Dhieferson Lopes
A errônea interpretação da diversidade humana
Livre arbítrio é uma junção de duas palavras que nunca saiu do contexto teórico. É apenas mais uma expressão utilizada para preencher mais espaço em um vocabulário, e enganar aos seres acríticos e desprovidos, consequentemente, de pensamento reflexivo. São poucos os seres humanos que conseguem fazer o seu uso, e mesmo que o façam, ainda assim são restringidos por grande quantidade de pessoas, até mesmo por aquelas que se intitulam pensantes.
Já nascemos com predeterminações. Expectativas de como devemos ser já partem daqueles que a nós estão mais próximos. À medida que o tempo passa a cobrança de como pensar, se portar e agir, em contextos amplos, aumenta demasiadamente. O pensar - conceitos e julgamentos - do mundo externo inibe, de forma significativa, a expressão pura, singela e única da personalidade individual do ser humano.
Vivemos em um mundo onde a homogeneidade é supervalorizada e imposta como padrão. A diversidade surge quando essa forma é desfeita. Todavia a pluralidade humana é encarada como estranha, escrota, ruim e uma porção de outros aspectos que causam repulsas aos seres incapazes de raciocínio lógico – mentes atrofiadas em virtude dos conceitos, da alienação e da errônea forma de encarar/interpretar um todo.
Homem ou mulher que, por ventura, venham a sair dos moldes estabelecidos, quem fazem, ou tentam fazer, o uso do livre arbítrio são vistos como anormais, loucos, delinquentes, dentre outros adjetivos chulos.
A heterogeneidade sempre esteve presente no mundo, desde sua formação, tanto na natureza quanto aos animais, de uma forma natural. A multiplicidade das coisas encanta e abrilhanta o universo. A enorme quantidade de árvores diferentes, de raças de animais - cachorros dálmatas, buldogues, poodles; gatos persas, siameses; entre outros -, o tamanho dessemelhante dos planetas e das estrelas e todas as variedades existentes vivificam e trazem beleza ao mundo. A diversidade está presente em tudo e o ser humano nunca esteve imune dessa inconstância.
O contexto de errado não se enquadra nas pessoas que se diferenciam, se portam e seguem seus instintos e anseios ignorando a interferência de terceiros. Estes seres, ao contrário do que uma grande maioria pensa, são muito mais corretos, não deixaram se corromper e sempre seguiram a norma originária do universo: A espontânea e natural diversidade.
Palavras doces e lindas, ditas com formalidade e cuidado, não são, literalmente, antônimas de falsidade. Alguns palavrões são muito mais sinceros e verdadeiros do que inúmeros vocábulos harmoniosos aos ouvidos que escondem atrás de si toda uma enorme hipocrisia.
Surpreenda com atitudes e táticas que estimulem grandiosamente a emoção. Aja espontaneamente e utilize gestos, com princípios da disseminação da felicidade, que acelerem bruscamente os batimentos cardíacos. Faça sempre o uso da fidelidade e conquiste, por completo, qualquer ser apaixonado ou que valorize os ingredientes humanos naturais que constituem o amor.
A modificação e a má interpretação dos fatos verídicos que giram em torno de toda a história do comportamento humano sempre se deu pelo fato de que alguns seres humanos intitularam suas experiências vívidas e suas personalidades individuais como verdades absolutas.
Ações, gestos, olhares e expressões jamais traduzirão, com exatidão, a grandeza efetiva de um sentimento verdadeiro.
Sentimentos verdadeiros não se descrevem e/ou se resumem a frases adeptas ao simples ou demasiado uso conotativo da palavra coração.
Você é hétero? Nossa que coisa hétero! Ser hétero é uma fase. Ele só virou hétero porque todos estão virando. Ele é hétero porque não apanhou quando pequeno, falta de palmadas! Ele não tem vergonha na cara, por isso é hétero! Você viu como aquela roupa é hétero? Será que ele não tem vergonha de ser hétero? Seus pais sabem que você é hétero? Que nojo, coisa de hétero! Não tenho nada contra hétero, mas (...). Tenho certeza de que se você experimentar da "fruta" você deixará de ser hétero! Você só é hétero porque não encontrou um homem de verdade! Você é muito bonito para ser hétero, que desperdício! Eu tenho um amigo, ele é hétero também! Sim você é hétero, mas quem é o homem e quem é a mulher na relação? Eu não queria ter um filho hétero! Como você virou hétero? Você gosta de ser hétero? Eu até respeito, mas hétero não é coisa de Deus!
