Eduardo de Paula Barreto
SÚDITOS SEM REI
30/07/2020
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Era uma vez uma sociedade
Em que tudo era permitido
Desonestos pregavam honestidade
Imorais enalteciam o moralismo
E religiosos sem escrúpulos
Faziam da fé um escudo
Para acobertar seus pecados
Enquanto ladrões cínicos
Travestidos de políticos
Roubavam o Estado.
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Havia também gente má
Fingindo ser gente de bem
Que não sabia o que é amar
Mas sabia odiar como ninguém
E que preferia a agressão
Como argumentação
Para resolver os conflitos
Fazendo da força o meio
Transformador do belo em feio
E do feio em bonito.
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Lá havia pessoas tolas
Ludibriadas pelas palavras
Que saltavam da boca
De um homem que babava
Enquanto ruminava o ódio
Que nutria o ser mórbido
Que se proclamava soberano
E transformava em súditos
Quem aplaudia os estúpidos
Discursos de um insano.
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Mas um dia o Rei deixou
Cair diante de todo o povo
A máscara que sempre usou
Para esconder que era louco
E por todo canto
Surgiram sofridos prantos
Que levaram muitos à morte
Porque o Rei que nunca existiu
Fez naquela terra chamada Brasil
Surgir milhões de bobos da corte.
UM OU OUTRO
13/03/2021
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Um faz arminha com a mão
O outro faz um coração
Com os dedos das mãos sofridas
Um incentiva ignorância e morte
O outro estimula a simbiose
Entre conhecimento e vida.
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Um simboliza o desrespeito
A intolerância e o preconceito
Contra as minorias da população
O outro representa os braços
Que num infinito abraço
Envolvem todos sem distinção.
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Um é o retrato do retrocesso
Que entrega a baixo preço
As riquezas do seu País
O outro tem no currículo
Que sabe tornar seu País rico
E fazer o povo feliz.
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Um aglutina toda a maldade
Das pessoas cuja personalidade
Vê nele a chance de expressão
O outro reúne ao seu redor
Aqueles que fazem do amor
O combustível do coração.
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Um faz show de horrores
Alegrando os espectadores
Que o aplaudem com gosto
Enquanto o outro desperta saudade
Do tempo em que a felicidade
Estava ao alcance de todos.
PÁTRIA PÁRIA
14/04/2021
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Debruçados nos peitoris
Das escancaradas janelas
Gritavam: ‘O meu País
Não será uma Venezuela’
E aquela gente enfurecida
Colocou um genocida
Como líder da Pátria
E agora todos calados
Veem o Brasil transformado
Num indesejado pária.
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Por temerem que o Brasil
Virasse uma nova Cuba
Elegeram o imbecil
Que encantava turbas
Mas bastou ele assumir
Para o povo descobrir
Que abusou da sorte
Porque com o cetro na mão
Quase transformou a Nação
Numa Coreia do Norte.
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Essa gente brasileira
Que gritou na minha orelha:
‘A nossa bandeira
Jamais será vermelha’
Hoje em dia se constrange
Ao ver que foi sangue
Que as quatro cores cobriu
E agora pagamos o preço
De ver o mundo ter medo
De virar um Brasil.
MAIS DO QUE PÃES
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Existe uma força espiritual
Que religa o cordão umbilical
Permitindo que a mãe receba amor
Enviado pelo filho grato
Que aceita que apenas no parto
A mãe possa sentir alguma dor.
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O colo se transforma no ventre
Que oferece abrigo quente
Para o filho que amadureceu
Ninho em que encontra guarida
Oferecido pela mãe querida
Que nem percebe que ele cresceu.
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Mães, mãezinhas, mamães
Merecem mais do que pães
Ou joias cheias de brilho
Precisam apenas ser amadas
E no colo suavemente embaladas
Como se mães fossem seus filhos.
CHIBATAS MODERNAS
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Que o fluido do trabalho
Seja o suor e não a lágrima
E que nas mãos haja calos
Ao invés de marcas trágicas
Causadas pela aplicação
De condições que não
Preservam o trabalhador
Transformando o que deveria
Ser uma fonte de alegria
Numa grande usina de dor.
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Que o trabalho seja uma ponte
Para conduzir quem se dedica
À conquista do horizonte
Onde o seu ideal habita
Mas que jamais seja um muro
Entre o presente e o futuro
Por isso eu proponho
Que o trabalho sempre seja
Garantia de alimento para a mesa
E de estímulos para os sonhos.
