Erica Gaião
(...)o que temos de mais essencial é aquilo que guardamos no fundo da nossa alma e atende pelo nome de generosidade. Um desejo íntimo do sentimento pelo sentimento, capaz de frear a intolerância, minimizar as diferenças e romper os muros construídos pelo ressentimento. Essa sublime generosidade distribui sentimentos de ternura, multiplica os afetos e dá vida a nossa inesgotável capacidade de amar…
(...) nos momentos de fraqueza, o melhor a fazer é calar a voz dos sentimentos para deixar falar a voz da razão… E às vezes a razão diz – daquele seu jeito determinado – que o silêncio é a melhor resposta quando a incerteza resolve demorar um pouco mais dentro do coração.
Durante algum tempo acreditei que contabilizando afetos alcançaria a plena felicidade. Que declarando que amava, alcançaria a plenitude do amor verdadeiro. Que aquilo que sentia valia mais que os outros sentimentos. Equívocos de alma pequena! Às vezes, os ecos de enganos gritam dentro da gente, mas não estamos aptos a ouvi-los; porque o som da nossa própria voz dizendo, em sintonia errada, dificulta o entendimento e traz ruído aos sentimentos. Hoje não ouço nada, apenas confio! Confio naquilo que chamamos de instinto. Confio e escrevo! E escrevo, simplesmente, porque não conheço outra maneira de dizer, senão através das palavras…
Ali, entre um intervalo e outro, na pausa dos sentimentos, na divisão dos momentos, conseguia identificar fragmentos de amor verdadeiro. Àquele que é a essência íntima de todas as coisas; que resiste a imensidão do tempo; que espanta o medo das incertezas; que nos convoca à generosidade da entrega e faz a vida valer a pena. Esse amor realmente existia!
De vez em quando a voz dos sentimentos cala; fica muda… De vez em quando, a visão desfocada dos acontecimentos embaça o nosso próprio conceito de entendimento. E a gente se desentende… Desentender-se da vida toda que existe em nós, faz com que, de tempos em tempos, a gente se transforme, sem querer, em um enorme deserto inabitável para os sentimentos. Lugar vazio, árido… Lugar onde o tudo para e o nada acontece.
eu que sou frágil ao extremo – embora tenha força suficiente para permanecer -, quando sou vazio desértico, me desfaço em mil pedaços que são levados pelo vento… Mas o tempo reconstrói; o tempo modifica; o tempo recolhe os nossos vazios; o tempo reúne os nossos pedaços e recompõe a nossa essência. Esse tempo que reconhece o nosso imenso valor diante da vida. Esse tempo é amor que ilumina desertos!
Nas palavras encontro o meu eixo e na reflexão abrigo a minha alma. Nunca pensei que essa paixão sufocada durante anos pudesse, hoje, trazer o conforto e a felicidade que busquei durante toda a minha existência. Agora percebo que existo como ser no mundo porque penso, ajo e transformo a minha natureza inquieta em versos, prosas e crônicas. Pelo meu pensamento, expresso em palavras, descrevo a realidade como a percebo e vejo a minha alma transitar pelos caminhos conforme a sua vontade. Livre, como deve ser o passeio de um pássaro que vai para onde quer, quando quer, sem se preocupar com o tempo…
(...) tenho sempre a sensação de que meu coração sairá pela boca – e tenho urgências imensas. Sobretudo, tenho urgência em ser feliz! E não gosto de esperar que as coisas se resolvam por si só; quero tocá-las com tudo aquilo que há em mim e fazer acontecer o agora. Mas a vida na sua estranheza toda nos convida, algumas vezes, a compactuar com o tempo.
Às vezes a vida é descompasso e as relações também. Guardar com saudade o que é bom, não deixa o amor morrer. Quanto ao resto, o tempo da lua, o tempo do mar; o tempo do tempo certo, faz o silêncio falar. E ele fala!
