Douglas Rodrigues da Silva
Chuva que molha a roseira
não é que eu queira
suas águas no meu chão,
mas não desperdice tanta lágrima
assim em vão...
O porquê de agora
não mais explica
os erros do que passou,
mas a toda hora
faz martelar
por que
mesmo sem
começar
um tempo de outrora
já se acabou.
Porque a vida é assim mesmo.
Cheia dos três porquês.
Noite fria
O frio tomou conta da noite
e o açoite de inverno
se instalou
e se fez presente
nas horas de melancolia
de uma outra estação.
O sol de verão
agora é chuva.
A lua e seu encanto,
só um punhado de escuridão.
O sombrio,
apesar de corrosivo,
acolheu e se espalhou
mas não amou
a solidão.
A tristeza apareceu,
o dia morreu,
o verso acabou...
Seu amor anda meio inadimplente
e eu vou exigir com juros
por seus beijos,
pois uma boca que
alimenta meu desejo
não pode ficar sem receber
sua carta de cobrança...
Que não seja coveiro os meus pecados,
nem o tempo sem cor e sem medida,
se a vida não quer mais os meus dizeres
eu lhe furto o amor e os prazeres
e enterro com a pá de algum passado.
Que não seja escusável, todavia,
sua culpa tão grande que desprezo,
nem rezo que Deus, que tanto prezo,
perdoe sua audácia e perfídia .
Pois mesmo que acabe o meu pranto,
não ligo pro amor e pro encanto,
pois fez- se de amargo o veneno
nos lábios, tão rubros e pequenos,
que ainda despertam meu silêncio.
Dizer, isso tudo sempre eu quis,
já disse, contudo, não ouvis,
pois o canto que agora tanto quer
enegrece na noite que vier
as palavras jogadas a qualquer custo...
Hoje eu quero
me embriagar de noite
e esquecer
que o açoite
dos meus tormentos
é fruto da minha ilusão.
Mas não se pode
culpar de amor
bêbado um coração.
A incorrespondência
de alguns sentimentos,
que orbitam corpos diferentes,
machuca, fere e aprisiona
num mendigar sem valor.
Mas o que contravenha
aos meus costumes,
nem ligo.
Suspiro em silêncio
os meus algozes,
e terei sorte
se me faltar pudor.
Dois dedos de prosa
As vezes o tempo conta história
que as páginas do destino
não esquecem jamais
E a vida é um pouco de memória,
Pois nem a lembrança
Impõe derrota à areia
que a ampulheta esvai.
E a voar no infinito
A mente não tem limites,
Ou horizontes para pensar.
Pois nem o mar
Impossibilita o homem
de se soerguer e
mesmo sem chão, se elevar.
Em nome do capital
A plenitude só é alcançada com esforço.
Engana- se aquele que crê ser a vida
uma tarde à mercê da sombra e água fresca.
Ainda que grande parte das dificuldades
sejam criadas por nós mesmos.
Por isso, por mais que eu não mereça,
sou agraciado e agradeço pela vida e, a mim,
isso já basta.
Não valorizo a superfície, nem relevo
grandes fortunas.
E de toda essa gente que acredita
na supremacia de metais, ou celulose,
forjados para converter,
eu tenho pena.
O altar pós- moderno se adorna
com a alma escrava e cativa
da humanidade,
que sentenciou no consumo
seu carrasco
e só agurda agora o decorrer
dos fatos para o momento
de sua execução.
Longe dos meus temores
demonizar a obsolescência,
rainha e soberana
da liquidez de alguns valores.
Só rogo para que em qualquer vala
não seja encontrada em prematura
idade a sordidez da falta de dignidade
da nossa raça humana.
Diálogo da noite
As estrelas caem nos meus sonhos
e de súbito acordo com o sussurro
da noite.
O silêncio sem resposta me adormece,
mas desperto esqueço do meu sono.
A insônia me embriaga sem medida
e me elevo transcendente a qualquer
plano.
Mas as linhas que escrevo sem sentido
são respostas às perguntas em que engano.
Quando a paz faz- se indiferente,
o homem não percebe que o tempo
é sopro sem direção.
Vaguear pelo universo
resume- se a existência.