A destruição da essência individual do ser humano ocorre na infância quando os pais ignoram gostos, aptidões e virtudes e obrigam, direta ou indiretamente, seus filhos a ser aquele que eles desejam. Dá-se, dessa forma, uma diminuição significativa da diversidade e a proliferação demasiada da monotonia humana.
A realidade de pensamentos originários do senso comum é alarmante e evidente em nosso meio. Em muitos casos - quantia considerável e assustadora - não se pode dizer ao menos que existe pensamento dentre o senso comum. Pensar é uma virtude que todos possuem - alguns de forma limitada -, porém não são todos que a fazem. Tudo que é cômodo, para grande massa, é tido como sendo o melhor caminho, mais prazeroso, por possuir mais facilidades. A alienação se manifesta nesta massa que prefere acreditar, sem questionar, em tudo o que lhe é dita e possui preguiça ou mente atrofiada desprovida do ato de pensar. A sabedoria e a leiguice exacerbada são transmitidas de forma homogênea, todavia captadas de forma dessemelhante. O conhecimento exige do ser a quebra ou abandono, mesmo que temporário, da preguiça para acontecer e refletir através do pensamento. O saber requer comprometimento, assiduidade, perseverança e coragem, características ausentes em grande parte dos seres racionais, o que explica a dicotomia e a divergência entre os sábios e os leigos/alienados.
Pais que preferem presenciar a dor e o sofrimento de seus filhos em virtude do achismo de terceiros não merecem ser tidos como pais, tampouco o amor de seus descendentes. Pessoas nascem para fazer o que a elas foi destinado, para cumprirem seus papéis, tendo suas personalidades individuais distintas, enquanto viverem e não para serem aquelas que as outras desejam.
O tempo não cura perdas, não sara machucados internos. A perseverança em prosseguir, a incapacidade de terceiros viver sem o nosso auxílio, a reflexão da dor/perda e a habilidade de enxergar as tragédias da vida como sendo um episódio de aprendizagem são que estimulam e capacitam, nós seres humanos, a continuar a viver. O tempo apenas mostra que, com o auxílio dos métodos que amenizam e que, às vezes, curam feridas da alma, somos aptos a finalizar uma etapa da vida e escrever um novo capítulo para a nossa história.
Poucos são aqueles que possuem personalidade. Muitos acreditam tê-la, todavia enganam-se com frequência ou mentem para si mesmos.
Importar-se com julgamentos alheios, repetir atitudes terceiras demasiadamente, moldar-se para incluir-se a grupos e refletir uma imagem pessoal desejada pelo sistema são feitos imitados que não partem de uma individualidade consciente e jamais serão componentes de um caráter pessoal e original. Ações como tais constituem apenas réplicas de uma personalidade criada seguida por aqueles que copiam um conjunto de aspectos com o intuito de reproduzir, de forma exata, uma imagem já inventada.
Negar-se a si mesmo, insistir na tentativa de moldar-se e seguir o anseio de transformação pessoal para satisfazer a vontade dos outros originam, de imediato, duas respostas na vida do ser humano: a possível satisfação de terceiros, e a total exterminação da própria felicidade.
Emoções não são traduzidas às palavras com exatidão. Seres humanos são incapazes de exprimir exatamente o montante de aspectos que abala o nosso espírito, mesmo com um aprendizado aperfeiçoado dos vocábulos. A prontidão escrita das surpresas, dos sentimentos e das sensações que tocam a alma é inacessível a essa singela dimensão do universo vivo, superior a qualquer tentativa de descrição feita por qualquer um habitante, em vida, deste lugar.
A vida é um estágio avaliativo a nós seres humanos. Enquanto vivos, aqui na terra, nós enfrentamos variadas dificuldades. Precisamos superar os obstáculos para garantir a nossa sobrevivência. A passagem por esse mundo limitado é um teste árduo repleto de desafios e empecilhos. O requisito para sermos aprovados é incomplexo, gira em torno apenas de um aspecto. O amor, e tudo aquilo do que dele provém, é o elemento crucial para a nossa aprovação. A escassez contínua do sentimento determina o resultado da experiência nesse lugar. A reprovação é dada aos incapazes de amar, aos que destroem o amor e aos que não fazem o seu uso para com outros que percorrem por esse ensaio.
