Douglas Rodrigues da Silva
Tudo vale a pena
se a dor não for pequena,
se o vício que envenena
e a alma aliena,
o corpo e a mente alimenta.
Envelhecem as estações e as pessoas,
mas as lembranças conservam
as mesmas faces do que se foi.
Uma criança, um adolescente,
uma amizade inconsequente,
uma outra vida que já não é minha,
um outro tempo, com outros dias,
com outros rostos
e que já passou...
A janela aberta permite a vista
do resquício do que fora uma manhã.
O tempo descansa e sossega
o dia que o sol entrega
à uma outra noite sem cor.
A vida já não é tão viva...
Os sonhos mais parecem prantos...
Tanta gente e tanta reza...
Tantas vozes e tantas preces...
Quando o que falta é só um pouco
de mais humor...
O tempo marca nos rostos
o preço pago pela vida,
até que chegue o dia
que o tempo, por fim,
acaba...
Quando o dia dá bom dia ao tempo, o vento muda seu rumo, o horizonte pequeno abarca um oceano, o sol nasce sem medo e o suspiro do silêncio é a melodia dos passos...
Numa noite escura
a fogueira é testemunha
do lamento da viola.
E o fogo crepita
e a viola chora
o quão quente é a paixão.
Mas o dia chega
e a lembrança
da noite anterior
não passou de ilusão
que a pinga
a voar a mente
sempre deixa...
A vida é mórbida
para quem não tem
o antídoto para a dor
que é viver.
Sofrer?
Não é bem isso...
Está mais para lamento
existencial...
Afinal, estamos
aqui, no mundo,
para quê?
As peças de muitos
esquecidas aos poucos
formaram a vida
que hoje sou eu.
O jogo de alguns
é o lamento de tantos.
A morte pra uns
é a vida dos outros.
Infinitamente
os mesmos passos
se repetem
no futuro.
O menino de hoje
mal sabe, mas
sua história
é só um esboço
do que algum outro
já foi.
Ninguém é totalmente imune
à própria loucura
e quem o diz se engana,
posto que a pseudo sanidade
é vaidade profana que corrompe,
mas a demência revela
o prazer de viver até
os últimos instantes de cada idade.
Não é a singeleza do momento,
mas a intenção sincera do autor
imortalizada nas preces,
de um outro tempo,
quando viver era mais simples.
Algumas faces escondem, alguns sorrisos disfarçam, mas nenhuma mascara oculta alguem de si mesmo, pois o inconsciente sempre faz surgir lembranças e historias e em algum momento o teto do teatro tem que desabar
De quando as tardes eram domingos
O fim de tarde traz os versos de mais um adeus,
até que chegue a hora do último.
Mas,
isto não é o início do fim,
Mas,
o fim de um novo começo,
pois para que ter a tola ideia
de que um dia tudo acaba,
se esse pensamento é tão ruim?
Os caminhos cruzaram
nossas histórias e,
cada vida,
um livro que se escreve
com as lembranças
e a memória,
se encheu de mais palavras
e o horizonte se alargou.
Experiências.
As conversas demoradas,
acompanhadas d'um
bom café quente.
Frases mal elaboradas
que o riso descontraído
o trabalho alegrou.
E viva a vida.
E viva o dia.
Pois ainda que
chegue a hora
do adeus
nunca é tarde
para um novo começo.
E no embalo
destes versos
enfim,
por mim,
eu me despeço.
Dias de chuva
O brilho dum céu
azul celeste
traz a prece
da redenção.
Uma garoa fina
lava a grama
e faz do verde
a lama que
quer pedir
perdão.
Cada gota
de chuva
cai como
confissão
e pesa
culpa sobre
a minha
cabeça.
Rezo,
portanto,
pela expiação
das minhas
falhas e que
minhas faltas
não sejam
a prova exposta
daquilo que
nem sei.
Viva a humanidade!
Acordar de manhã
e ouvir uma canção,
que diz tanto,
súplica muito,
mas tudo em vão.
Os rejeitados
e os desajustados
vivem e sentem,
apesar de muitos pensarem
que quanto a isso
só mentem
e continuam falsamente
pois não entendem
que no mundo,
por mais que tudo
pareça tão igual,
também tem aquilo
que é diferente da maioria
e mesmo assim
continua natural.
Ah,
melodia tão sincera,
entrega aos meus ouvidos
sua letra
como oração.
O cotidiano
desinteressadamente
passa,
mas a maior trapaça
está a cada rosto
e a cada gosto hipócrita
que se desvenda
em plena ebulição.
Debaixo de toda venda
há somente uma caveira,
que sem eira nem beira
cai em qualquer canto e,
de nada adianta o pranto
na hora que o mundo apaga.
Me pergunto,
por fim,
se a vida continua
assim tão complicada
e o esfarrapado
está tão sujo quanto o roto,
por que somente eu mudo
se tudo continua a falar nada
por mim?
Cláusula Pétrea
Fiz um contrato com a noite,
mas como não sou muito confiável
e até alienei
objeto a outrem alienado,
lhe furtei o brilho
e transformei em dia.
Esvaziei o céu
e sua tormenta
e agora sou credor
dos meus pecados...
O fardo do meu erro
é só mais uma das
minhas façanhas
para alguns,
para outros,
mais uma farsa.
Determinada prestação
aferível em palavras.
Adimplemento e arrependimentos
sem ter ocorrido a tradição de nada...
Bem da vida,
só mesmo a vida...
Obrigação?
Desobrigado.
Palavras sem nada a dizer...
Versos sem a plurissignificação
habitual...
Poesia não é o mesmo ritual
que se repete e repete
e inerte
não muda a sorte de ninguém...
Até piora!
Inundo minha mente vazia de palavras. E do nada se fez um texto. E de tanto nem tem mais jeito. Uma mente colonizada já é metrópole e segue pelo imperialismo de outras mentes.
Esse bem e esse mal que sou eu
É melhor abir a janela do tempo
e tentar respirar um pouco de ar puro
antes que a poluição dos meus assuntos
consuma de vez os meus tormentos...
Mas para que fingir
todo esse conservadorismo?
Mas para que preferir um pseudo moralismo?
Saiba que o normalismo
não me convêm,
e nem contém
a medida certa de loucura
que me faz viver assim
como sou,
para mim tão bem...