Elis Barroso

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TECITURAS

Eva tecia em folhas de figueira
Penélope seu longo bordado
As vozinhas costuravam em máquinas onde brincávamos de dirigir
Época em que agulha e linha da vida faziam parte
As mãos teciam
Enquanto a gente fazia arte

Ah! Pena que quase tudo isso acabou
Deixe eu terminar de tecer essas palavras
Vou aliavar esse poema
Antes que nos roubem isso também.

Inserida por elis_barroso

MINHAS ESTAÇÕES

Que nem meus outonos
Quando caírem minhas folhas secas
Nem meus invernos
Quando eu precisar que me aqueça
Tirem de mim a beleza de um novo dia de sol
Nem a delícia de ser visitada pelo beija-flor
Quando eu voltar a florir.

Inserida por elis_barroso

ONTEM, AGORA E DEPOIS

Meu Passado querido
Trago as lembranças
Um pedacinho de ontem
Pra não esquecer de ti
Foi bom o quanto durou
Precisei partir

Ah Futuro indeciso!
Parece que não sabe escolher
Tão cheio de caprichos
Nem sei o que esperar
Por isso te deixo de lado
Não vou mais te namorar

Ando flertando com o Agora
Apaixonei-me de repente
Ele é tão espontâneo
O Hoje me deu presente.

Inserida por elis_barroso

RESULTADO

Sou a soma de tanta coisa
De todos os meus medos
Meus dias nublados
Dos meus equívocos
Resultado dos livros que li
Cada pensamento louco
Todos os papos bobos que me fizeram sorrir

Sou a soma de cada imagem que guardei na retina
Cada palavra que resolveu morar em mim
Cada amigo
Cada sim que me acalentou
Cada não que me fez crescer
Cada beijo doado
Dos roubados também

O resultado ainda não sei
Em pequenas doses posso ser cura
Em grandes talvez seja veneno.

Inserida por elis_barroso

Hoje
Abrigarei soluços no peito
Afogarei o travesseiro
Direi adeus sem palavras
Sem abraços
Sem seu reflexo em meus olhos

Hoje
Dividirei o copo com a tristeza
Tomarei um porre de saudade
Beberei do vazio que ficou

Só hoje
Amanhã passarei batom vermelho
Darei novos sorrisos
Se não der...

Viverei de improviso.

Inserida por elis_barroso

SÓ EU SEI

Só eu conheço o peso de minhas bagagens
As trilhas que percorri
Cada beco
Encruzilhada em que me perdi
Cada vale que cruzei
Estradas que me achei e me perdi outra vez

Só eu sei de minhas andanças
E cada mudança que sofri no caminho
Cada vez que deixei de lado a razão
E ter a sensação de se estar sozinho

Sim! Só eu sei
Da delícia e da tortura
De jamais voltar a ser quem fui.

Inserida por elis_barroso

POR AÍ

Andando pelas calçadas
Encontrei poesia onde não previa
Nos pombos que disputavam pipocas caídas
Em pequenos botões que brotavam no canteiro
Em formigas andando em fila
Nos corações pichados em um muro de escola

Andando pelas ruas
Quase tropecei em poesia
À encontrei em uma rachadura no asfalto
No badalar dos sinos da igreja
No tabuleiro da baiana
No cheiro doce de uma laranjeira

Andando por aí
A poesia quase tropeçou em mim.

Inserida por elis_barroso

À PROCURA

Paz
Encontrei em um ninho feito em uma árvore à beira da avenida
Carinho
Encontrei em um cafuné no sofá num dia frio de inverno
Paixão
Encontrei nas roupas espalhadas pelo chão da sala
Amor
Esse eu procurei e não achei
Foi então que o vi nascer
Crescer devagarinho
Ser cuidado noite e dia

Antes eu não entendia
Só o amor é assim
Ele não vem de repente
Cresce feito semente

Se bem cuidado
Não há quem arranque a raiz.

Inserida por elis_barroso

RIO, SONHOS E PEIXES

Eu gostaria de segurar os sonhos
Pena que sempre escapam
Parecem a truta a brincar com o pescador
Dança à sua frente
Parece até que sorri
Foje faceira por entre as águas do rio

Quando sonho com você é assim
Parece estar ao alcance das mãos
Some de repente em meu despertar
Fecho os olhos novamente
Tento voltar a sonhar

Lá se vai mais um sonho
Sorrindo de mim
Saltando no rio.

Inserida por elis_barroso

ENTRE PEDRAS

Já não sou flor de jardim
Aprendi a crescer entre pedras
Hoje nasço em frestas de muro
Cresço em rachaduras de asfalto
Sem o regar do jardineiro
Sobrevivo das gotas de orvalho

Já não sou flor de jardim
Cresço até em terreno baldio
Se arrancarem minha raiz
Brotarei novamente

Minhas sementes dei para os passarinhos.