O conjunto formativo do ser vivifica-se, eleva-se e vibra com o acontecimento das experiências almejadas e dos desejos individuais. A alma, o estado emocional/espiritual e o corpo humano - o ser como um um todo - não se contenta com o adiantamento dos fatos, ele tem sede, em completude e de modo intenso, de viver o agora.
A liberdade é frágil, escassa entre os humanos, sensível e delicada, fácil de perder. Muitos já nascem estagnados, presos a uma realidade onde a liberdade não existe. Outros, no decorrer da vida, adotam e adaptam-se a costumes, a condições e a comportamentos impostos por clãs, grupos e sociedades por uma infinidade de motivos - aceitação, suposta salvação, exibicionismo, conquista de algo ou alguém, dentre outros mais fúteis.
Muitos seres humanos são incapazes de aproveitar a vida, mesmo cientes de que esta é única, em virtude do medo do julgamento de terceiros ou até de supostas leis superiores que, no que lhe diz respeito, não possuem uma veracidade convincente e provável. Desde que surgira, o universo possui uma jornada imensa. Muitas pessoas, iguais a nós, documentaram relatos e alteraram outros já escritos. Seja quem for o nosso Criador, Esse não nos pusera aqui para vivermos condicionados às normas, criadas por outras criações, que impedem a nossa vivacidade. Ele não criara filhos para viver a temer ou com receio de agir conforme sua real personalidade. O Criador não fizera uma criatura para viver infeliz ou para deixar de fazer qualquer coisa que amplificasse a própria alma, desde que não afete outras criações e não infrinja Sua lei.
O único mandamento convicto, neste mundo que habitamos, é o amor e tudo aquilo que provém de benigno deste sentimento celeste.
Gosto de amores veementes que não medem esforços para a prática de amar. Apaixono-me por amores loucos, inibidos, que tomam quaisquer atitudes, provindas do montante de sentimento, sem importarem-se com os possíveis efeitos causados nos outros. Encanto-me e extasio-me por amores que se expandem naturalmente pelo espaço, a atravessar os limites do corpo humano e invadir as fronteiras desconhecidas. Fascino-me por amores que não divulgam a existência do amor, mas que expõem, inconscientemente, o sentimento através do modo que os gestos naturais – tocar, olhar e falar – são transmitidos.
Existe algo em você que me modifica. O corpo junto a alma são como um fruto. O corpo, o externo, é a casca, a parte mais vulgar. No interior concentra-se o espírito, o apreciável, o componente mais valioso. Estar ao seu lado e escutar as coisas que você diz fazem minha alma transpor. Vivo próximo ao surreal e distante de qualquer realidade que possa levar-me ao fim.
Palavras podem ter uma multiplicidade gigantesca de significados, mas nenhuma delas é comparável à infinidade de interpretações existente em um olhar.
Enquanto muitos palavrões são despejados por algumas bocas sem nenhum pudor, inúmeros eu te amo são guardados por mera vergonha. O amor fora criado para estar presente em vida e não para ser pronunciado apenas quando alguém se depara com a morte.
Fatores externos não influenciam a sexualidade, tampouco fazem surgir uma nova fração dentre ela. Justificar e inventar sexualidades é apenas um pretexto encontrado pelos covardes para esconderem aqueles que são de verdade.
A estrela que mais brilhar
Sentado na varanda do meu casebre eu avistava as estrelas iluminando o céu negro enquanto fazia movimentos de vai e vem na cadeira de balanço. Recordava-me dos momentos em que Samuel era vivo e o quanto o mesmo reclamava das coisas. Eu ainda era capaz de ouvi-lo protestar da demora do almoço, da comida muito quente, das toalhas molhadas em cima da cama e de muitas outras coisinhas presentes na rotina de um casal - ele era cabeça dura, levou um tempo para admitir para si mesmo que nós éramos um casal. Samuel era teimoso e demorou muito para se aceitar como um gay, mesmo depois que estávamos juntos, ele vivia dizendo que não era um, mas que me amava mais do que qualquer outra mulher que já havia conhecido.
