Gustave Le Bon
Totalmente indiferente ao destino, a natureza só se ocupa do destino da esécie. Perante ela todos os seres são iguais. A existência do mais pernicioso micróbio é cercada de tantos cuidados quanto a dos maior gênio.
Em máteria de crença religiosa, política ou moral, toda contestação é inútil. Discutir racionalmente com outrém uma opinião de origem afetiva ou mística só terá como resultado exaltá-lo. Discuti-la consigo mesmo também não a abala, salvo quando ela chegou a um grau de enfraqueciemnto tal que a sua força inteiramente se dissiopou.
"Só pelo fato de pertencer a uma multidão, o homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado seria talvez um indivíduo culto; em multidão é um ser instintivo, por consequência, um bárbaro. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo dos seres primitivos e a eles se assemelha ainda pela facilidade com que se deixa impressionar pelas palavras e pelas imagens e se deixa arrastar a atos contrários aos seus interesses mais elementares (...) Para o indivíduo em multidão a noção de impossibilidade desaparece. perdida a sua personalidade consciente, obedece a todas as sugestões de um operador. "
...a necessidade de crer constitui um elemento psicológico tão irredutível quanto o prazer ou a dor. A alma humana tem aversão à duvida e à incerteza.
Desde que os assuntos sobre os quais se quer raciocinar caem no campo da crença, a reflexão perde o seu poder crítico.
Uma lógica afetiva demasiada leva a ceder sem reflexão a impulsos frequentemente funestos. Uma lógica mística excessiva suscita as exigências religiosas, dominadas pela preocupação egoísta da sua salvação, e sem utilidade social. Uma lógica coletiva exagerada promove a predominância dos elementos inferiores de um povo e o conduz à barbárie. Uma lógica racional em demasia provoca a dúvida e a inação.
O interesse possui, como a paixão, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe é útil acreditar.
Sendo lenta e penosa a elaboração de um julgamento, o homem se contenta, em geral, com as primeiras impressões, isto é, com as sugestões da simples intuição. (...) Abandonar-se a elas sem exame, como muitas vezes se procede, é atravessar a vida na persuasão de um erro. Elas só têm, efetivamente, por sustentáculo simpatias e antipatias instintivas que nenhuma razão ilumina. É, entretanto, sobre bases tão frágeis que, às mais das vezes, se edificam as nossas concepções do justo e do injusto, do bem e do mal, da verdade e do erro."
Tão irredutível quanto a necessidade de crer, a necessidade de explicações acompanha o homem desde o berço até ao túmulo. Ela contribuiu para criar os seus deuses e diariamente determina a gênese de numerosas opiniões. Essa necessidade intensa facilmente se satisfaz. As respostas mais rudimentares são suficientes. (...) Sempre ávido de certezas definitivas, o espírito humano guarda muito tempo as opiniões falsas fundadas na necessidade de explicações e considera como inimigos do seu repouso aqueles que as combatem. O principal inconveniente das opiniões baseadas em explicações errôneas é que, admitindo-as como definitivas, o homem não procura outras. Supor que se conhece a razão das coisas é um meio seguro de não a descobrir. A ignorância da nossa ignorância tem retardado de longos séculos os progressos das ciências e ainda, aliás, os restringe. A sede de explicações é tal que sempre foi achada alguma para os fenômenos menos compreensíveis. O espírito tem mais satisfação em admitir que Júpiter lança o raio do que em se confessar ignorante em relação às causas que o fazem rebentar.
Afirmação e repetição.
Suficientemente repetida, a afirmação acaba por criar, primeiramente, uma opinião e, mais tarde, uma crença. A repetição é o complemento necessário da afirmação.
A moda não conhece revoltadas; só a extrema pobreza lhe recusa escravas. Nenhum dos deuses do passado foi mais respeitosamente obedecido.
Da necessidade da crença:
"Os elementos constitutivos da nossa existência pertencem, como sabemos, a três grupos: vida orgânica, vida afetiva, vida intelectual. A necessidade de crer alia-se à vida afetiva. Tão irredutível quanto a fome ou o amor ela é, freqüentemente, tão imperiosa. Constituindo uma invencível necessidade da nossa natureza afetiva, a crença não pode, e nisso é como um sentimento qualquer, ser voluntária e racional. A inteligência não a forma nem a governa".
Um dos mais constantes caracteres gerais das crenças é a sua intolerância. Ela é tanto mais intransigente quanto mais forte é a crença. Os homens dominados por uma certeza não podem tolerar aqueles que não a aceitam.
O nosso máximo esforço de independência consiste em opor, por vezes, um pouco de resistência às sugestões ambientes. A grande massa nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos do seu grupo. Ela lhe obedece sem ter mais consciência do que a folha seca arrastada pelo vento.
Uma crença é um ato de fé que não exige provas e, aliás, não é, as mais das vezes, verificável por nenhuma. Se a fé se impusesse somente por argumentos racionais, poucas crenças se teriam podido formar no decurso dos séculos. (...) A sugestão e o contágio mental pelos quais se propagam as crenças são independentes da razão.
Se as crenças fossem acessíveis à influência da razão, teríamos visto desaparecer, há muito tempo, todas as que são absurdas.