Inserida por elis_barroso

Minha solidão
Tão minha
Tão só
Tão seca
Sedenta
Minha solidão mata a sede na água de sua boca.

ESTAÇÕES, DIAS E CORES

Quero ser sábado
E gostar de ser uma quarta-feira
Um dia qualquer
Ser ensolarada
Também saber chover
Gotejar quando quiser
Quero ser azul infinito
E achar bonito me acinzentar

Quero ser cada dia da semana
Todas as estações
Saber ser todas as cores

Só não quero ser a mesma
Quando acordar amanhã.

O PAÍS QUE EU QUERO PARA O FUTURO

O País que eu quero para o futuro
É onde os relógios não tenham ponteiros
Todos sejam poeta de alma
Onde os amores sejam inteiros
E a pressa tenha calma

O País que eu quero para o futuro
É onde a vidraça seja amiga da bola
Onde o talvez vire sim
Todo menino ganhe abraço da escola

E que não riam de mim por querer um País assim.

Inserida por elis_barroso

PENAS E GUERRAS

O homem em busca de paz
Escolhe armas para lutar
O poeta em busca de mais
Recolhe as penas que os escreve poemas
Transforma em asas
Para voar.

Inserida por elis_barroso

CONSTRUÇÃO

Quero ser assim
Tal qual passarinho que constrói seu ninho
Um graveto por vez
Cada qual com seu tamanho
Uns fortes
Outros delicados
Pedacinhos de galhos que pareciam perdidos
Juntos viram ninho

Quero ser assim
Tal qual colcha de retalhos
Com tantos pedaços
Remendos
Que cresce aos pouquinhos

E sua beleza é trazer em si
Pedaços que não eram seus.

Inserida por elis_barroso

Se você é remédio ou veneno ainda não sei
Só sei que vou beber até a última gota.

LETRAS

Transformo-me em textos
Há dias que sou uma palavra apenas
Em outros sou sentença
Já acho que sou mais letra que gente
Às vezes amanheço verso
Anoiteço poema
Adormeço toda prosa.

Inserida por elis_barroso

FLOR DA PERIFERIA

Se eu fosse flor
Queria ser flor do caminho
Daquelas que não se vende
Ninguém se preocupa em molhar a raiz
Cresce fincada à terra
Entre espinhos e pedras

Se eu fosse flor
Não gostaria de ser rosa, orquídea
Ou um frágil lírio

Queria ser flor que nasce em ruelas
Em becos
Flor de periferia
Daquelas que passam despercebidas
Rejeitadas
Quando se percebe já se espalhou
Tirou forças da terra seca
Cresceu sozinha
Espalhou sementes

Já não adianta arrancar.

Inserida por elis_barroso

MARGARIDAS & GIRASSÓIS

Quando criança
Por várias vezes acariciei margaridas
Tentava consolá-las por nunca se transformarem em girassóis
Os dedinhos infantis alisava as pétalas como se elas sonhassem
Nunca contei que girassóis não são margaridas crescidas
Tentava fazê-las se sentir queridas
E entender que eram lindas
Singelas assim
Só por serem elas

Quando criança
Eu pensava que cuidava das margaridas
Agora sei
As margaridas cuidaram de mim.

Seu corpo rio
percorreu distâncias
até desaguar
em meu corpo mar.

Inserida por elis_barroso

ACORDES

Queria te pintar em uma tela
Em cores
Em aquarela te dar forma

Ou quem sabe fazer acordes
Te transformar em música
Fosse pra rir ou chorar
Canção pra matar a saudade
Quando saudade quiser me matar.

PAÍS DE MUDOS

Nesse grande manicômio que se tornou o país
Das gargantas roubaram os gritos
Das bocas tiraram a voz
Silenciaram toda a gente
Meu Deus!
O que será de nós?!

Inserida por elis_barroso

Os poros em erupção
É resposta da minha pele
Aos segredos contados por sua língua.

Inserida por elis_barroso

CHÃO E MESA

Não gosto de amores assim
Comidos de garfo e faca
Pelas beiradas
Degustados em pequenas porções

Muito menos de amores frios
Que ficam no canto do prato
Já não descem na garganta
Nem pode ficar pra amanhã

Gostosos são aqueles comidos como fruta
Arrancados do pé ou pegos no chão
Mordidos com vontade
Que escorrem pelo canto da boca

Inserida por elis_barroso

ARTIFICIAL

Nesse mundo tão vazio de toques na pele
Cheio de toques na tela
Olhares rasos
Conversas secas
Onde não há mais lugar para cartas escritas a mão
Nem se conhece o cheiro do amigo

Nesse mundo sem conversas na calçada
Onde não se olha mais o céu
Não se conta mais estrelas
E os pirilampos são apenas recordações

Temo que a primavera nos dê flores de plástico.