Fiódor Dostoiévski

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- Por que não fazes nada?
- Eu faço...
- O quê?
- Um trabalho...
- Que trabalho?
- Penso.

Agora pergunto-lhe: o que podemos esperar do homem enquanto criatura dotada de tão estranhas qualidades? Faça chover sobre ele todos os tipos de bênçãos terrenas; submerja-o em felicidade até acima da cabeça, de modo que só pequenas bolhas apareçam na superfície dessa felicidade, como se em água; dê a ele uma prosperidade econômica tamanha que nada mais lhe reste para ser feito, exceto dormir, comer pão-de-ló e preocupar-se com a continuação da história mundial — mesmo assim, por pura ingratidão, por exclusiva perversidade, ele vai cometer algum ato repulsivo. Ele até mesmo arriscará perder o seu pão-de-ló e desejará intencionalmente o mais depravado lodo, o mais antieconômico absurdo, simplesmente a fim de injetar o seu fantástico e pernicioso elemento no âmago de toda essa racionalidade positiva.

Fiódor Dostoiévski
Notas do Subterrâneo

Nem demasiado vulgar, nem demasiado literato: advocatício.

As aparições são, por assim dizer, pedaços ou fragmentos de outros mundos, o seu princípio. É claro que o homem são não tem motivo para vê-las, porque o homem são é o homem mais terreno, e deve viver uma vida terrestre, atendendo à harmonia e à ordem. Mas quando adoece, ou quando a ordem terrena se altera no organismo, começa imediatamente a mostrar-se a possibilidade de outro mundo, e, quanto mais doente, tanto mais em contato se encontra com esse outro mundo, de maneira que, quando morre completamente, o homem vai direto para esse mundo.

Fiódor Dostoiévski

Nota: Trecho de Crime e Castigo

Tudo depende do ambiente, do meio em que o homem se encontra; tudo consiste no meio; o homem, em si mesmo, não é nada.

Pois se eu vejo a estupidez dos outros, por que
não procuro ser mais inteligente do que os outros?

Oh, que baixo eu caí! Não, do que eu necessitava era das suas lágrimas; o que eu precisava era de ver o seu medo, ver como o coração lhe doía e se despedaçava! Eu precisava de agarrar-me a qualquer coisa, de pactuar, de contemplar um ser humano! E tinha-me a resumir em mim mesmo tantas ilusões, e sonhar tantas coisas de mim, eu, que sou um mendigo, insignificante e reles, reles!"

Eu chego a pensar que a melhor definição para o homem é: uma criatura que tem duas pernas e nenhum senso de gratidão.

Fiódor Dostoiévski
In Notas do Subsolo

Se souberes demais, envelhecerás cedo demais.

Um hóspede não convidado é pior do que um tártaro.

Por que na minha alma vinha crescendo uma melancolia terrível por causa de uma circunstância que já estava infinitamente acima de todo o meu ser: mais precisamente ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto, tudo tanto faz.

Como os anos passam depressa! Que fizeste durante esse tempo? Chegaste realmente a viver ou não? Que frio faz neste mundo, basta que passem mais uns anos para que chegue a espantosa solidão, a trémula velhice que traz consigo a tristeza e a dor. O teu mundo fantástico há de perder então as suas cores, murcharão e morrerão os teus sonhos, e como as folhas amarelas que tombam das árvores, também eles se desprenderão de ti.

Fiódor Dostoiévski
Noites brancas. São Paulo: Editora 34, 2009.

É sabido que grupos completos de pensamento atravessam instantaneamente as nossas cabeças, na forma de certos sentimentos, sem tradução para a linguagem humana, menos ainda para uma linguagem literária... porque muitos dos nossos sentimentos, quando traduzidos numa linguagem simples, parecem completamente sem sentido. Essa é a razão pela qual eles nunca chegam a entrar no mundo, no entanto todos os tem.

O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela maneira como tratam seus prisioneiros.

