Giovanni Papini

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Fábrica governativa, de constante rotação, que produz advogados, médicos, farmacêuticos, engenheiros, professores. Esses animais domésticos, após devidamente envernizados de sapiência oficial, são registrados e selados e, em seguida, entregues à pátria, a qual (infeliz!), por sua vez, se entrega a eles.

Em um ponto o ódio é mais inteligente que o amor: o ódio é capaz de ver o lado bom da pessoa odiada, e o amor é incapaz de ver o lado mau da pessoa amada.

Muitos pescadores de anzol não são mais que filóso­fos, disfarçados assim para passarem inadvertidos entre os imbecis.

Todo ser humano gostaria de ser o primeiro entre seus iguais: ser superior, de um modo ou de outro, aos que o rodeiam. Quer dominar, mandar, parecer maior e mais rico, mais bonito e mais sábio... A história do gênero humano é pouco mais que o pavor da inferioridade."

Todos os homens se imaginam no bem, no passado ou no futuro. Todos os homens se esquecem dos verdadeiros fins e fazem dos meios os seus objetivos. Para onde quer que os homens se voltem, encontram o impossível. Todos os homens se julgam mais que os outros. Não basta aos homens possuir um bem, se não for maior que o do próximo.
Papini (o que pensam os homens)

Além dos proprietários de terras, de mercadorias, de máquinas e de dinheiro, existem, ainda mais numerosos, os proprietários de capitais pessoais, que se podem alugar, vender ou fazer frutificar como os outros. São os proprietários e locadores de força física - camponeses, operários, soldados - e proprietários e prestadores de forças intelectuais - médicos, engenheiros, professores, escritores, burocratas, artistas, cientistas. Quem aluga os seus músculos, o seu saber ou o seu engenho obtém um rendimento, que pressupõe um patrimônio.
(Relatório sobre os homens)

Estar entre muitos incute a sensação de força, ou seja, da prepotência e, ao mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.

(Relatório sobre os homens)

A vida não é sonho, mas a urdidura dos sonhos pode iluminar e embelezar a trama da vida.

As vitórias mais elevadas do poder espiritual são insurreições contra o hábito.

A santidade é a libertação da baixeza dos hábitos cômodos e comuns para ascender ao sempre novo milagre do amor. E com este triunfo sobre o usual, poetas, filósofos e santos são considerados loucos pelas multidões dos autômatos empedernidos na baixeza dos hábitos.

A subjugação aos hábitos é uma subjugação à morte; um suicídio gradual do espírito.

Entre as definições da ilha planetária em que nos encontramos desterrados, uma das mais apropriadas seria: uma grande sala de espera. Uma terça parte da vida é anulada numa semi-morte, outra gasta em fazer mal a nós mesmos e aos outros e a última esboroa-se e consome-se na expectativa. Esperamos sempre alguma coisa ou alguém - que vem ou não, que passa ou desilude, que satisfaz ou mata.

A EXPECTATIVA:

Começa-se, em criança, a esperar a juventude com impaciência quase alucinada; depois, quando adolescente, espera-se a independência, a fortuna ou porventura apenas um emprego e uma esposa. Os filhos esperam a morte dos pais, os enfermos a cura, os soldados a passagem à disponibilidade, os professores as férias, os universitários a formatura, as raparigas um marido, os velhos o fim. Quem entrar numa prisão verificará que todos os reclusos contam os dias que os separam da liberdade; numa escola, numa fábrica ou num escritório, só encontrará criaturas que esperam, contando as horas, o momento da saída e da fuga. E em toda a parte - nos parques públicos, nos cafés, nas salas - há o homem que espera uma mulher ou a mulher que espera um homem. Exames, concursos, noivados, loterias, seminários, operações da Bolsa - são formas e causas de expectativa.
(...) Todos, com diferentes paixões, esperam - sobretudo, as fortunas repentinas, as mudanças imprevistas, o insólito e, com frequência, o impossível.

O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciência e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O círculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.

É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sólido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matéria não passa de espírito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espírito e matéria e termina-se apenas como matéria. A casca converteu em madeira a própria linfa.

O SUPORTE DA EXPECTATIVA E O SABOR DE DERROTA DA VITÓRIA:

A imaginação trabalha, a fantasia floresce, a paciência suporta, a visão beatífica da hora de contemplação preenche as longas horas da vigília. Quando acontece ou se alcança o esperado, abrem-se todas as comportas da alegria. Mas por pouco tempo, pois a meta não é tão atraente como parecia de longe, ao longo do caminho - toda a vitória, no dia imediato, tem o mesmo sabor da derrota.
Ou então surge demasiado tarde, quando o espírito se modificou e já não dispõe de forças para saborear o bem esperado durante tanto tempo; a mulher perfeita que se oferece, finalmente, quando o jovem ardente se tornou um velho saciado, árido ou flácido. Todo o seu amor se consumou debaixo das janelas, no frio das noites infinitas - quando é lançada a escada, as pernas e os braços não obedecem ou o inflamado partiu.

A casca é necessária para proteger o albume, mas em uma árvore toda casca está morta. Os hábitos da vida vegetal permitem um campo mais vasto à alma, mas se a vida da alma se afunda nas satisfações mecânicas, a queda está próxima.

EMBALADOS PELA EXPECTATIVA ESQUECEMOS DE VIVER O PRESENTE:

Mas a desilusão, em vez de conduzir à renúncia, incita a novas expectativas. (...) E toda a vida do homem, apesar de todos os adiamentos e paragens, não passa de um esperar a vida, a bela vida, a verdadeira, a nossa. Todo o presente e o possuído afigura-se-nos apenas um adiantamento para a nossa fome ou um mau prefácio de um livro maravilhoso. E, enquanto esperamos a vida, esquecemo-nos de viver ou vivemos sem economia e prudência, não pensando em destilar dos minutos de hoje, única propriedade certa, todo o sabor e substância.

O hábito avilta até os atos mais belos e sagrados do homem. O beijo se torna gesto usual, não passa de troca de saliva; o amor, evacuação de um líquido incomodativo. A mesma oração, reduzida a algaraviada mecânica, em vez de hino do coração converte-se em ginástica de memória e dos lábios.

O hábito, fruto da inércia

O hábito nasce de um pecado - a inércia - e ajuda a propagação e perpetuidade de todos os pecados. Por inércia, prefere-se repetir os atos dos outros, em vez de procurar, com o esforço do pensamento, os melhores. Por inércia, costumam repetir-se os maus atos, porque são infinitamente mais comuns e visíveis, e não nos queremos cansar a procurar os heroicos, muito mais raros e penosos.

Por inércia, imitamos os outros maus atos, porque estão mais conformes com a enfermidade da natureza vulnerada: poupamos o trabalho de a modificar e vencer. Por inércia, persistimos nos atos limitados, os quais se tornam tanto menos cansativos quanto mais se repetem.

Com esta convergência de preguiças, formam-se e consolidam-se os hábitos - quase todos, pela força das coisas, pecaminosos. O hábito não cria as culpas, mas radica-se tanto que as torna quase inextirpáveis. É um pecado que conduz à incurabilidade de quase todos os pecados. A conversão a Deus não passa de um esquartejamento violento de maus hábitos.

A conversão a Deus não passa de um esquartejamento violento de maus hábitos.