Ebrael
Nada é inútil na Natureza, nem a Memória. Se um animal aprende, ele o faz porque correlaciona elementos sensíveis e passíveis de serem memorizados. Isso não é apenas resultado de condicionamentos nos animais, pois os humanos também são expostos quase o tempo todo a condicionamentos, ambientais ou emocionais.
DE AMARITUDINE (SOBRE A AMARGURA)
Como nos salvarmos de nós mesmos? Somos o que somos, um núcleo duro cercado de clara de ovo por todos os lados, de liquidez instável, porém que não nos modifica em nada a vida. Somos o resultado de estímulos vívidos diferentes, nada mais. Mudam-se os prantos e os pranteados, a marca do cigarro consumido à exaustão durante as madrugadas. Mas os dentes amarelados continuam os mesmos, bem como o jeito esquisito de sorrir, os olhos baixos, tão inexpressivos e preguiçosos. O núcleo duro permanece intacto, a personalidade com suas imensas crostas, a ira das lágrimas e o tremor das mãos ávidas por revide.
Essa inépcia do Ego em servir-se do resto de alma que ainda subsiste sob o imponderável de nosso Ser é o que nos permite sobreviver sem sermos pulverizados de uma só vez neste mundo terrível. Não, não o orbe terreno, mas o mundo, esse teatro armado de emoções humanas, sem destino, sem motivos. Acaso, o que sobraria de nós se nossa fornalha interior trabalhasse sem descanso, sempre mais voraz?
Um sorriso sóbrio, sem alardes, já denota a castidade dos sentimentos, a suavidade e o cuidado com aqueles a quem devemos respeito e reverência. O sorriso casto não busca conquistar amizades ou a simpatia de quem quer que seja, mas tão-somente levar alegria e/ou bálsamo lenitivo aos que necessitam.
Mas, é exatamente essa a alma do Morro: o som. O som de quem resiste, sobrevive, mesmo quando não tem para onde mais ir.
Diz o bom senso que os filhos não herdam as dívidas dos pais ou ancestrais. Assim sendo, o povo que não se identifica pela cor da pele em relação aos seus pares (se os considerarmos iguais perante a Lei) não têm dívida histórica alguma, nem para com pessoas que já se foram, vítimas ou não de crimes no passado, nem para com os descendentes destes se não estiverem num regime legal isonômico (ou seja, se estes são tão cidadãos quanto todos os outros).