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Que haja líderes e não feitores
Com novos métodos de tortura
Que fazem dos trabalhadores
Vítimas de uma escravatura
Na qual disfarçados escravos
Se julgando livres são alvo
Da ambição desmedida
Da minoria abastada
Que com invisíveis chibatas
Produz visíveis feridas.
LATIFÚNDIO
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O primeiro dono da Terra
Abriu mão de fazer escritura
Apenas a distribuiu em glebas
Para a subsistência das criaturas
Que plantavam para comer
E comiam para viver
Cuidando dos pedaços de chão
Chão que alimentava os animais
E que com ricos mananciais
Fazia germinar os grãos.
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Como vassalos do suserano Deus
Tinham que cuidar da terra recebida
Permitindo a todos os irmãos seus
O livre acesso às bênçãos Divinas
Como trabalhar para alimentar o corpo
E exercitar a fé no verdadeiro dono
Das terras cheias de minérios nobres
Deus dava tudo e não exigia nada
Mas das Suas criaturas Ele esperava
Que na terra não houvesse pobres.
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Os que receberam as terras como dádiva
Nelas fizeram semeaduras de prantos
Pois com a cobiça produziram lágrimas
Que caindo regaram os campos
E como água salgada não nutre o solo
Nas plantações de dor só vingou o ódio
Que até hoje alimenta as guerras
Pela posse da terra pessoas se consomem
Mas a terra não pertence ao homem
É o homem que pertence à terra.
PELOURINHO
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Bate na palmeira o vento
E o negro por um momento
Julga ser a brisa do mar
Mas percebe muito tarde
Que são brancos covardes
Que vieram para lhe buscar.
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Sem se despedir da família
Sob gritos que o humilham
Vê distanciarem-se os coqueiros
E num barco com outros tantos
Prisioneiros em pleno pranto
É levado ao navio negreiro.
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São centenas de nativos
Transformados em cativos
Homens, mulheres e crianças
Que no porão do navio
Passam calor, fome e frio
E perdem a noção da distância.
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Os que se mostram valentes
São presos com correntes
E obrigados a se calar
Pois com crueldade desmedida
Não relutam em lhes tirar a vida
Os lançando ao frio mar.
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Ao serem tratados feito bichos
Não entendem a razão do sacrifício
Pelo qual estão passando
Será maldição dos orixás
Ou os demônios vieram nos buscar
E para o inferno estão nos levando?
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Depois da árdua viagem
Os de maior força e coragem
Chegam ao porto estrangeiro
E aquela estranha gente
Falando numa língua diferente
Os troca por algum dinheiro.
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Vão para lugares variados
Os de sorte se tornam criados
Mas os demais que a elite avassala
Têm como destino os açoites
E as delirantes noites
No duro chão das senzalas.
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O cepo, o tronco e a peia
Lhes tiram o sangue das veias
E a sua resistente dignidade
Os grilhões e máscaras de flandres
Lhes derrubam o semblante
E eles sucumbem à saudade.
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Muitos veem nos pelourinhos
A única alternativa e caminho
Para fora da vida trágica
Pois o escravo que é forte
Encontra na própria morte
A chance de voltar à África.
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
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A gente entra no veículo
E já vai ligando o GPS
Para não dirigir em círculos
Evitando ter mais estresse
E a voz do guia virtual
Nos leva até ao final
Do trajeto sem reclamar
Assim não decoramos mapas
E deixamos nas estradas
A capacidade de memorizar.
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No momento das compras
Diante das vitrines tentadoras
Ao invés de fazer contas
A gente usa calculadora
Pra ganhar tempo e dinheiro
E passar o dia inteiro
Com nada pra se preocupar
Assim a gente ri à beça
Mas sem conta de cabeça
A gente desaprende a calcular.
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O professor pede um texto
E com preguiça de escrever
A gente inventa um pretexto
E vai no ChatGPT
E assim nos livramos
De ter que ficar juntando
Conhecimento e habilidade
Então tiramos nota dez
Mas perdemos de vez
A nossa criatividade.
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A gente vive cercado
De recursos modernos
Nada disso é pecado
Que nos levará ao inferno
Mas se não nos precavermos
No futuro próximo seremos
Vítimas do avanço tecnológico
E por termos deixado de pensar
Veremos robôs a nos examinar
Nas jaulas dos zoológicos.
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Eduardo de Paula Barreto
20/04/2023
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