Um simples encargo
de esperar a hora
de pedir perdão...
Passos da caminhada
Quão insondáveis são os dias.
Indissolúveis em seus mistérios.
Verso marginal de uma poesia
Esquecida num canto de escrivaninha.
Rabiscos mal traçados,
Jogados em lata de lixo.
Assovio nos recônditos da escuridão.
O amor não é praça pública.
Não é pra todo mundo.
Alguns não tiveram sua senha sorteada.
É sina pungente e aflitiva.
Aceitar é o caminho da resignação.
Gotas de passado não fazem tempestades
no inviolável limite do futuro.
O silêncio é sentença fúnebre.
É frio de inverno.
Túmulo do arrependimento.
Viver é a melhor forma de dizer:
Oi, eu vim ao mundo.
Insônia dos embriagados
O despertador do senso crítico já passa da hora de acordar do sono da ignorância ou da farsa do desconhecimento. Nu e cru revela- se o apogeu da insanidade, um mundo com um destino errante e essa gente sem juízo para viver. Quão enganosa pode ser a devassidão do acaso, ou o mero acontecimento sem previsão. Embriaguez desmedida de valores. Ressaca incessante da ilusão. Rota sem destino, não encontrada pelo GPS, diga-se de passagem. Deixe estar essa falácia sem nome, esse dizer sem escrito próprio. A montanha se ergue com a queda de gigantes. Ninguém pode ser bom o suficiente, que não possa ruir. O escopo da humanidade é a autossatisfação. O bêbado persegue a ebriedade. O sóbrio, a sombra de sua própria frustração, de enxergar e perceber que a vida é uma droga. Às vezes é melhor fechar os olhos pra não ver no escuro. Talvez seja melhor escutar o silêncio e refletir. A lentos passos chegamos até aqui. Não desperdice o que já passou. Siga em frente, mesmo que não vá dar em nada.
O cotidiano das coisas
Na fila dos trens, nos pontos de ônibus, no estresse do metrô,
o gado humano vai em busca do pasto seco pra num morrer de fome.
Multidão de operários, todos em comum acordo
de não levar pra casa a má notícia de mais um não.
A falta de oportunidades mina os recursos.
As crianças pedem incessantes
por um pedaço que seja dum pão sem gosto.
Mas o sol pungente esfacela a poeira da expectativa de qualquer futuro.
A vida é sina errante por uma estrada tortuosa.
Miserável cotidiano de sonhos destruídos pela dureza dum caminho
cheio de falhas e falta de sinalização.
A espera de mais uma chance pra tentar fazer diferente
e de novo o mesmo erro de pensar que tudo não é mais igual.
A cova dos meus penhores não atormenta a memória em desalento com a realidade.
Viva cada dia a seu próprio curso.
Mais que pseudo promessas são as realizações,
a concretude do destino, a terra sob os pés, o céu sobre a cabeça.
No final de mais um turno, a única certeza é que parados não vamos a lugar nenhum,
nunca.
Narciso
Viver de aparências não desfaz a verdade que você esconde.
Tão áspero e devastador quanto o sopro da tempestade
A desperdiçar as folhas,
Caídas e inanimadas,
O tempo se desmancha na insurreição das aparências.
O meu sorriso não é mais meu.
Reflexo quem sabe de outros rostos.
Quiçá a cópia fiel de outras personalidades.
Quão original pode ser o homem,
Irredutível em seus feitos,
Insondável nas atitudes,
Mas vaidoso em sua autocontemplação.
Vou além e digo insatisfeito,
Arrogante , sovina, individualista.
Indomável?
Seria pretensioso
assentir.
Sua pequenez o atormenta.
Somos limitados.
Criaturas à mercê da imensidão.
Prisioneiros de preconceitos,
Fruto da constância
De tudo saber,
No imaginário infantil
E adstrito
Frente a pluralidade do devir.
De encontro ao tênue tecido da (ir) realidade
Existe a razão.
Urge a desnecessidade ante a face de um novo dia?
A contemplação da vida é o fim máximo da existência.
Que sejam meus feitos resultado do esforço contínuo
Do meu conhecimento aplicado na utilidade e serventia adequada.
Que seja meu sorriso só meu.
