Eduardo B. Penteado

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TREVAS
Eduardo B. Penteado


É linda a lua do meio-dia
Brilha tola em sua própria mentira
Brilha sobre os espectros
Brilha sobre a abadia
Reina sobre os ausentes
Reina sobre o messias

Os Monges Ébrios de Vinho
Não mais habitam a abadia
Não mais descem a escadaria
Vazia
Deixaram-me aqui, sozinho
Um brinde, então
Aos espectros

É linda a lua do meio-dia
Brilha tola em sua própria mentira
Atravessei o espelho, e voltei
Vi meu outro eu, sereno
E me imitei
Cantei um poema hermético
Sem rimas, sem versos
Apenas sons desconexos
Escutei o canto dos espectros

Temo pela minha sorte
Tremo pela minha morte
Mas como é serena a minha morte...
Atravessei a fina película, e voltei
Vi meu outro Deus, e finalmente
Evaporei
Como a última gota do oásis fictício
Na periferia de um vasto deserto.

AREAL
Eduardo B. Penteado


I


Um dia, parti de olhos vendados
Para desbravar os desertos...
Pisoteei flores raras em teu oásis de diamante
Mas o mundo é infinitamente finito!
Sempre em frente, em minha marcha
Regressei ao ponto de partida

Foi então que vi os muros.
Encontrei uma porta sólida e impenetrável
Justa e inevitável
Cuja única chave jaz perdida
Sob as areias dos desertos de minha vida

Parto agora numa busca mais objetiva.
Buscarei a chave que abre a tua porta
Tudo que possuo agora é o tempo que me resta
Uma enorme ampulheta
Um oceano de areia
E um fio de luz que escapa por uma fresta.


II


Se fosse definir para ti este momento louco
Acho que começaria por descrever os ecos
Loucos e ocos de lógica
Que reverberam contra mim.
Às vezes sinto-me como uma caverna secreta
Um poço de sons
Uma mera estrutura de ossos, sangue e olhos
Com todo o resto a ser preenchido
Por uma expectativa de um algo mais
De um grito...

De uma louca corrida por areias úmidas
De escuridão.
De um passo em falso
Na direção de um lindo abismo
Que foge à compreensão das outras pessoas
Pois dirige sua queda para cima
Rumo a um parafuso incontrolável de descobertas
E déjà-vu
Girando, girando
Mãos, olhos, bocas, vidas, tempos...

De tempos em tempos
O ponteiro dos segundos se mexe
Um brilho de diamante me ofusca
E eu alucino.
De tempos em tempos
A porta deixa escapar um fio de luz
Instantâneo, porém intenso
Tímido, lindo e tenso
Apenas um pequenino e tímido fio de luz
Que ilumina a periferia dos desertos.


III


Tenho areia nos olhos e água pura nas mãos
Sinto uma lágrima seca no rosto
Coagulando
E em meio a uma tempestade de areia
Vejo alguém a girar,
Girando no falso redemoinho da ampulheta.
Vi meu sangue na areia
Dei as costas para a porta.

Tenho areia nos olhos e uma cascata nas mãos
Por onde escapas de mim
Grão, grão, grão após grão
Girando mãos
Girando olhos
Girando uma tranca que, simplesmente... não.

''Um olho na fechadura,'' repete o eco
Mas tem de ser diferente!
Tende a ser referente:
O arame farpado que me isola de ti
Também cerca o meu horizonte
Não vejo campos, não vejo montes
Abre então a porta do teu desejo.


IV


A lua surgiu
E cobriu meus desertos.
Aqui e ali emergem espectros
Que fitam o sangue em minhas veias
E voltam a desaparecer nas areias.
Fechei os olhos,
E dentro de minha própria escuridão,
Adormeci.

Sonhei que a areia me cobria, e gritei!

Quis esmurrar a porta, como que possuído
Mas ela se transformou em fino cristal
Frágil demais para ser destruído.
Desaprendi o limite entre o sonho e o real
E brindei à dor do não concluído.
À minha volta, a paisagem se modifica
Os espectros me chamam para outra dimensão
E do outro lado da porta de cristal
Alguém sussurra o meu nome... em vão.
Em vão!


V


Um dia, parti de olhos vendados...
Estou fora dos desertos
As areias se transformaram em pó e cinzas
Junto com os princípios básicos da paixão
Repenso estroboscopicamente aquilo que vivi
Areia, ampulheta, abismos, gritos, gritos!

Um adeus às armas
Um impossível adeus às lágrimas
Um improvável adeus aos lugares-comuns.
Ora, boa noite!
Que surpresa vê-la aqui...
Para onde ir e de onde vir?

Inocência, deixe-me rir
Inocência, leve-me para longe dos desertos
Vastos e úmidos desertos
Cobertos por uma fina película de sangue
Sangue na areia
Uma rosa branca na areia
Ela está morta, e jamais gostou de rosas
Estou livre...
O céu se partiu, e está chovendo vidro.

LÁGRIMA
Eduardo B. Penteado



Teus olhos inundam meu pensamento
No silêncio tardio de todas as noites,
De uma saudade nova e sinfônica
Tão recente quanto indecente
Grandiosa, phylarmonica
Sem similar nem precedente
Confesso, ardente
Todas as coisas que ainda não fizemos
Todas as palavras que ainda não dissemos
Aumentam ainda mais
A saudade do que ainda não houve
E se concentram numa lágrima azul
Sim, azul
Um resumo de tudo o que penso
Uma sinopse de tudo o que sinto
Uma lágrima que nasce no canto de meus olhos
Um canto azul de uma cantiga triste
Que insiste
Insiste em ameaçar-me com a sombra do proibido
Mas eu sei
Não há proibido dentro de mim
Por mais que eu tente me repreender
Por mais que eu tente entender
Por mais que eu tente me esconder, não consigo
É tudo óbvio demais,
Ana.

ESSÊNCIA
Eduardo B. Penteado


Às vezes
Sinto-me batendo nas teclas de um piano mudo
Surpreendo-me camponês
Semeando terras estéreis
Vejo-me voando com asas de cera
Cada vez mais alto, tentando alcançar teus olhos
Tentando alcançar com a ponta dos dedos
Uma lágrima que cai com o vento
Uma gota que se estilhaça ao me aproximar
Me faz parar, deitar e chorar
E te abandonar
E te deixar só em tua ilha distante
Longe dos meus versos azuis
Longe do meu olhar suplicante
Nunca saberás, então
Quanta saudade sentirei no primeiro segundo
No instante em que me rasgar tua ausência
Nunca saberás qual é o gosto de minha essência
Não posso mais vagar pelas trevas
De tua velha mansão em ruínas
Não consigo buscar-te às cegas
Numa queda livre que nunca termina
No entanto
Se tudo que fomos foi poesia
Deixo-te uma garrafa de minha essência
Infelizmente
Vazia.