Demétrio Sena - Magé-RJ.
Veja o dia nascendo outra vez. Ele vem conforme o previsto, sobre a noite que foi feliz ou de tristeza e ranger de dentes. Passou. Pouco importa. Logo virá outra noite. Tenha neste cenário a certeza do sonho possível. Ponha lentes mais brandas e otimistas nos olhos de sua alma.
Uma vida se mostra, se despe dançante e despudorada. Cobre os montes, transborda e desagua no túnel que lhe parece, por seu desânimo, não aceitar luz. Essa luz que o surpreende vem rasante, anuncia esperanças e põe um novo sentido na flor do seu ser.
Beba o mundo na cuia desta manhã! Desperte para si mesmo e nunca mais tenha medo! Não morra em vida, se antecipando à morte que não tem pressa, já marcou seu tempo. Seja forte o suficiente para saber apanhar dos fatos, até que o momento próprio de bater se apresente.
Renascer se desenha nas folhas das horas. Cada um de nós deve ser coautor de sua resenha. Precisamos cumprir o que traçarmos, na força do querer que nos falta em tantos atalhos desta jornada que se nos deu de presente. Eis o nosso presente: O futuro a ser conquistado.
Só se é feliz sendo. Ninguém alcança felicidade justo na fuga ou abstinência do que o faz ou faria feliz.
Gostaria de comemorar o nosso dia. Dia livre da família, dos amigos, de gente que resolve estreitar os laços, sem qualquer ordem da indústria, do comércio, da igreja, da política e de qualquer outra instituição que rege as datas obrigatórias, ou "de lei", que somos obrigados a obedecer, se não quisermos ser tratados como seres menos humanos ou extraterrestres... renegados por um sistema global que automatiza as pessoas, para que só sejam de fato pessoas em datas consideradas especiais.
Ser poeta é sempre não ter falado para ninguém, depois da nítida impressão de ter falado para todo o mundo.
O educar até passa pelo ensino... Apenas passa. Mas está centrado mesmo é no ser. Bem mais que reflexão, educação é reflexo.
MULHER DE VERDADE NÃO APANHA
Demétrio Sena
Um homem bater na sua mulher não é tão grave quanto a mulher apanhar de seu homem. Se esse homem é covarde, machista e tantas outras coisas, essa mulher é covarde, parasita, viciada e nula de amor próprio. Somando-se às "tantas outras coisas" de quem a espanca, tudo isto funciona como aquele bordão, bastante sábio, de que o povo tem o governo que merece. Afinal, foi esse povo que lhe deu o poder. Se houve corrupção eleitoral e a posse contraria o desejo popular, dá no mesmo: Esse povo contrariado poderia destituí-lo e não o faz. Portanto, sofre merecidamente.
Mulher alguma tem de viver sob o jugo da violência e das ameaças de um homem. Existem leis que a protegem; ela tem o direito de ir e vir; a polícia é uma instituição real, tanto quanto o judiciário. A liberdade é um direito que provê cidadãos e cidadãs honestos, e não existe um só machão que não trema perante qualquer autoridade, seja policial ou de alguma outra instância.
Das mulheres que apanham de seus homens, as que têm filhos são as mais desprezíveis. Além de covardes, parasitas e nulas, elas são regidas pelo egoísmo. Não pensam nos filhos, que são os que mais sofrem, nem naqueles que sofrem por seus filhos, por amá-los mais do que as mães. Acho, enfim, que a mesma lei que pune o agressor da mulher (e dos filhos) deveria punir também a mulher agredida mais de uma vez, por violar tanto a si mesma. Essa violação atinge a todos que a prezam e pouco podem fazer, de fato, se ela não tomar a decisão de ser uma mulher de verdade.
POEMA ELEITORAL GRATUITO
Decidir entre lágrima e carpido;
se melhor é a farpa, se o espinho,
ser exposto ao deboche ou ao escárnio
de quem hoje proclamo salvador...
É pedir a lesão, talvez o corte,
distinguir o gatuno do ladrão,
quem será meu algoz, quiçá verdugo,
pra depois enforcar a minha voz...
Optar por satã ou satanás,
pela víbora, a cobra ou a serpente;
dor de dente, quem sabe, dor de ouvido...
Escolher entre nódulo e tumor,
um derrame, acidente vascular,
flor atômica e Rosa de Hiroshima...
Não se há de negar que político seja mesmo sujo... Mas há eleitores tão íntimos da corrupção, que quando o político sai às ruas para panfletar entre eles, é bastante adequado chamar esse corpo-a-corpo de... porco-a-porco.
Bravos, mesmo, são os heróis. Os que lutam por boas causas, vençam ou não, mas que são desde já vencedores pelo simples fato de terem mesmo por que lutar. A grandeza de seus motivos, por si só, é a medalha contínua que dispensa olhares, e por isso não se ostenta, suspensa na sombra do caráter. São honrados, os heróis. Têm a capacidade gigantesca de sublimar ofensas e vilipêndios. E se "não levam desaforos para casa" é porque esses desaforos, sempre banais, caem de seus corações a caminho de casa e morrem na poeira.
Já os brabos, aqueles que se exaltam, armam socos, fazem poses de briga (e brigam), nascem perdendo. Perdem sempre o controle, a razão e o contexto. Seus textos vivenciais são impregnados de arroubos, ameaças, gritos e nnarrações de vitórias equivocadas, por onde passam. Vitórias fúteis, físicas, nos campos da força, o vandalismo, a intolerância e o descontrole. São vazios os brabos, porque suas causas são pobres e ninguém precisa vencê-los. Eles perdem para si próprios quando seus músculos e o destempero emocional substituem completamente os neurônios.
