Damnus Vobiscum
Estar só é menos que estar apenas consigo mesmo
É um estar curado de toda esquizofrenia
No auge abstrato da misantropia
Alheio ao próprio si vário
Antiproletário
Da personalidade
Lamento dizer realmente lamento
Mas sou um chutador de vento
Aos que dão a títulos o valor correto
Saibam reconhecer o quanto há nisso
De pouco abjeto
Sendo o vento algo escorrediço
Que não se atinge exatamente
Tanto quanto qualquer mente
O maior erro de um filósofo é imaginar que a mente média possa acompanhar seu raciocínio. Surge aí um dilema: ou ele se adapta à sua época, negando quem é, ou se resigna a escrever para uma posteridade quiçá ainda menos favorecida intelectualmente.
Todo definitivo é falso, na medida em que tudo que existe se transforma, deixando de ser o que era. As palavras são servas da hipocrisia, e a escrita, seu arauto através dos tempos. A consciência de tudo é erro, pois a mente é uma casa de espelhos que reflete saídas onde há apenas becos sem volta. Viver é perder-se irrevogavelmente.
Há quanto tempo me berram certezas aos ouvidos? E não estou certo de nada, nem mesmo de não estar certo. Silenciem suas certezas, para que eu possa ouvir minhas dúvidas.
Se quer alguém que te entenda, simplifique-se. Mas esteja preparado para lidar com esse déficit de si mesmo.
Arte é tudo que não se espera daquele do qual nada se sabe. Técnica na arte? Se existe técnica, não existe arte. O verdadeiro artista desconhece suas capacidades artísticas, assim como o louco desconhece sua loucura.
Um escritor que fala em público desintegra toda profundeza essencial que possa algum dia haver guardado em si. Ao procurar propagar suas idéias através da fala, converte-se num traidor da escrita. Escritores deviam fazer voto de silêncio.
Assim como um relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia, certas pessoas caladas são duas vezes mais sábias.
Como se ver livre dos discursos hipócritas? Se eles estão em toda parte, inclusive dentro da gente. A racionalidade é um discurso hipócrita.
Se eu pude aprender algo no decorrer da vida até aqui é que depois de uma certa idade torna-se impossível fazer verdadeiros amigos. Talvez isto de deva a um mecanismo do cérebro que se atrofie com o passar do tempo, alguma pane de natureza sinistra no sistema límbico ou o irremediável azedume da pituitária, qualquer coisa do gênero. E tudo que se pode fazer diante de tais circunstâncias é lutar pela conservação dos amigos que foram feitos, lutar consigo mesmo, na maioria das vezes.
Beber um mar de vinho e naufragar na própria insuficiência. O que se é? Um micróbio nadando contra a corrente. Nunca deixando de ser um espermatozoide perdido no dédalo de um útero seco, de ovários arenosos e óvulos de pedra.
Não há o que fecundar na vida além da aridez da vida em si.
Há uma classe de homens que parece deslocada no tempo, estranhamente decadente, ao menos aparentemente. Há uma classe de homens que não se envolve com os delírios de sua época, de todas as épocas, misantrópica e isolada em uma espécie de orgulho senil e rabugento. Há uma classe de homens que superaram a classe dos homens, para a qual toda humanidade não passa de um grupo choroso de crianças perdidas num parque sombrio, esquecidas pelos pais, sem ter a quem recorrer. Nenhum adulto por perto... e as crianças imaginam pais que jamais tiveram, órfãs estrepitosas que são desde seu incerto nascimento. Há uma classe de homens que compreendeu isso, entendendo também a inutilidade de suas fantasias.
Nossa existência representa um curto período de corrente alternada dentro da incomensurável corrente contínua da eternidade. E toda nossa metafísica se resume na questão: consiste uma tal corrente contínua de vida consciente... ou de inconsciente morte? A julgar pela banalidade de toda experiência, mesmo os mais otimistas deveriam rever seus conceitos fantásticos, aceitando a impossibilidade de uma eternidade saudável para uma mente tão mesquinha quanto a humana.