Arte é tudo aquilo
Que é capaz de criar asas
Concretizando o sonho de voar
Se aceitarmos jogos
Sem regras definidas
Seremos sempre vencidos
À espreita do dia seguinte
Seremos ludibriados pela areia
Correndo na ampulheta da luz
A distância entre os instantes
Vai encurtando nas espirais do tempo
Até à redução a um ponto
A poesia não é o final do atalho
É o próprio caminho
E o seu odor silvestre
Cada manhã é um manancial de oportunidades
Repetidas ao acaso na luz
E que terás que agarrar antes do ocaso
O poeta é um mágico
Capaz de transformar palavras
Em candeias de luz na noite
Porque é mais leve
Que as folhas das árvores
O corpo do poeta é levado no vento
Os impulsos do coração
Não chegam para alcançar
Os frutos nas árvores
O homem inventou as letras
E estas retribuíram
Inventando o Homem
A idade é a arte
De respirar o chão tangível
E os ecos do seu sopro
As rugas profundas da pele
São os vales dos rios
Que nos levaram para a foz
Renovadas nas mãos dos poetas
As folhas caídas no outono
Voltarão a ser folhas de papel
Mais que rimar palavras
Importa à poesia
Rumar as ideias
Pelas mãos dos poetas
As palavras libertam-se
Dos ferretes dos dicionários
Os instantes da metamorfose da voz
Poderão construir o corpo
Ou ser ecos perdidos
Até que o silêncio os dissolva
Os ecos perdidos no ar
Repetem-se ocos como balões de papel
Olhando para além das sombras
Conseguiremos ver
Para além da luz
Em ritual de água e fogo
Misturo as folhas dos livros
E faço uma tisana de palavras
Seguindo um rumo à deriva
Só depois de pisado
Se saberá se o chão é firme
A arte de saber olhar
É conseguir observar
Para além da penumbra do nariz
Soletro as tuas vértebras uma a uma
Para descobrir os poemas
Que existem no teu corpo
Coabitando o lenho
Das árvores que plantei
Nunca me faltará a seiva
Coabitando o lenho
Das árvores que plantei
Nunca me faltará a seiva
No extremo dum abismo
Admiro a paisagem
Mas a falta de asas matará os sonhos