Saberes são sabores que advêm das vivências capazes de amadurecer o espírito, a mente, o caráter, para que o corpo não passe pelo mundo como casca inútil, cuja polpa nunca teve dulçor. Isso, porque jamais amadureceu; foi de verde a podre, pulando estágios essenciais ao ser.
Está na hora de nós,povo,cobrarmos mais dos nossos cobradores (poder público via mídia) do que eles de nós, pois afinal, são eles o poder. Façamos a nossa parte, mas não aceitemos fazer sozinhos.
... Sei de miséria,
é bem mais séria
do que se prega
(nas eleições
ou nas canções
de gente brega)...
O maior triunfo de alguns é o tropeço notório daquelas pessoas às quais fingem só admirar, mas na verdade nutrem por elas a mais profunda e dissimulada inveja. Tal triunfo, no entanto, nunca tem consistência, porque afinal, pessoas de fato dignas de admiração, quiçá inveja, não caem definitivamente. Vão ao solo, reerguem-se, dão a famosa volta por cima e seguem, deixando à míngua os invejosos. A inveja é um alimento venenoso. Desnutre a alma de quem a nutre e julga, equivocadamente, atingir o outro.
São inúmeras as vezes em que as melhores etapas da vida surgem logo depois dos... piores tapas da vida.
A Nathalia chegou à faculdade. Aos dezessete anos, cursa o primeiro período em química. Nada a ver com o seu pai, sujeito subjetivo e sonhador, que planta letras e quase sempre colhe satisfações abstratas, de cunho estritamente pessoal. Às vezes alguns expedientes transversais, a exemplo de palestras educativas, convertidos em recursos econômicos. Até o emprego modesto, conseguiu por ser escritor também modesto. Vender livros, mesmo, é caso de algumas eventualidades como chegar aos lugares certos, nas horas certas, e ter a chance de mostrar o produto quase anônimo.
Porém, ninguém pense que a Nathalia escapou de minha rede sonhadora. E o melhor deste aspecto é que ela representa justamente a esperança da concretização do meu sonho característico de pessoa lunática: Tempos cada vez melhores, onde os filhos decidam mais e mais seus caminhos, ideologicamente opostos ou não aos de seus pais, porque terão sempre campo e liberdade para escolher. Conquistarão confiança e compreensão irrestritas, por se fazerem respeitar na sua individualidade. Minha filha futura química é, portanto, motivo de orgulho, além de representar um claro elogio a este pai poeta, cronista e visionário. Não apenas por sua escolha, ou por estar na faculdade, mas principalmente por ser uma filha amorosa, honesta, sincera e de postura moral que daria orgulho a qualquer pai.
Está quase criada, a Nathalia. Tenho ainda a tarefa de criar a Júlia, quatro anos, com o desafio de orientá-la para se tornar, igual ou diferente, uma pessoa especial feito a irmã. Com isso, ficarei cada vez mais lunático e sem apego a bens de consumo... Afinal, que mais pode querer da vida quem cria um, dois ou dez filhos que, por serem exemplos de humanidade, cidadania e talento, ajudarão a fazer do planeta o sonhado lugar melhor para viver?
Diga não ao talvez, as fachadas de sins
e seus fins tortuosos, esquivos, covardes;
águas fáceis e fúteis na voz de quem deve.
Tenha sempre onde possa conservar seus nãos,
pra dizê-los sem medo nas horas propícias;
virem sãos de seus lábios, seus olhos serenos.
Em desespero, a mãe decidiu que a criança precisava de um “pissicólogo”. É. De um pissicólogo, para deixar bem claro. Como fazem os adultos que sempre contratam “adevogados” ou trocam “peneus”. Sua justificativa esdrúxula era simplesmente a mudança contínua de comportamento da menina, ora bem comportada, ora birrenta e voluntariosa, e algumas vezes até desaforada.
Muitas mães não suportam constatar que os filhos crescem, tornam-se crianças ou adolescentes com temperamentos próprios, vontades pessoais, o que significa não serem mais tão cordatos ou obedientes. Uma variação normal, se não houver extremos como aqueles que transformam nossos filhos em pequenos tiranos ou até minipisicopatas. Afinal, a criança um dia se descobre pessoa e não aceita continuar dominada mesmo em seus pensamentos, os sentimentos e a personalidade.
Na verdade, a mãe da pequena jamais levou a filha para fazer o tratamento. As coisas foram se amoldando aos trancos e contra sua vontade. Não que ela passasse a julgar a ideia inicial desnecessária, mas porque a imagem do tratamento “pissicológico” dava preguiça. Demandaria mais trabalho que o já então vício de arrancar os cabelos, dar gritos histéricos, solavancos na menina. Um desempenho que mais tarde acabou por fazer com que a parentalha a convencesse de que ela, sim, a mãe, teria de procurar não um psicólogo, mas um “pissiquiatra”, pois o neurologista falhara.
Verdade, ainda, que aquela mãe tinha, entre outras coisas, a profunda frustração de nunca ter se livrado da infância reprimida, sem voz nem vez, mesmo nas questões aparentemente mais simples. Questões como as que envolviam a disposição de seus brinquedos (se é que os tinha), o gosto pelas roupas mais adequadas ao seu critério infantil e o desejo de brincadeiras que sujassem ou molhassem as roupas.
Preocupante mesmo seria ter um filho que jamais questionasse, nunca fizesse uma birra nem dissesse um desaforo do tamanho de seus poucos anos. Comportamento invariável, sempre cordato e maduro não combina com criança. Aliás, o adulto precoce de hoje pode ser a criança infeliz e até perigosa de amanhã. Tal criança, sim, precisa e continuará precisando de acompanhamento profissional.
Tarefa ingrata a de vender livros. Porque livros não enchem panças. Não são fritos, não passam por churrasqueiras nem têm cobertura de chocolate.