Que minha opinião seja expressa na inocência da espontaneidade,
No jeito inconstante do inesperado,
Que chega de repente e surpreende.
Ilusória realidade da existência
Qual silente é o coração que não ouve o som da realidade. Foi-se o tempo da bonança. Em torrentes a tempestade revolve a ilusão. Brainstorming sem nexo, aquém do sentido, além do racional. Aqui e ali se faz história sem começo meio e fim. Acolá está a resposta à constante lacuna do saber. O que somos, afinal? Mentes indomadas. Imperialistas de opiniões. O mero acaso me faz sorrir sem motivo. Mas nem por isso me alivio à sombra de qualquer pensamento. As vezes a consciência me atormenta com meus erros do passado. Sepultado na escuridão se esvai o medo de alguma lembrança. Vivo o agora e não temo o meu futuro. Só não quero estar a mercê de alguns segundos que me faça desistir. Desistir de viver.
A única forma de fugir do tempo é elevar-se na negra nuvem da própria devassidão. Somos homens ávidos pela desgraça alheia, a espreita da oportunidade exata de ver o outro ruir. Somos quimeras famintas pelo ódio e degeneração. Criaturas mesquinhas e corruptas, incapazes de solidarizar-se com a dificuldade humana. A insensatez é desmedida. A insanidade atinge a marca do extraordinário. O que somos no mundo? Nada além de sombras do próprio desespero, escravos do ego e amantes da adulação a aparência. Viver em sociedade é saber equilibrar-se entre aqueles que ditam as regras do jogo. Nada além de estúpidos seres a buscar a fagulha inicial que culminou no fim.
Grão de terra
Eu sou a terra.
Sou a grama verde.
Sou o chão sob os meus pés.
Sou a brisa leve que oscila o cabelo da moça.
Sou a ave que voa rumo à liberdade.
Sou o claro do dia.
Sou paisagem escura do anoitecer.
Sou incansável viajante em busca de novas rotas.
Sou a melancolia das horas bucólicas.
Sou a realidade derramada no quotidiano.
Sou tudo e sou nada.
Eu sou atmosfera.
Um tal de "Australopithecus"
O homem é produto d’uma reunião multifatorial. Cada cromossomo carrega a carga que manifesta as características do que cada ser humano é. Em cada gene há a partícula da vida. Somos a associação de pequenas estruturas que sustentam todo esse arcabouço de sensações, emoções e sentimentos. Muito mais que isso, uma sistemática de funções orgânicas e inorgânicas. Um universo paralelo, aquém do sistema solar, tão incomparavelmente menor, mas nem por isso menos complexo. O DNA carrega segredos misteres e demasiado importantes, dignos da caixa de Pandora. Reunião de cariótipos numa ordem sequenciada e determinante. Numa visão geral somos homo sapiens. Descentes evoluídos de primatas. Talvez um “australopithecus” com um pouco de tecnologia e mobilidade para não cair na mesmice dos não civilizados. Mas que presunção a minha, dizer que tal ancestral era menos sofisticado que somos hoje. Não creio que na escala evolutiva o “homem sábio” seja dotado de maior razão. Se não acredita dá uma olhada em volta. A mim não parece perspicaz dizimar a própria espécie, destruir a farta biodiversidade, minar os recursos que motivam minha sobrevivência. Se o faziam o “australopithecus”, ou o “homo erectus“, o “homo de neanderthal” e tantos outros que construíram o passado da atual humanidade, o faziam por falta de informação ou necessidade. Afinal dizia o grande Charles Darwin (que nem era tão grande assim em altura) "os mais bem adaptados sobrevivem". Tal teoria cai por terra quando estagnamos na lama dos alienados.
Toda evolução retorna ao seu início. Engatinhamos na superação dos preconceitos, na mudança de mentalidade limitada. O homem é o conjunto de células, determinismos genéticos. Sopro de ventos de milhares de anos atrás.
De nada vale tanto conhecimento, se não usado com sabedoria.
O sussurro da madrugada é túmulo de confidências. Hora é cúmplice da solidão. Hora é segredo de amantes. E em cada palavra se esvai grande fortuna ou açoite. E em cada silêncio segredos se fazem versos. A dor que pra alguns é noite, pra outros romance, seu universo...