxerguemos a fundo tudo o que sempre esteve conosco, o nosso melhor.
Mas não esqueçamos dos nossos limites e dos demais seres.
Tudo nos indica que estamos neste mundo para evoluirmos, melhorarmos.
Viemos do pó do Universo, do Cosmos.
Nossa caminhada vem de longe e não tem fim.
A vida tem um sentido e uma razão de ser. Busquemo-los!
Nossa essência pessoal e a divina, entrelaçadas, nos conduzem.
Abram-se corações e mentes!
Deixemo-nos ser levados por seres de luz.
Aprendamos com a luz, as trevas e com as sombras!
Coloquemos tudo o que obtivemos numa nova gaveta, reorganizemos nossas coisas e atividades.
Vamos renomear e reorganizar tudo para termos mais clareza do que fazer da vida.
Estamos todos no mesmo caminho e no mesmo barco, apesar dos passos de cada um serem diferentes uns dos outros.
Não hesitemos!
Sigamos!
2021
CÍRCULO
(Abre & Fecha: deixe a luz entrar)
E, assim, a vida passa,
Entre sonos, sonhos e luz!
Acorda, acorda, acorda.
Gritam!
A ilusão insinua-se,
Pega-nos pelos ombros
E, como num faz-de-conta,
Tudo se torna incerto!
Chacoalhe-se para não rir,
Nem chorar, nem cair.
Todos enxergam,
Só você não vê...
Pulo miudinho
Dentro desse labirinto
Sem porta, sem seta,
Nem janela.
Jogo-me nesse faz-de-conta
De surpresas -
Que se apresentam
Incertas.
Até a certeza retornar,
O círculo abrir-se,
Em flor,
Para a luz, enfim, entrar!
2017