O homem tem tudo entre as mãos e se tudo deixa escapar, é porque tem medo.

Aquilo que mais receamos é o que nos faz sair dos nossos hábitos.

O homem é infeliz porque não sabe que é feliz, só por isso.

Quando é preciso, afogamos até o nosso senso moral, a liberdade, a tranquilidade, a consciência até, tudo, tudo, vendemos tudo por qualquer preço!

Pois que em nosso século todos se dividiram em unidades, cada um se isola em sua toca, cada um se afasta do outro, esconde-se, esconde o que possui e termina ele mesmo por afastar-se das pessoas e afastá-las de si mesmo. Acumula riqueza isoladamente e pensa: como hoje sou forte e como sou abastado! Mas o louco nem sabe que quanto mais acumula mais mergulha em sua loucura suicida. Porque se acostumou a esperar unicamente de si e separou-se do todo como unidade, acostumou sua alma a não acreditar na ajuda dos homens, nos homens e na humanidade, e não faz senão tremer diante do fato de que desaparecerão seu dinheiro e os direitos que adquiriu.

Oh, queria tanto olhar para ela, ainda que fosse de relance, ainda que fosse de longe! "Agora ela está com ele; pois bem, dou uma olhadinha para ver como está agora com ele, com o seu primeiro amado, e é só disso que preciso." Nunca antes brotara de seu peito tanto amor por essa mulher fatídica em seu destino, um sentimento tão novo e jamais experimentado, um sentimento inesperado até para ele mesmo, um sentimento de ternura que o fazia quase suplicar, sumir diante dela.

Um sonhador - para explicar-me mais concretamente- não é um homem, fique sabendo,mas uma criatura de sexo neutro. Geralmente o sonhador costuma viver fora do mundo, num refúgio, como se se escondesse da luz do dia,e, uma vez instalado no seu esconderijo,vive e cresce nele tal como um caracol na sua concha ,(...) animal e sua própria morada (...) tartaruga".
Dostoiévski in Noites Brancas

Eu não posso calar-me quando meu coração grita(...) sonho todos os dias que, em alguma ocasião, em algum lugar, hei de encontrar e hei de conhecer alguém...Aí, se soubesse quantas vezes me apaixonei, só em imaginação!
(...)concretamente, apenas por um ideal que aparece nos meus sonhos. Eu, em sonhos, imagino novelas completas.
(in Noites Brancas)

Sonhador
A força de sua imaginação voltou a reanimar-se e, como por encanto , eis que surge em seu redor um novo mundo, uma nova vida encantadora. Um novo sonho...uma nova felicidade. Novo,requintado e doce veneno. ..Oh,que lhe interessa esta vida real! Segundo a sua limitada maneira de ver, nós, os outros, (...) levamos uma vida lenta, monótona e vazia. Segundo ele pensa, estamos todos descontentes com nossa sorte e atormentados pela existência...E de fato é verdade :há de reparar como entre nós, os que não somos sonhadores, ao primeiro olhar tudo perece frio,árido e hostil, como se tudo fosse mal e inimigo..." Coitados"!, pensa o meu sonhador. E não é nada estranho ele pensar assim. (...) essas visões mágicas que surgem à sua frente, tão sedutoras,tão magníficas, tão sem limites, como que nascidas do próprio nada, visões em cujo primeiro plano aparece sempre, nem seria preciso dize-lo, o nosso sonhador com seu eu tão querido. Não pode ver que aventuras, que série inesperada de coisas lhe acontecem. (...)
Sonho simplesmente com tudo, com tudo.

(in Noites brancas)

Não são os milagres que inclinam o realista para a fé. O verdadeiro realista, caso não creia, sempre encontrará em si força e capacidade para não acreditar no milagre, e se o milagre se apresenta diante dele como um fato irrefutável, é mais fácil ele descrer de seus sentidos que admitir o fato.

Quanto mais amo a humanidade em geral, menos amo os homens em particular, ou seja, em separado, como pessoas isoladas.