Everton Medeiros
FOLHA
ser tão alvo
ávido por ser acertado
pela caneta ou pelo teclado
escrito ou digitado
impregnado ou pixelado
a branca folha
quer o branco extinto
pela tinta que almeja
mas que não seja pelo todo
pois o todo não comunica
a clara folha
não quer o vazio sem tinta
quer a mácula distinta
a tinta indiscreta
a presença concreta
que tinge e não pinta
pois finge ser cor
ainda que não seja
onde esteja... e aonde for
LUZ PROFUSA
o brilho se destaca
quando o restante
é luz difusa
errante
opaca
e naquele instante
a luz profusa
faz-se exuberante
MINHA VIDA
que a sua ausência
nunca me visite
e que passe longe
longe do meu mundo
que a sua presença
seja minha amiga
e assim nunca duvide
que você é minha vida
BARULHO
no silêncio, e apenas nele
eu ouço um barulho
o ruído suave e contínuo
da vida que não silencia
POEMA SAR(CÁUSTICO)
ah, essa vida
bandida confusa
matreira e atrevida
quase sempre obtusa
me joga num vaso
daqueles sem flores
e revela o descaso
imerso em odores
sem terra, nem chão
afundo em meu mundo
sugado no vão
do seguinte segundo
eis a descarga
que a vida me deu
tão triste e amarga
assim me fo…
REFLEXO
eu sou aquilo que vivo
reflexo daquilo que sofro
e daquilo que sinto
mas não vivo o que sofro
nem vivo o que sinto
MORTE VULGAR
se a morte quiser me achar
que seja numa mesa de bar
muito perto do mar
em noite de luar
comendo caviar
e bebendo até vomitar
pois nesse lugar,
morte vulgar,
eu nunca estarei
SENTIMENTO OSCILATÓRIO
O sentimento é oscilatório
deveras mutante
fúlgido que cega
por vezes dissonante
mas nunca peremptório
É onda que não traz brisa
da qual pouco se aproveita
Pérfido vai e vem
embaralha a mente estreita
e nela catalisa
É volúvel, mas não volátil
Sucumbe, posto que frágil
Exorta o que não presta
Não importa se molesta
E faz de nós
algozes de nós mesmos
TRISTE FIM
verde grama que adorna o triste jardim
aqui no fim o drama contorna e assiste
à dama com jasmim que torna e insiste
enfim em ver de novo que a rama orna
ESPELHO
olho para o espelho
e nada vejo, nenhum reflexo
um mundo negro, complexo
o plexo circunflexo
e dele, nenhum conselho
de ninguém conexo
pois tudo é reflexo
desse mundo desconexo
ESCURIDÃO
Perdido na escuridão da minha própria mente
perambulo entre meus infinitos pensamentos.
Nada vejo e nada ouço, mas sinto a presença.
E assim vagueio, desprovido de sofrimento.
Mesmo que inerte em tal febril momento
anseio um alento para esta travessia.
Em vão, procuro sua cálida alegria.
Sequer uma centelha de esperança.
Nada alcança ou acalma esta alma.
Caminho sem destino certo
e desconheço se está perto.
Tudo parece assim distante
e ainda foge num instante.
As palavras se consomem.
Os versos somem.
Chego, enfim
a este fim.
ESTE MUNDO ME ENCOLHE
é certo que muito está errado
não importa onde se olhe
quer pra frente
quer pra trás
quer pro lado
neste mundo que me encolhe
normal é quem escolhe o diferente
é igual a toda gente, mas atrás
um ser pungente e dissimulado
TERRAPLANISTAS
eles têm um plano
tão plano como a mente
que perdeu a curvatura
planificar a pobre Terra
e enterrar a nossa esfera
eliminar o meridiano
e soterrar o paralelo
mas haja paciência!
depois do cogumelo
acabar com a ciência?
cadê o fundamento?
não existe coerência
e falta embasamento
é triste ver o sapiens
voltar ao neandertal
parecem todos aliens
em meio ao carnaval
POEMA PARA NÃO SER ENTENDIDO
a polícia fez uma visita
por causa
de areia e pouca brita?
e este mato ao meu lado
impregnado
com cobras e lagartos
que cresce assim desenfreado?
cadê a viatura, seu polícia?
eu quero a roçadura
e não quero só notícia
FRAÇÕES HUMANAS
o tempo se sucede em frações humanas
sem volta, envolto em revolta, ele avança
e não se cansa das medições mundanas
de feições lineares e intenções circulares
ascende paulatinamente a outros lugares
CLARO QUE SÃO LOUCOS
- Albumina, é claro!
- É clara.
- Claro que é.
- Não, é clara... feminino.
- Sim... claro!
- Clara, caramba!
- Quem é Clara?
- Que Clara?
- Você falou várias vezes.
- Do ovo.
- Que ovo?
- A clara do ovo.
- Mas não tem nenhum ovo aqui.
- Claro que não, só a albumina.
- E cadê a albumina?
- Lá em cima.
- Em cima de onde?
- Na primeira linha.
- Mas lá não tem albumina.
- Do diálogo, Zé Mané!
- Ah, claro!
- Clara, meu! Não existe claro do ovo.
- Claro que não!
- Poxa, finalmente concordamos!
- Claro que sim!
- Ih, de novo não.
Certo de que acertaria o acerto com meu patrão, acertei-o na cara por não ter acertado os cálculos da minha rescisão.
Os sinais estão por toda parte. Eles me dizem claramente se devo continuar ou desistir. Mas há momentos em que fico na dúvida entre ficar ou seguir. É quando o sinal está amarelo.
O PRECONCEITO
é superficial
é periférico
é frágil e visual
é aquele que por primeiro aparece
é a PELE que recobre o corpo
e que, pela morte, apodrece
O CONCEITO
é profundo
é o núcleo
é forte e fecundo
é aquele que por último aparece
é o OSSO que sustenta o corpo
e que, pela morte, permanece