Erica Gaião
Essa coisa de digerir incômodos comigo não funciona, mas preciso aprender a fazer, se eu quiser permanecer em algum lugar ou em alguma pessoa. Eu também sei que dói. E dói uma dor inteira.
Depois de algum tempo, compreendi que inventar histórias felizes era apenas um caminho para tornar a sua existência suportável. Não suportava existir! Eu gosto… Na verdade eu gosto porque tenho um forte apego a tudo aquilo que me faz bem. E existir me faz bem! Mas não uma existência vazia, daquelas de poucas mobílias. Gosto dos espaços bem aproveitados; ocupados por tudo aquilo que é útil e faz bem a vida. A vida é dura demais para ser vazia!
Entre um vazio e outro descobri que o amor tem tantas facetas. Às vezes faz com que a gente se desentenda de nós mesmos ao ponto de fazermos coisas estúpidas, como, por exemplo, acreditar até quando a verdade se revela de um jeito que contraria os nossos desejos. O importante é ter em mente aquela sábia frase de Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena". A sua, com certeza, não é!
Às vezes desejo um amanhecer de mãos suaves, que toca a vida com leveza e sente a sua textura um pouco mais macia; desejo a lucidez necessária para viver amores correspondidos; sonhar sonhos possíveis e compreender o que nem sempre compreendo...
A vida é isso: Acontecimento! Ela acontece para quem mergulha nela, sem medo, com o coração aberto. Desse jeito! Medo é tropeço e, às vezes, a gente tropeça enquanto caminha pela vida. Tem gente que confunde o significado dos verbos cair e tropeçar... E escolhe trancar o coração e esconder a chave para ninguém achar. Eu prefiro cair e sentir a dor da vida para ter a certeza de que realmente estou viva e posso sim escolher o caminho!
Às vezes limitar o acesso é autodefesa; deixar no escuro é manter o mistério dos sentimentos; é deixá-los acontecer no seu tempo. E o mistério tem encanto.
Outra coisa interessante que descobri sobre o amor que me invade, é que o amor que eu sinto não é daqueles que vêm do fundo do coração; o amor que eu sinto é daqueles que vêm do fundo do útero. E, embora o coração o revele, quando bate descompassado, o útero é mais profundo porque é capaz de gerar vida. E amor é semente de vida que floresce! Amor nunca é quase vida. Amor é vida que floresce! Isso eu já compreendi. E eu amo assim, do fundo do meu útero! Seria essa uma explicação plausível para o amor e a complexidade da vida dentro de mim?
Talvez nada tenha tanta explicação e ouvir o silêncio da alma, quando se mergulha nela, é um meio de fazer tudo se explicar…
o amor revela até o nosso inacessível; e expõe nosso íntimo secreto até quando queremos escondê-lo. E a gente mergulha nele só para ver a nossa alma sorrir
Saudade é uma dor aguda por dentro... E não poder mais engolir aquele que a gente ama; não sentir alegria do fundo do útero é vazio imenso. E vazio é nada. E o nada é ausência de tudo. E amor não brota na ausência de tudo. Na saudade eu não consigo existir, porque não consigo ser inteira sem ter por perto o aperto da gigantesca presença ocupando todo o meu espaço.
Amor é sempre amor, não importa a forma, não importa o gesto. O que importa mesmo é sentir; é a dimensão desse sentimento e o que ele alude. E o ser humano sempre espera algo em troca, mesmo que distribua amor de forma despretensiosa. Ainda assim, há expectativa de algum retorno. Quem não gosta de reciprocidade? Portanto, perdoe-se por isso! Perdoe-se, porque certamente você faz o melhor que pode.
Às vezes o sol baixa mesmo, ou nem aparece entre as nuvens. Mas o importante é que em cada novo amanhecer existe uma nova oportunidade de luz.
O amor é assim mesmo pode acontecer ou não, mas é sempre acompanhado de firmeza e coragem. Desilusão? Faz parte… E às vezes entregamos o coração inteiro e recebemos de volta um bem machucado. Mas, como o amor transforma tudo em possibilidade, cuidamos dele e lá vamos nós, entregá-lo de novo… Isso sim é coragem! Além disso, o amor é um dos instrumentos da fé. Ter fé em algo ou em alguém é em si um ato de amor!
O que me retém não é a sensação de vazio. Porque vazio é nada; e o nada não absorve; não filtra; não preenche… E um coração que sente, não permanece inabitado por muito tempo – e pulsa intenso, até na inexistência. O que me retém é a ausência atrás da porta, quando enfim encontro a tão desejada saída, após ter me perdido dentro de um imenso labirinto emocional. Porque no fundo, no fundo, o que todo mundo quer após se perder, é encontrar nos braços abertos de alguém a paz que conforta.
O que me retém mesmo é o meio do caminho que existe entre o seguir e o ficar. E o meio do caminho quase sempre é um passo curto rumo à casa da incerteza. E a incerteza é o que mais me retém.
E sonho porque não sei viver a realidade - e tudo que ela traz - sem o pretexto de um dia poder realizar de fato aquilo tudo que guardo aqui dentro, e a vida real não alcança
Dor é quando a mão da tristeza atravessa a alma da gente e vai direto lá, apertar o coração. Mas, às vezes, a alegria dentro é tão grande, que a mão da dor se acovarda e solta.
Olhar para trás é coragem. Coragem para perceber nossas inconsistências e desacertos. Olhar para trás é tomar consciência. Há quem diga não a essa forma de conhecimento – ou por medo, ou por insegurança. O importante é saber que olhar para trás não significa retrocesso. Olhar para trás é referência… Mas não devemos nunca permanecer lá, porque é para frente que se anda.
Às vezes as expectativas "acerca de" embaçam a nossa visão; delimitam a nossa percepção e pedem que a gente se "transforme em" para se enquadrar. Mas não! Esse não é o caminho...
Dizer a dor já é coragem. Às vezes a travessia fica difícil, a coragem treme, mas ela nunca nos deixa no meio do caminho.
descobri, entre um vazio e outro, que o primeiro pressuposto do amor verdadeiro é o amor próprio (Philautia). Amar a si mesmo é não permitir intervenções que subjuguem os nossos sentimentos e façam a gente se sentir no subsolo do fundo do poço. Uma relação não precisa ser perfeita, porque não existe perfeição. Uma relação amorosa é sempre uma via de mão dupla e precisa apenas de amor e boa vontade para entender as infindáveis complexidades humanas.