Os dizeres, da pequena cidade, o inibia e o deixava com receio. Algumas brasas de coragem queimavam em Samuel, todavia ele jamais falou, e jamais exporia sua sexualidade em público. Talvez também fosse para não perder sua pose de machão, porém acredito que ele agia daquela maneira por medo de que fôssemos apedrejados em praça pública. Após sete anos nos agarrando às escondidas nas madrugadas, em pastos distantes, em riachos e rios poucos frequentados, em celeiros e construções abandonados ou em qualquer outro lugar distante dos olhos de terceiros, decidimos morar afastados daquele povo.
Planejamos uma saída discreta. Samuel foi embora com sua prima que sabia do nosso caso. Fizemos a cidade acreditar que eles dois tinham partido para morarem juntos. Camila aproveitou para fugir com um fazendeiro pelo qual desejava. E Samuel partiu sozinho para uma área isolada de uma cidade distanciada, construiu uma humilde casa e, através de cartas, me chamou para viver junto a ele.
Apesar de gostar da minha simples cidade e amar a minha família decidi partir sem muito pensar. Amar está conectado ao processo de ceder e a abdicação de coisas que julgamos ser imprescindíveis em nossas vidas. Totalmente seguro, deixei tudo para trás. Eu dei a desculpa que estava farto daquele pequeno lugar. Era fato que ficaria exausto de lá com o tempo, Samuel estaria longe. E, sinceramente, pouco me importava o local onde eu estivesse contato que Samuel se fizesse presente ao meu lado.
Vivemos durante muito tempo juntos. Por mais que estivéssemos distantes de muitas coisas, a presença de um alimentava a sede e o prazer de continuar a viver e ser feliz do outro. Samuel foi o meu primeiro e único homem, mas eu não fui o primeiro, tampouco único homem da vida dele. Desde pequeno eu soube sobre mim, nunca precisei ter relações com uma mulher para ter a plena certeza de que era gay, assim como meu pai nunca precisou deitar com o homem para ter a convicção de que era hétero. Com Samuel foi diferente, ele ficou com muitas mulheres, era inseguro e fazia isso para manter a pose de heterossexual perante a sociedade. Os relacionamentos que Samuel tivera com mulheres não partiam da sua genuína e natural vontade, eles serviam apenas para esconder a sua sexualidade.
Samuel, apesar de todas as brigas e implicâncias, sempre estivera comigo em todas as situações que enfrentei. Éramos dois corpos conexos vigorosamente por meio dos nossos espíritos.
Samuel começou a ter problemas cardiovasculares e respiratórios, aos sessenta e nove anos, por conta dos poucos cigarros que fumava.
No seu terceiro enfarte, quando eu chorava em desespero com medo de perdê-lo, Samuel me disse que quando não estivesse mais presente neste mundo seria uma estrela, olharia por mim sempre que aparecesse e que caso eu quisesse também vê-lo bastaria eu olhar para aquela que mais brilhasse em todo o céu. A declaração fez com que minhas lágrimas se triplicassem e encharcassem o meu rosto. É difícil, para qualquer pessoa que cultiva o amor, perder aquele que mais se ama.
Imóvel naquela varanda desértica eu contemplava as constelações. De repente uma estrela reluziu mais que todas as outras, de modo notável. Parecia que ela estava a sorrir para mim. Respirei fundo, meus braços levantaram-se levemente em direção ao céu, meus dedos se abriram, como o brochar de uma rosa, ao tentarem alcançar a estrela, uma lágrima desceu do meu olho esquerdo e percorreu meu rosto até afundar-se na minha barba grisalha. Aquela foi a última noite que meu coração bateu.
Ligações entre parentes legítimos não implicam, necessariamente, a presença de um sentimento puro, verídico e incessante. Laços sanguíneos são insignificantes perante o vínculo que se estabelece entre almas.
Gostos são irregulares, dispersos e variáveis. Somos incapazes de amar a tudo e a todos e agirmos de modo único, a todo o momento, isentos de uma personalidade falsa. Há uma pluralidade de elementos que constitui o nosso caráter. Somos muitos, uma junção de atitudes, preferências e pensamentos, reunidos em só.