Estou sempre sujeita às fortes alterações climáticas; mas penso que alterações climáticas ocorrem também nos lugares conhecidos como paraíso. Assim como os momentos de escassez e abundância. O importante é permanecer e não fenecer. Eu me esforço à beça para que isso não aconteça. Agora, por exemplo, estou no momento de escassez poética; minhas palavras resolveram passear sem mim. O que me resta? Respirar fundo e aguardar o tempo delas… Quem sabe elas voltam mais entusiasmadas?
Para falar a verdade, não tenho apreço pelo passível de erro. Concebo os erros como um caminho possível para os futuros acertos. Assim como a noite precisa do dia para cumprir o seu ciclo. Como já disse algumas vezes, tudo precisa do seu contrário.
(...)respeitar-se significa conhecer os seus próprios limites e delimitar o espaço do outro na sua vida; significa viver os sentimentos com verdade - os bons e os ruins; porque tudo precisa do seu contrário. Isso faz com que tenhamos uma visão real dos acontecimentos; permite os fluxo dos sentimentos e alivia o coração, porque o coração sufocado dói.
A possibilidade de um novo recomeço sempre renova a esperança. E às vezes o renascimento ajuda a clarear a visão dos acontecimentos.
Às vezes somos traídos pela falta de inspiração, mas acho que isso acontece com todo mundo. Recolher-se ao silêncio é bom para entender e transformar os sentimentos em palavras.
Todos têm o direito de pensar, desejar e dizer o que quiser. Porém, não devem confundir o verdadeiro significado de sensibilidade. Muitas vezes, ter sensibilidade significa perceber o momento certo de pensar, desejar e dizer sobre sentimentos.
Às vezes um mergulho na alma é extremamente importante, pois só a partir disso conseguimos fazer àquela faxina necessária ao espírito, que nos ajuda a separar o bom e o ruim dos sentimentos. E com o tempo a gente enxerga do lado de dentro, tudo àquilo que a gente supõe existir somente do lado de fora. Que o que nosso caminho é nosso e nada nem ninguém consegue nos manter longe dele por muito tempo.
Às vezes é no desencontro que conhecemos o verdadeiro significado do amor. O tempo é só um pequeno detalhe. Importante é permanecer na vida carregando a certeza de que o nosso caminho é nosso, e nada nem ninguém é capaz de nos desviar dele por muito tempo. Quando isso acontece, a própria vida se encarrega de corrigir os erros de percurso. Falo isso com propriedade, porque em um desses desencontros, a vida me presenteou com outra vida.
Escolhemos todos os dias,sobre todas as coisas que existem; desde as mais simples. Escolhi, por exemplo, não carregar dentro de mim a rigidez imposta pela idade adulta. Prefiro a inocência da infância. Escolhi ser feliz...
E a vida? É curta e ardilosa; e, de vez em quando, atravessa o meu equilíbrio oferecendo na hora errada aquilo que desejo, mas não alcanço, justamente, por ser a hora errada.
Às vezes eu me vejo, mas não me enxergo... Quando isso acontece respiro fundo e aguardo. Nesse ínterim as palavras assumem o comando e traduzem o meu silêncio dizendo a seu modo tudo aquilo que, antes, eu não conseguia enxergar. Mas sempre falta alguma coisa! Por outro lado, a falta de alguma coisa faz com que eu me movimente e vá ao encontro daquilo que eu não sei, mas sei que existe.
A vida, às vezes, desenha a nossa história de uma forma estranha. Também sou surpreendida por dores e amores; e vivo-os com intensidade... Conseguir caminhar com dignidade, respeitando sempre a nossa humanidade - chorar e sorrir quando se tem vontade - é sim saber viver e confiar na vida!
Que bom poder sonhar e amar na frequência correta ao ponto de poder agradecer à vida por essa dádiva.
(...) gosto de refletir sobre a vida e eu sou isso: Um reflexo de tudo aquilo que a vida depositou em mim. Mas de tudo mesmo, seja bom ou ruim, porque sou de uma humanidade superlativa. E não gosto de gente que agride a sua humanidade, separando as sensações e os desejos, daquilo que dizem os outros, ser bom ou ruim para a sua existência. Não há nada mais insosso do que viver com a alma fora do corpo. Com o corpo seco e a alma desbotada, esperando a oportunidade do reencontro…