Franz Kafka
Os bons vão ao passo certo;
os outros ignorando-os inteiramente,
dançam à volta deles a coreografia da hora que passa.
Queremos livros que nos afetem como um desastre. Um livro deve ser como um machado diante de um mar congelado em nós.
Nenhum de nós tem que seguir a direção do vento, por isso existem as velas nos barcos.
É a forma como nós posicionamos a vela que faz com que o mesmo vento nos leve a lugares diferentes. Por isso o Homem criou a vela, para que os desbravadores possam seguir em direção contraria do vento.
E lá ficaram, mas não tão entregues como durante a noite. Ela buscava algo e ele buscava algo, ambos furiosos, fazendo caretas; enterrando a cabeça um no peito do outro eles se buscavam e seus abraços e seus corpos arqueados não os faziam esquecer, mas lembrar-se da obrigação de continuar buscando; como os cães raspam desesperadamente o chão, eles raspavam os seus corpos e, desamparados, decepcionados, para alcançar ainda uma última felicidade, eles às vezes passavam à larga língua sobre o roso do outro. Só o cansaço os acalmava e os tornava mutuamente gratos.
Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto.
Apenas deveríamos ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo?
Apanhei um monte de poeira e, como um tolo, pedi tantos aniversários quantos grãos ali havia. Esqueci de pedir que fossem em anos de juventude...
De alguma forma eu lutava contra sensações que continham pura abstração e nenhum gesto dirigido ao mundo atual.
Anyone who keeps the ability to see beauty never grows old.
Nota: Versão inglesa de Link
Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos entristeçam profundamente, como a morte a quem tenhamos amado mais que a nós mesmos, como ser banido pra florestas isolas de todos, como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar enregelado que temos dentro de nós.
O possuir não existe, existe somente o ser: esse ser que aspira até ao último alento, até à asfixia.
O que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é riqueza. Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é algo completamente relativo e insatisfatório. No fundo, não passa de uma situação peculiar.
Bem, este círculo pertence-nos de facto, mas só nos pertence enquanto nos mantivermos nele; se nos afastarmos para o lado uma vez que seja, por distracção, por esquecimento, por susto, por espanto, por cansaço, eis que já o perdemos no espaço; até agora tínhamos tido o nariz metido na corrente do tempo, agora retrocedemos, ex-nadadores, caminhantes actuais, e estamos perdidos.
O caminho certo passa sobre uma corda esticada pouco acima do chão. Parece antes destinado a fazer com que as pessoas tropecem do que levá-las a um bom fim.
Ninguém pode dizer que sejamos deficientes em matéria de fé. O simples fato de que estejamos vivos é em si mesmo indiscutível evidência de fé.
Mas consideras isso uma prova de fé? A rigor, ninguém pode realmente deixar de viver.
Pois é nessas palavras – “ninguém pode realmente deixar de viver” – que reside o poder insano da fé: ela se corporifica em tal negação.
(Contos, fábulas e aforismos)
Devemos participar também de todo o sofrimento que nos cerque. O que cada um de nós possui não é um corpo, mas um processo de crescimento que nos leva a experimentar todo tipo de dor. Assim como uma criança evolui através de todos os estágios da vida, até à velhice e à morte (cada um desses estágios aparentemente inatingível a partir do outro, seja por medo ou frustrado desejo), também evoluímos nós (não menos profundamente ligados à humanidade do que a nós mesmos) através de todo o sofrimento deste mundo. Não há lugar para justiça ao longo desse processo, da mesma maneira que não há para o medo da dor ou a atribuição de qualquer mérito a ela.
(Contos, fábulas e aforismos)